"Especializei-me em processar o Estado"
A primeira vez agiu em causa própria, para se queixar a Estrasburgo da lentidão da justiça portuguesa. Foi a primeira de muitas vitórias do advogado. Esta semana somou mais duas
"Já sorriu hoje?", lê-se num quadro pendurado - mesmo ao lado do aviso "Consultas pagas na hora, sem excepção" - na parede do pequeno escritório de Matosinhos. É aqui que trabalha um dos maiores "processadores profissionais" contra o Estado português por causa da lentidão da justiça. Jorge Jesus Ferreira Alves terá, sem dúvida, razões para sorrir. Nos dados guardados no computador, numa pasta com o título Tribunal Europeu (TE), contabiliza duas dezenas de processos ganhos, cerca de meia centena de projectos pendentes e zero derrotas. Para o advogado, a partir de cinco anos de espera por uma decisão, o Estado português pode e deve ser processado.
"Só à minha conta, em acções em meu nome pessoal, o Estado perdeu cinco vezes", refere o advogado conhecido nos acórdãos por JJF Alves. O princípio da história de vitórias em processos contra o Estado assinala-se no ano 2000. Por causa de uma acção relativa a pagamento de honorários em atraso, o advogado decidiu que a espera por uma decisão do tribunal ultrapassava os limites do admissível. Avançou para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e ganhou. Hoje, só lamenta não ter tido "o feeling" antes para começar esta odisseia mais cedo. "Encontrei aqui uma coisa interessante", diz, com um sorriso. E sobre o facto de ser um dos poucos a explorar esta "fraqueza" do Estado português com juízes sobrecarregados com milhares de processos considera, sem papas na língua: "Os colegas são invejosos ou têm medo de avançar".
Pouco depois de vencer os primeiros processos no TE e conseguir ver o Estado português obrigado a pagar pela demora na decisão judicial, JJF Alves foi a Paris. "Para lá, a minha bagagem pesava oito quilos. Regressei com 20 quilos na mala mais um saco cheio que trazia às costas". O peso extraordinário devia-se a milhares de páginas de vários livros sobre "estas coisas do TE e da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais". Inspiração suficiente para publicar três obras, com a editora Legis, nos anos seguintes: Morosidade da Justiça - Como podem ser indemnizados os injustiçados por causa da lentidão dos tribunais à luz da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, em 2006, Como processar o Estado (no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e nos tribunais nacionais por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em 2007, e A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada e Protocolos Adicionais Anotados, em 2008.
Jorge Jesus Ferreira Alves não se vê como um justiceiro ou como uma raposa matreira que encontrou uma porta aberta da lei. É, diz, um "advogado audaz contra o Estado" que cumpre o seu dever de tentar obter melhor justiça. Sobretudo, mais rápida. Hoje, passados alguns anos a investir nestes processos, soma já vinte vitórias. "Nunca perdi um caso destes", garante. Só esta semana tem duas vitórias para juntar à lista das "queixas encerradas" da pasta do Tribunal Europeu. Na próxima terça-feira, espera ganhar mais uma vez noutra acção. "Tudo o que ultrapasse cinco anos à espera de decisão merece um processo, no meu entender", refere. A alegação pode variar em alguns pormenores, mas a principal assenta no artigo 6.º da Convenção. Foi aqui que o advogado encontrou a tal porta aberta. E é por aí que entram todos os seus clientes, desde que haja cabimento para uma acção deste tipo. "Sugiro este caminho a todos os meu clientes. Quando tenho um processo, perspectivo logo esta via ao abrigo da Convenção", admite. Há casos de despejo, liquidação de dívidas e outros. Num dos casos, lembra, para acelerar um processo de despejo, terá afirmado ao tribunal que esperava uma decisão até ao período de férias ou, caso contrário, processaria o Estado. A resposta do tribunal foi uma queixa à Ordem dos Advogados baseada numa alegada ameaça do advogado. "A Ordem dos Advogados processou-me e eu ri-me. Processar o Estado não é uma ameaça é exercer um direito", conta.
E não é só por demorar a decidir que o Estado se arrisca a ser processado. "Este artigo 6.º da Convenção tem muita coisa da qual os cidadãos se podem queixar", avisa, falando em "sentenças mal fundamentadas, questões suscitadas nos tribunais nacionais que os juízes não apreciam, despachos do Ministério Público que não são notificados às partes". Depois, acrescenta, há ainda o artigo 8.º da Convenção que zela pelo respeito pela vida privada, correspondência e familiar. Basta procurar.
Uma acção contra o Estado pela lentidão da justiça tem limites. É preciso, por exemplo, que se esgotem primeiro as vias internas de recurso e que o processo não trate matéria de natureza fiscal. De resto, cumprindo-se alguns requisitos, ganhar até parece fácil. Ainda que as indemnizações decididas pelo Tribunal Europeu sejam muito baixas, segundo o advogado. Nos cinco processos em seu nome, arrecadou cerca de 25 mil euros mas no total de acções por causa da lentidão, JFF Alves fala em valores pagos pelo Estado que chegam até aos 360 mil euros. "O Estado está a ter o que merece. Nenhuma decisão demorada é justa", refere sem hesitar. É que, sublinha, "a culpa não é dos juízes que têm cinco ou sete mil processos para tratar e só têm duas mãos". Por fim, faz questão de deixar uma mensagem em jeito de apelo: "Em Portugal, há mais de 500 mil processos atrasados. Ora, cada processo tem pelo menos duas partes. Isso significa que poderia existir um milhão de queixas no Tribunal Europeu por demora na justiça. Talvez se o Estado fosse condenado cinco mil vezes por semana se sentisse obrigado a adoptar medidas para que a justiça fosse mais célere e as coisas mudassem definitivamente". Nesse dia, JFF Alves podia reformar-se.