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Andorra, ou os portugueses que já não moram no paraíso

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Os portugueses são a terceira comunidade do principado HUGO DELGADO

Nunca teve o glamour do Mónaco. Sempre foi um grande hipermercado com a eficiência de paraíso fiscal. Os tempos mudaram. E a vida dos portugueses também

a É possível perdermo-nos em Andorra-a-Velha, a capital do principado. Com cinco bancos nacionais ou de capital maioritariamente andorrano, 500 hotéis em todas as suas declinações e cinco mil estabelecimentos comerciais, os cartazes sobrepõem-se. Anulam-se. A ajuda é com sotaque português. António Silva, há 21 anos na terra, indica o caminho certo. Veio da Sertã, na Beira Baixa, e sorri quando ouve a palavra "maranhos", a iguaria gastronómica da sua terra. Depois, os olhos ganham tristeza: "Só lá vou para o Verão."

António é um dos 13.600 portugueses residentes num principado cuja população é de pouco mais de 80 mil habitantes. São a terceira comunidade, a seguir aos naturais e aos espanhóis. Estão, como este antigo paraíso fiscal, numa encruzilhada.

Desde 2006, segundo os números oficiais, Andorra destruiu cinco mil postos de trabalho. De estrangeiros. Que partiram. "Pela primeira vez, em Andorra, há desemprego autóctone", revela Toni Solañelles, subdirector do Diari D"Andorra. São 554 os inscritos, dos quais 44 vão receber uma ajuda oficial, uma das novidades do novo Governo de centro-esquerda de Jaume Bartomeu.

"A emigração parou", constata Nuno Ribeiro, vice-presidente do Clube de Empresários Portugueses de Andorra (CEPA). Nuno, de 51 anos, veio há duas décadas de Vila Praia de Âncora. Padeiro em Portugal, aqui montou uma empresa de transportes. "Mas já não é como antes, cheguei num sábado e no domingo já estava a trabalhar", lamenta.

A crise na construção afectou os portugueses. Já saíram mais de 400. "Foram para a Suíça, para o Luxemburgo, para África, para onde há trabalho", diz a advogada Patrícia Bragança, de 32 anos, presidente do CEPA. Patrícia veio de Lisboa em 1978 com a mãe divorciada e a irmã, quando tinha apenas um ano. Estudou com bolsas, formou-se em Direito em Toulouse e agora dirige uma assessoria. A vida correu-lhe bem. Tal como a Hugo Gomes, de Barcelos, chegado em 1990, e sócio de uma empresa informática. "Em Portugal, com o salário de camionista do meu pai e de operária têxtil da minha mãe, não podiam educar três filhos."

"O projecto Andorra não contemplava desemprego, havia sempre falta de mão-de-obra, por isso não há subsídio", relata José Manuel da Silva, de 40 anos. Veio há 24 anos de Carrazeda de Ansiães, foi cozinheiro, estabeleceu-se com sucesso na pastelaria, e dos seus fornos vão sair 4500 miniaturas de pastelaria portuguesa para a recepção que Cavaco Silva, o primeiro chefe de Estado de todo o mundo a visitar Andorra, dá à comunidade imigrante. Não está nervoso: "Já fiz bolos para François Mitterrand e Jacques Chirac, que aqui vieram em visitas privadas." José Manuel é o representante eleito em Andorra para o Conselho das Comunidades e fala de outro aspecto da crise. "Temos o problema dos portugueses temporários que vieram para a época da neve, que termina em Abril, e não sabem qual o seu futuro."

A advogada Patrícia defende que os portugueses têm sentido de aventura. Mas nem todos pensam o mesmo. "Os portugueses têm um conceito errado da emigração, sou imigrante aqui e em Portugal", lamenta Aurélio Neiva da Cruz, de 58 anos. Em Lisboa, trabalhou no Galeto e na Mexicana, no Hotel Rex, depois zarpou em cruzeiros e chegou a Andorra em 1977. Instalou-se como cozinheiro e montou negócio. Então, como não tinha 20 anos de residência, recorreu ao sistema "empresta o nome" para abrir o restaurante. Um andorrano aparecia como chefe da sociedade e o dinheiro e o trabalho eram do emigrante. Um esquema que criou não poucos problemas, mas que já foi alterado: o tempo para ter negócio por conta e nome próprio passou para dez anos. Uma grave doença obrigou Aurélio a vender tudo. "Em Andorra, o utente paga 25 por cento das consultas e dos medicamentos", esclarece Gabriel Ubach, secretário-geral da União Sindical de Andorra. A operação, em França, mudou a vida de Aurélio. Sentado à portaria, dirige os serviços de manutenção de um grande edifício. "Se ficar sem trabalho, não tenho outro remédio senão fazer as malas, mas queria aguentar até aos 67 anos, à reforma."

Com o horizonte do regresso a Esposende, Aurélio reflecte: "Os andorranos são muito fechados, a integração também é participar na vida da terra de acolhimento, ter direitos, mas afinal somos imigrantes."

"Os portugueses têm muitas associações, mas os vossos trabalhadores não estão organizados", diz o sindicalista Ubach. Há dez entidades representativas da comunidade. "Todas as quintas-feiras tenho um programa com imigrantes, e a presença dos portugueses é assídua", garante Ester Pons, directora da rádio SER de Andorra. Victor Jorge Pinheiro, de 39 anos, é presidente do Futebol de Sala da Federação Andorrana de Futebol. "Temos 14 equipas federadas", diz este empresário de electrodomésticos, chegado há 12 anos de Carrazeda de Ansiães. A Voz Lusa, revista mensal, de distribuição gratuita, e que cumpriu cinco anos, é um dos elos da comunidade. No principado também há jornais do Minho.

No bar Tyrol, da alegre Elisabete, há conversas portuguesas e muitas doses de passarinhos e de entrecosto frito, pedaços de broa de milho, "lambretas" de cerveja portuguesa. A visita do Presidente anima as conversas. A lisboeta Dina, de 32 anos, há seis a trabalhar na hotelaria em Andorra, desabafa: "Gostava de saber, do Cavaco, por que tudo está tão mal em Portugal."

Para além da crise, os imigrantes têm uma preocupação: o ensino do Português. São 1200 os alunos portugueses que estudam nos três sistemas de ensino de Andorra - catalão, francês e espanhol -, dos quais 500 seguem cursos de língua e cultura portuguesas duas horas por semana no ensino primário. Lisboa pretende que o Português seja considerado como mais uma língua estrangeira de opção e integrada no horário curricular. "Gostava que se ensinasse mais Português nas escolas, mesmo aos adultos", diz Teresa de Jesus Ferreira, comissária-chefe da Polícia Judiciária, a única luso-descendente na alta administração do principado.

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