O que vestem os portugueses e o que deveriam vestir

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miguel manso

A moda, para os portugueses, é uma farda - se fôssemos uma peça de roupa, seríamos umas calças de ganga. Este é o retrato genérico. Mas podemos fatiar o país, dividi-lo entre Norte e Sul, e o Norte ganha: tem mais elegância, mesmo quando usa menos moda. Nas evoluções (que existem, nem tudo é mau), temos o regresso da feminilidade, graças ao vestido. E a corrida dos homens para se porem trendy e em forma, e estão a ultrapassar as mulheres. Os 14 criadores que vão apresentar colecções na ModaLisboa, a partir de 11 de Março, disseram-nos como se vestem os portugueses e sugerem o que deveríamos vestir.

Katty Xiomara

35 anos

Tema da colecção: Tangram (quebra-cabeças chinês)

Falta-nos

o vermelho energético

A forma como os portugueses se vestem tem vindo a mudar. Há uma maior preocupação. O nosso nível de vida não é sequer comparável ao de alguns países e capitais europeias e, se calhar, a forma de vestir não é comparável. Se formos a Milão, notamos que a atmosfera no que respeita a imagem e vestuário é levada muito mais a sério e isso tem a ver com o nível de vida. Mas creio que existe uma preocupação maior e não se trata só de aparecer bem em determinado momento, mas sim no dia-a-dia, na forma como se aparece no trabalho. Já não é só nos dias especiais. Isso é uma mudança importante.

Somos vistos lá fora de uma forma um bocadinho cinzenta. Mas existem agradáveis surpresas. Ao viajar, e quando me apresento como portuguesa, existe uma surpresa agradável. Hoje já não é tão fácil catalogar e rotular as coisas, mas posso dizer que poderíamos ter um pouco mais de cor. Há uma cor portuguesa, que é aquele vermelho, que utilizamos pouco e que é muitíssimo energético. É muito forte e, se for bem utilizado, funciona muito bem. Não tem de ser uma peça ou um total look, por vezes um pequeno acessório, um pequeno motivo, já faz colorir o cinzento.

O que nos falta é um pouco menos de preconceito, sermos mais abertos, mais ligeiros, mais naturais, mais soltos e mais criativos.

Luís Buchinho

40 anos

Tema: Anos 70 revistos pela década de 90

O estilo não se consegue

só com roupa

Se compararmos com o que se vestia há dez anos, há uma melhoria muito significativa. As pessoas vestem-se melhor e estão mais a par das tendências. Há, no entanto, uma certa reserva por parte de que tem mais poder económico para aceitar novas ideias. Mas há uma grande abertura por parte dos que têm menos poder de compra e que gostariam de vestir-se muito melhor.

De uma maneira geral, temos uma população muito virada para a roupa do quotidiano. O dia-a-dia tem a sua expressão máxima, mas as pessoas guardam sempre uma peça mais especial para ocasiões festivas.

O Norte é mais consumidor de moda do que Lisboa. Há um estilo um pouco mais virado para o fashion alternativo no Norte, há mais diversidade. Por muito cliché que seja, a personalidade conta muito. Quanto mais trabalho, mais acredito nisso. Uma pessoa com estilo tem de ter presença e a presença não é transmitida exclusivamente pela roupa. Uma pessoa com estilo tem de estar atenta ao que está em vigor em termos de corrente e depois tem de conseguir coordenar isso de maneira que se ajuste à sua forma física, à sua idade, ao local onde trabalha e ao lugar onde estiver. Isto é generalista. Depois, há exemplos de mil e uma coisas: há advogados que têm imenso estilo, há advogados que são hiper-retrógrados; há pessoas que trabalham em bancos e que estão bem, e há as que estão mal.

Quanto à moda portuguesa, é algo de que não podemos falar no plural. Há um núcleo muito pequeno de criadores que são procurados e isso deve-se a um ciclo vicioso difícil de quebrar. Uma parte da culpa é dos criadores, outra dos lojistas, outra da imprensa e do público. É uma máquina que ainda tem a engrenagem um pouco perra. Tenho lutado muito e tenho conseguido olear essa máquina. Começo a ver alguns resultados.

Em termos de estilo, estamos de certeza ao nível de Espanha. Já Paris é um caso muito particular, embora aí haja alguma homogeneidade, em que o preto é farda. Mas os portugueses não são assim tão "pretos" e eu escolheria uma cor neutra para [identificar] os portugueses. Porém, se olharmos para a rua, o que vemos é uma mancha cinza. Para mim, o cinza nada tem de cinzentismo, o cinzento é uma nuance muito interessante.

Os portugueses estão mais cuidados, mas ainda não são ousados. O vestido foi uma peça fundamental nesta mudança. Os vestidos e as túnicas-vestidos - no dia-a-dia ou à noite - vieram recuperar uma certa feminilidade que estava perdida. Mesmo que não tenham muito jeito para coordenar peças, o vestido já lhes faz a indumentária toda.

Aleksandar Protic

36 anos

Tema: Pintura de Georgia O"Keefe

Como um casaco de peles

Eu acho que ninguém se veste mal, no sentido mais lato da palavra. Mas noto, desde há um ou dois anos, que as gerações mais novas se vestem melhor do que os jovens de há dez anos. Quando cheguei a Portugal [há 11 anos], percebi que não havia muita gente diferente na rua, não havia muitas cores. Fazia-me um bocadinho de confusão, porque em Paris ou em Londres há sempre gente que se destaca na multidão. Há coisas feias, como as calças com a cintura demasiado baixa e a T-shirt a mostrar o umbigo. Uma coisa que vejo sempre [nas portuguesas] e não gosto são as calças com boca de sino, largas, com o salto de agulha e sapato ou bota em bico a espreitar. É uma coisa tipicamente vinda dos media. Os portugueses vêem muita televisão e nela há pouca moda. E a que há é para certos grupos. Os programas que ensinam a vestir são feitos para dar dicas sociais, básicas, mas para as massas. Não educam no sentido da arte da moda. É sempre a bota bicuda, o vestido de seda para a noite e o vestidinho simples com uma gola alta por baixo para o trabalho. Tudo me parece tão uniforme... Não sei se tem a ver com a oferta de lojas como a H&M, a Zara, a Bershka. Acho que as pessoas não pensam se gostam das roupas que compram, mas sim se estão na moda ou não. Parece-me que os portugueses têm medo de ser diferentes. Talvez por até há 30 anos o país ter vivido tão fechado. Talvez porque não há muita oferta: não encontro sapatos de que goste em Portugal, há muita oferta mais mainstream, mas tudo o que é um pouco diferente não há cá. Os mais jovens, não sei se viajando ou se pela Internet, vão buscar essas peças originais lá fora e isso é óptimo. Normalmente as pessoas que querem ser diferentes não têm dinheiro para comprar roupa gira e diferente. E as pessoas com poder de compra raramente adquirem esse tipo de peças. É um problema típico de um país em transição.

Portugal, para mim, é um casaco de peles. Porque é muito acolhedor. É um país muito cosy. O que digo sempre às minhas clientes e amigas é que comprem menos roupa nas lojas mais baratas. É melhor gastar mais em menos peças, que vão durar anos, são diferentes e bem feitas. Quanto aos homens, é uma opinião muito pessoal, mas penso que a moda de homem não deve ser demasiado diferente, demasiado cuidada. Sou contra os homens-modelo, contra os metrossexuais.

Manuel Alves, da dupla Alves/Gonçalves

"Nasci nos anos 1950"

Tema: Racionalismo espontâneo

Isto já vem do tempo

de D. Afonso Henriques

O panorama é triste. A rua é muito triste porque não se sente. Lisboa não é uma cidade muito cosmopolita. Bom, é um bocadinho mais do que no passado, mas os próprios portugueses são tristes, não sei por que razão. Talvez seja por formação, talvez por uma questão económica, talvez por falta de auto-estima. O facto é que Lisboa é uma cidade muito triste, pouco enérgica na maneira como se representa na rua através do vestuário.

Por exemplo, os homens são muito comedidos na sua apresentação. Usam os seus fatinhos cinzentos, sempre um bocadinho larguinhos, que combinam com gravatas sempre discretas, com as riscas na diagonal, camisas lisas ou às riscas. Parece até que existem códigos para algumas profissões como os bancários ou quadros de empresas. Basta irmos a Londres para o panorama ser diferente: os homens estão muito mais aprumados. É a estrutura, é o corpo, as formas mais ousadas, mais apuradas. Usam padrões, casacos de riscas ou xadrez; têm o sentido do irónico, do divertido, seja através de lenços de cor ou de gravatas rosa. A rua é uma espampanância visual. E os sapatos são fantásticos, os dos portugueses são péssimos.

O grande problema da mulher portuguesa é o esquecimento que ela tem do valor da sedução. O andar, a postura, são péssimos. Há falta de criatividade na mistura das cores, de padrões. E há falta de cuidado: não cuidam bem dos cabelos, basta olhar para a cor das raízes dos cabelos pintados. Lisboa tem um ambiente muito suburbano.

Isto tem a ver com a cultura. Os portugueses não sabem ler moda e a televisão e os meios de comunicação não são pedagógicos, não há um farol que guie as pessoas e os maus exemplos são dados todos os dias pelas apresentadoras dos telejornais ou pelas novelas. As novelas são mesmo pobres: é o décor, o guarda-roupa paupérrimo... Por exemplo, a personagem principal de Perfeito Coração é uma menina muito rica, apesar de ser um bocadinho outsider do sistema, e não há sinais que digam que ela é filha de um grande banqueiro. As personagens não vão ao encontro da realidade portuguesa. As novelas brasileiras são melhores, o povo pode ser pobre mas as pessoas cuidam-se muito no meio das contingências económicas, são vaidosas, têm uma auto-estima muito grande. Nas camadas mais jovens é a mesma coisa.

Mas também há gente muito interessante em Lisboa, com uma dinâmica muito urbana, que fazem parte de tribos alternativas ou são casos pontuais. É o bem-estar social ou económico que permite esta mais-valia e passar para a fase seguinte que é o lúdico, o prazer. É aí que entra a moda.

Eu e o Pedro Pina, no nosso programa no Rádio Clube Português [À Mesa Com Eles, domingos 9h-10h], dissemos como se detecta um português num aeroporto: o casaquinho ao ombro, a parkita, o sapatucho, a maneira de estar sentado, a falta de elegância, o não saber mexer as mãos. Acusaram-nos de ser uns pedantes. É o orgulhozinho muito ferido. Acho que vamos ser sempre assim, isto já vem do tempo do D. Afonso Henriques - tivemos sempre uma monarquia que não soube dinamizar o país do ponto de vista cultural, e os recursos que entraram no país não se sabe para que foram: umas igrejitas, uns mosteiros.

Agora começamos a dar alguns passos a nível cultural. A escolaridade obrigatória é muito importante. Falta o saber viver, o grande drama deste país. Os portugueses sob o ponto de vista cultural não são curiosos, passam ao lado das coisas, são cegos. É o deixar estar.

Ana Salazar

68 anos

Tema: Checking values

Estilos rebuscados

É muito raro ver pessoas com estilo em Portugal. O vestuário é a continuação da personalidade e, de forma geral, os portugueses vestem-se mal. Há um forte conservadorismo e muita falta de atitude.

Não posso dizer que as pessoas se vestem com cinzentismo porque gosto muito de cinzento e não tem a ver com a cor em si, mas sim com a forma como as pessoas se vestem. As mulheres acima dos 30 anos não arriscam, não gostam da diferença. Vestem-se todas da mesma maneira, está tudo muito uniformizado. Deviam ousar e procurar a diferença. É essa a minha maneira de estar, e o que defendo e o conselho que lhes deixo.

Na faixa etária dos 20 já há mais originalidade, de procura de estilos diferentes, como vemos em Nova Iorque ou Paris. Já é um bom começo.

As pessoas procuram parâmetros nas revistas de moda, mas é preciso que saibam ler a moda, que percebam que as imagens das produções de moda têm de ser sempre fortíssimas para conseguirem passar a mensagem dos stylists e criadores. Não se tem de vestir todas as peças de roupa que estão na imagem mas sim apanhar um bocadinho do sonho que vem na mensagem. Não digo que isso não acontece hoje, mas já vi mais: os anos de 1960 e 1970 foram mais libertadores, as pessoas produziam-se e arranjavam-se mais.

O que se passa é que actualmente não há pessoas muito interessantes a vestir, não há pessoas que se destaquem. Está tudo muito adormecido. As pessoas são muito convencionais, mas isso também passa pela maneira como os portugueses se sentem. Este cinzentismo é muito português, não é um fenómeno global. Por exemplo, em Paris, onde estive há poucos dias, há pessoas muito engraçadas, que vestem diferentes estilos e sempre com muita graça. Há ousadia, pratica-se o gosto pela diferença. Também já tivemos um pouco disso por cá, no pós-25 de Abril, mas nos últimos anos está tudo mais standardizado, cada vez mais igual: se os cabelos compridos estão na moda, todos usam os cabelos compridos.

A moda é um reflexo de outros fenómenos como a política, a economia e a cultura em geral. E, além da crise mundial, temos uma enorme crise nacional, em todos os sectores. As pessoas estão sem fôlego, sem imaginação e com pouca vontade. Digamos que esta é uma fase menos interessante, que automaticamente afecta o vestuário e a moda, que são algo de muito lúdico. Por vezes, basta uma peça de roupa nova para se ganhar outro ânimo.

Os portugueses não têm um estilo definido. Usam ideias muito rebuscadas. O estilo é inato e é muito raro ver pessoas com estilo por cá. Lembro-me que nos anos de 1980 sim, os de 1990 já não foram brilhantes, mas agora ainda é pior. Não tem a ver com uma ou outra peça de roupa, porque é só uma questão de conjugação que até difere de pessoa para pessoa. Até podem ser peças de roupa que eu não gosto, mas que no conjunto ficam bem à pessoa que as veste. O que se passa é que, em vez de as pessoas quererem marcar a diferença, ousar, parece que procuram vestir-se de igual, de uma forma standard, sem interesse. Sem estilo.

Alexandra Moura

36 anos

Tema: De corpo e alma

O efeito MTV

As diferenças geográficas ou económicas esbateram-se. Tanto no litoral quanto no interior, há pessoas com mais poder de compra que investem em peças mais originais. O mesmo é válido para as pessoas com menos preocupação de gosto que recorrem às lojas mais massificadas. Com a chegada dessas lojas, as pessoas começam a ter gosto por trabalhar a sua imagem.

Ainda falta originalidade e individualidade, porque comprar muito e barato não é sinónimo de estilo. Há receio de arriscar em algo que não está na montra. Mas mesmo assim já se vê gente muito engraçada nas ruas, com jeitos próprios para coordenar peças vintage, de criador e outras de forma mais original. O que inibe mesmo a nossa cultura é a crítica, o julgar o outro. Criticamos o outro pelo que somos. Isto vem tudo de trás, do medo de arriscar, da opinião do outro, do julgamento típico do país saudosista e tradicionalista que somos.

Não somos um país com grande potencial económico para podermos viajar e ir comprar fora. Há uns anos, havia os corajosos dos vanguardistas, dos góticos, dos metaleiros - mas sempre grupos muito pequenos. Um grande incentivo foi a entrada do satélite e do cabo, de novos canais, a MTV - as pessoas começam a perceber outros mundos. Se se for genuíno no estilo, as tribos fazem muita falta para que a comunicação se espalhe e se funda com outros elementos e crie uma coisa nova. Para homem e para mulher.

É pena que ao olhar aqui para a zona do Saldanha [praça de Lisboa], por exemplo, os homens sejam todos iguais, com os seus fatos escuros. Todos da mesma escola. Talvez as nossas empresas ainda não sejam muito abertas a uma imagem alternativa que mantenha a credibilidade e elegância. Já é frequente ver esse tipo de homens em cargos elevados (ou não) noutros países. Nas mulheres, há uma peça que me tira do sério: aquela calça tipo fato de viscose ou terylene, justa no rabo e que abre na perna e deixa o sapato preto com a meia cor de pele à mostra. Há tantas alternativas, cortes mais masculinos ou mais elegantes... A dica que dou é que as pessoas conjuguem peças com que se sentem bem. Nem sempre a tendência é assertiva: não se adequa a todos os tipos de corpo, independentemente de estar na moda. Quanto mais informado se for, mais visão se tem. Se não se pode viajar, há o cinema, a televisão, a Web. Mas é importante filtrar essa informação.

Ricardo Preto

37 anos

Tema: Galaxian Souk Bazar

Atitude!

Os portugueses vestem-se melhor agora do que há uns anos. Hoje, com a abertura de diversas lojas de baixo custo (Zara ou H&M), só anda mal vestido quem quer. E a moda permite uma grande profusão de estilos. O que me agrada mais quando olho para as pessoas na rua é a sua atitude. Admiro, por exemplo, aquelas pessoas que têm jeito para não combinar nada, que parece que a roupa foi escolhida ao calhas. Só que a atitude é tão forte... percebe-se que a pessoa se sente tão bem naquele estilo que me provoca uma certa admiração. Neste momento, para mim, a moda é só atitude e a maneira como se conjugam as peças. O que falta é ver as pessoas felizes, e a felicidade é vital para um ser humano estar bonito.

Comparando com outras capitais, e dando o exemplo de uma festa em Nova Iorque, as mulheres vestem microvestidos, escolhem peças com brilho, estão bem maquilhadas, com o cabelo solto, mesmo num panorama de crise mundial. Por cá as pessoas, regra geral, estão cuidadas mas a maioria veste calças de ganga.

No nosso país não existe uma cultura de moda. Continuamos a olhar para a moda como uma coisa pequenina que não se percebe se é bom ou mau. Tem de existir é uma vontade de vestir e uma maior abertura de cabeça. Já estamos melhor, daí estas novas leis [as uniões gay], apesar de estarem a ser aprovadas muito devagar, com muito fado. Não conseguimos ter uma visão larga das coisas. Acho que é por isso que desde o tempo dos Descobrimentos temos vindo a morrer, a morrer, e hoje estamos com um fiozinho de vida. Tem tudo a ver com uma questão psicológica e a auto-estima.

Esta nova geração de estudantes das áreas ligadas à moda já começa a ter outra atitude, mas esses não querem cá ficar, querem ir-se embora porque sabem que aqui não conseguem ter sucesso.

As pessoas têm de se centrar em si e no que se passa à sua volta. Têm de ser mais activas e ter mais civismo. Temos de ter mais orgulho em nós, funcionarmos um pouco mais como uma família, porque isto só vai evoluir quando todos gostarmos de nós próprios. Já começa a aparecer um bocadinho de orgulho nacional através de campanhas que dizem que o que é português é bom.

Das pessoas que vão à ModaLisboa quantas vestem criadores nacionais? Lamentavelmente, a ModaLisboa ainda é um desfile de moda estrangeira. Percebo que há muita coisa experimental, mas o que há é uma grande falta de patriotismo.

Dino Alves

42 anos

Tema: He, she and me

Os ténis instalaram-se

O que é vestir bem? É vestir roupas caras? Não. É vestir as últimas tendências? Não. É preciso saber conjugar as coisas, ter um sentido de estilo. Hoje há muita opção. Só se veste mal quem quer ou quem se está nas tintas. Lembro-me que quando vim para Lisboa ia à Feira da Ladra comprar roupa por um ou dois euros. E ainda outro dia estava no café a ouvir um grupo de rapazes que tinham comprado calças de ganga por cinco ou nove euros numa dessas lojas mais acessíveis. É o preço de um lanche!

Há um lado positivo no futebol: os jogadores, primeiro o David Beckham e hoje Cristiano Ronaldo, vestem-se de determinada forma e influenciam imenso os rapazes a libertarem-se de certos preconceitos que havia quando eu era mais novo. Era impensável na altura um rapaz usar um corte de cabelo, uma cor ou acessórios iguais aos de uma rapariga. Hoje os homens depilam-se, usam o rosa, o amarelo, há rapazes com calças vermelhas, amarelas. Antes havia um estereótipo e um olhar crítico que fazia com que as pessoas não se sentissem bem quando usavam determinadas coisas. Claro que houve o António Variações, mas é uma pessoa única. E mesmo as mulheres têm menos problemas em ter uma imagem mais exposta, mais sexy. Havia regras mais rígidas. Hoje, quando vou à minha terra [Anadia], vejo os rapazes de 18, 20 anos, com o mesmo look dos rapazes de Lisboa. A informação chega a todo o lado da mesma maneira e o que há em Lisboa há em Aveiro, em Coimbra... Toda a gente tem carro e pode deslocar-se.

Uma peça que se veja em muitos portugueses? Os ténis instalaram-se de uma maneira... Há de todos os feitios, cores, mais fashion, mais desportivos. Há muitos anos as sapatilhas eram coisa de pobre ou para desporto. A lógica de não deixar entrar na discoteca quem está de ténis vem daí. Não uso outra coisa senão ténis e se um dia acabarem com a T-shirt e as calças de ganga, para mim será um grande desgosto. Para mudar os portugueses, falta uma revolução de mentalidades, que não se opera em cinco ou dez anos. É uma questão de gerações e falta arriscar mais. Os portugueses podiam divertir-se mais, serem ou deixarem os outros ser mais livres. Sou contra os olhares hostis na rua quando passa alguém diferente.

Miguel Vieira

43 anos

Tema: Saudade

As mulheres

já não têm bigode

A classe alta veste muitíssimo bem. É um segmento que viaja, que está por dentro do que acontece nos circuitos internacionais, que está actualizado em termos de revistas, que visita as lojas internacionais.

O resto dos portugueses tem a sorte de ter as marcas internacionais, as grandes lojas, nomeadamente as espanholas. A maior parte das roupas são fabricadas nas "indonésias e chinas", mas é por isso que têm preços acessíveis que atraem o público que não tem muito dinheiro para investir em vestuário.

Há uma cor associada aos portugueses. Se repararmos na multidão, percebemos que domina o preto. Não sei se é do país ou se é uma cor mais fácil. Mas quando olhamos para uma rua, para um concerto, para um estádio, a cor que predomina é geralmente o preto.

Acima de tudo, gostava que os portugueses se considerassem patriotas. Deviam vestir tudo o que é feito em Portugal, à semelhança do que eu faço. E deviam ter esta atitude não só no vestuário, mas também nos restantes produtos e nos bens essenciais. Tento usar o máximo possível as coisas portuguesas.

Passo a minha vida no estrangeiro. As pessoas [lá fora] pensam que em Portugal as mulheres e os homens têm corpos um bocado estranhos, que as mulheres têm bigode. Mas, ao longo de 23 anos de carreira, tenho-me apercebido das mudanças [no corpo, na estatura, nos cuidados com o corpo]. As mulheres são lindíssimas em Portugal, têm excelentes corpos, sem aquela gordura que ainda perdura numa certa imagem. Independentemente da classe social a que pertencem, as mulheres e os homens cuidam-se bastante, preocupam-se com a sua imagem. Claro que não é a totalidade das pessoas, mas preocupam-se. E o vestuário já está integrado nisso.

Pedro Pedro

36 anos

Tema: Tout va bien

Viva o vestido

De forma geral, os portugueses vestem-se mal. Não são muito imaginativos. É muito regras e fardamento, há pouca individualidade na forma de vestir. Talvez fosse bom as pessoas aprenderem a brincar com as proporções, porque há muitas mulheres - eu trabalho para mulheres - que não tiram partido do seu corpo, pois brincam pouco com as proporções. Hoje, a oferta neste campo é tão rica. Claro que esta crise económica retrai as pessoas, as cores que escolhem são mais escuras e vestem-se um bocadinho pior. A crise reflecte-se na imagem.

Nos últimos anos houve uma mudança, ainda assim. Há mais marcas, mais fabricantes e coisas diferentes, mas [essas lojas] também trouxeram o efeito oposto - o de massificar e uniformizar a imagem das pessoas. Defendo o comércio mais pequeno, mais tradicional, em que as pessoas trabalham mais nichos de mercado, peças mais especiais, diferentes.

Devido às políticas de marketing de algumas lojas de venda massificada e ao seu peso junto dos consumidores, os portugueses andam informados e a par das tendências comerciais. Mas existe alguma preguiça por parte dos consumidores, associada ao estilo de vida social e profissional que têm, que faz com que exista um certo facilitismo no acto de escolha. Temos de ter noção do nosso corpo e de quais as peças que melhor se adequam ao nosso estilo. Um exemplo: o vestido é uma peça de roupa de que as mulheres podem tirar muito partido e que durante muito tempo deixaram de usar com frequência. O vestido pode ser tudo: duro, ousado, conservador, sexy, autoritário - gosto de mulheres um bocadinho agressivas, mas não em demasia -, romântico, feérico, masculino, coquete... Hoje já começa a ser mais usado. A meu ver, é a peça de excelência feminina.

Filipe Faísca

44 anos

Tema: Namban

Elas só querem agradar

aos maridos

A mulher portuguesa veste-se para o marido. E esconde o que gasta porque tem vergonha do que gasta. Depois existe muito o marido não querer que ela se mostre: os decotes, o vestido mais justo ou mais apertado. É natural querer agradar ao marido desde que não seja castrador. Elas querem estar discretas, tapadas, nunca querem estar super-sexy - adjectivo que nunca é muito agradável para elas.

Somos muito conservadores. É o peso que transportamos do passado. A portuguesa é uma mulher que ainda não se identificou a nível da sua liberdade sexual. Gosto da discrição mas, por exemplo, um clássico twin set pode ser discreto e super-sexy, mas as mulheres ainda não conseguem fazer esta conjugação e a escolha é sempre feita em cima de um sentimento de insegurança. Penso que há um espelho castigador que leva a que as mulheres tenham uma visão distorcida do seu corpo. Acham que por terem 40 anos têm de tapar os braços, o que é verdade para umas, mas para outras não. E isso ainda é pior nas faixas etárias mais jovens, muitas estão coagidas em relação ao namorado. Acham que têm de fingir que são discretas, burguesas, muitas delas têm atitudes construídas e não se soltam, não se mostram, não se sabem divertir.

As portuguesas não arriscam. Preferem uma cor única a padrões. E quando se fala em misturar padrões ainda é mais complicado. Já lá vai o tempo em que não se misturava o xadrez com as riscas ou o verde com o azul, só que não é fácil para elas interiorizarem. É por isso que a paleta de cores em Portugal é tristíssima: no Inverno é um preto acastanhado, toda a gama de cinzas que se possa imaginar, tudo o que é jeans russo, castanho, castanho, castanho, cinzento, antracite, preto, mas não como se usa em Paris, em total look.

Há também outra coisa que é o facto de as pessoas não estarem habituadas a gastar dinheiro em roupa. Mas também existe o contrário: há pessoas que gastam fortunas em roupas e estão sempre mal vestidas. O que tem a ver também com uma cultura de loja. Por exemplo, em Nova Iorque, os empregados ajudam os clientes a escolher o que lhes fica bem, por cá só tentam convencer a comprar e mais nada, não são sinceros. É a diferença entre o vender e o impingir.

Quanto à moda para homem, tudo o que há é clássico. Só que como é esse o estilo que prevalece, acabam por escapar mais facilmente do que a mulher. Mas há uma enorme diferença entre vestir um fato que se ajusta ao corpo ou escolher um dois tamanhos acima - é assim que os portugueses se vestem. A roupa de homem é feita de pormenores e é preciso saber olhar. E refiro-me apenas ao clássico.

Nuno Baltazar

35 anos

Tema: Paris Deco New York

Se Portugal fosse roupa,

seria umas calças de ganga

Não sou muito positivo relativamente à forma como os portugueses se vestem. Arriscam pouco, são conservadores no sentido de preferirem jogar pelo seguro e usar roupa que vêem em muita gente na rua. É muito fácil olharmos para um grupo de mulheres e elas parecem estar todas vestidas da mesma maneira. São pouco criativas na forma como criam o seu guarda-roupa, como escolhem o que vestem de acordo com as situações.

Os homens também, mas menos. Noto uma maior evolução na forma como o homem português veste. Porquê? Não existe uma competição tão grande entre os homens, talvez vestir seja um acto mais individual, menos preocupado com o que o outro vai pensar, o que faz com que cada homem possa ganhar um estilo mais próprio. As mulheres são susceptíveis ao que as amigas pensam, ao que vão dizer, ao que os homens vão pensar. É quase uma contradição: preocupam-se mais, mas ficam mais iguais. Têm medo porque a sua principal preocupação não é ser notada, é não ser criticada. As mulheres têm muito medo da crítica, de arriscar algo que ainda não viram. Se já tiverem visto uma amiga com algo, então usam. Mas, por iniciativa delas, não são capazes de criar uma imagem mais personalizada.

Creio que a forma como se veste no Porto e em Lisboa é diferente. Em Lisboa já existe uma maior informação de moda, maior individualidade na criação do look próprio. Mas o que acontece é [as pessoas de Lisboa] serem pouco sofisticadas em algumas situações. No Porto, as mulheres são mais sofisticadas, mas têm menos informação de moda. Os portugueses deviam ser mais afirmativos na forma como se vestem. A questão da afirmação é um problema global porque se nota em várias áreas da sociedade portuguesa e o vestuário é um reflexo dessa realidade social. Só tínhamos a ganhar se tivéssemos mais auto-estima. Estamos muito à espera de que as coisas aconteçam. Passamos metade do dia a criticar o que se faz, a falar mal dos políticos, a comentar a vida dos outros... e somos pouco criativos, temos muito pouco espírito de iniciativa.

Se tivesse de escolher uma peça de roupa que dissesse o que nós somos, diria que somos umas calças de ganga. E devíamos ser uma peça única.

Ricardo Dourado

29 anos

Tema: Flesh, Trash, Heat (trilogia de filmes de Paul Morrissey feitos na Factory)

Liberdade condicionada

Nos anos 1980, com a chegada das cadeias internacionais, a moda democratizou-se um pouco. No entanto, agora há uma espécie de liberdade condicionada. Há acesso a peças mais de tendência e, se há 20 anos os portugueses se vestiam no limiar do que é aceitável, hoje estão um pouco melhor - mas sem originalidade. Seguem meia dúzia de figuras públicas, a quem também falta originalidade e que têm um estilo pouco desenvolvido.

Isto deve-se à falta de informação, de cultura geral, de formação individual. O português ainda é uma pessoa muito sedentária, é-lhe difícil viajar, aceitar novas ideias, andar a par da moda. Custa habituar-se à mudança e usa os clássicos de sempre. Hoje a moda está absolutamente democratizada, mas o mais difícil é encontrar um estilo e fazê-lo nosso. Os portugueses não têm esse estilo. Portugal ainda está na cauda da Europa e mesmo as marcas portuguesas mais conhecidas não nos apresentam colecções inteiras, têm preocupações comerciais muito fortes. É pensar nas lojas em que as peças estão penduradas e já ordenadas para que as pessoas comprem logo um conjunto. E as pessoas informadas, com poder de compra, que viajam e que ainda procuram o status pela roupa, fazem-no através das marcas internacionais. O que é fruto de um novo-riquismo absoluto. Tem de se incutir nas pessoas o gosto pela informação, pela pesquisa, pela novidade. É educar uma sociedade e só com alguns anos de esforço se consegue. Uma coisa que gostava de ver nas ruas portuguesas são mais peças em pêlo, mas sem ter o ar clássico das senhoras de 60 anos. É uma das coisas que se vêem lá fora, em casacos e vestidos, mas que em Portugal só conseguimos se formos pedir as peças das nossas avós.

Nuno Gama

43 anos

Tema: Soldados da saudade

O Norte é mais "trendy"

O Norte investe mais na forma como se veste. Tem mais cuidado. Se as pessoas vão jantar fora ou a casa de um amigo, ou sair à noite, produzem-se muito. No Sul, produzem-se menos. Evoluímos muito nos últimos tempos. Antes, as mulheres arranjavam-se e os homens eram uns coitadinhos, agora os homens estão a passar à frente das mulheres e acho muito bem. Lamento que as pessoas não usem tanto produto português como deviam. Em vez de pensarem que poderiam contribuir para o produto português e para as suas indústrias, estão a contribuir para outros países. Se eu colocar gasóleo na Galp, estou a contribuir para a economia nacional. Se colocar gasóleo na BP ou na Repsol, estou a contribuir para outros países e organizações. Essa perspectiva Portugal não tem, não nos valorizamos - a não ser em alguns momentos do futebol, quando achamos que vamos ganhar os jogos todos e depois não ganhamos.

O Norte é de Leiria para cima, o Sul de Leiria para baixo. Isso vê-se até pela quantidade de lojas que existem - de Leiria para cima é quatro ou cinco vezes mais. As pessoas no Norte cuidam mais da aparência no dia-a-dia. Um jogador de futebol aparece com um corte de cabelo novo, os rapazes adoptam esse penteado. Fala-se que a cor deste ano é o roxo, no Norte as pessoas andam automaticamente de roxo, no Sul menos. São fenómenos sociais e talvez económicos, mas a verdade é que as pessoas têm comportamentos diferentes.

A norte, as pessoas cultivam-se mais e gostam de manter esse cuidado com o corpo, a imagem, o apresentar-se bem. No Sul, pelo menos nos circuitos que frequento, têm uma atitude mais descontraída, as pessoas valem o que são, as pessoas aqui tentam impor-se um bocado pelo que vestem, pelo carro que têm e pelas pessoas com quem andam. Se no Norte precisam de mais aparência do que no Sul? Não fiz nenhum estudo sociológico, mas que a diferença existe, existe.

O Norte é mais trendy. Repare: ainda vejo serem construídos condomínios em Lisboa, que são coisas dos anos 70, à pato-bravo. No Norte, isso já não existe há muito. As pessoas aqui estão habituadas a áreas boas nos apartamentos, a bons acabamentos, nas madeiras, vidros, puxadores das portas, mármores... Quase que compararia as pessoas de Barcelona às do Porto e as de Lisboa às de Madrid. As pessoas de Lisboa têm um tipo de exigência, as do Norte têm outro. Qualquer restaurante que abra no Porto é muito bonito, muito cuidado. Aqui há um cuidado com as coisas que não existe tanto aí em baixo.

Onde é que devíamos estar em termos de moda? Sou daquelas pessoas que acham que isso não existe: o que deveria ser é o que é. Todos nós temos de aprender à velocidade daquilo que somos e vamos chegar onde temos de chegar. Fazem-me confusão as pessoas que vivem no estigma do "eu gostava de...". Qualquer experiência que não seja experimentada por mim é uma falsa experiência. a

Depoimentos recolhidos por Ana Gomes Ferreira, Joana Amaral Cardoso e Maria Antónia Ascensão

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