A obra dos Coen nunca primou pela regularidade, oscilando entre exercícios perfeitos de cinefilia - do hitchcockiano "Blood Simple" (1984) ao maltratado "Hudsucker Proxy" (1994), a lembrar Capra - e objectos mais pessoais e indefiníveis, entre o negrume surrealizante e estéril de "Barton Fink" (1991), o equilíbrio "cómico-policial" de "Fargo" (1996), o disparate de "O Grande Lebowski" (1996) e a paródia descabelada de "Irmão, Onde Estás?" (2000).
Depois da consagração da Academia, com o excelente "Este País Não É para Velhos" (2007), esperava-se que a dupla enveredasse por uma liberdade representativa total, mas estava longe das previsões que a escolha recaísse sobre o universo autista de um judaísmo militante fechado sobre si próprio, glosando a história bíblica de Job e construindo um filme desconjuntado e titubeante. Se não, vejamos: qual a função daquele estranhíssimo prólogo, fábula sobre a morte e a fantasmática sobrevivência? Como entender que uma "comédia negra" se perca em infindáveis interregnos com Rabis, episódios avulsos de política universitária, com subornos por parte de alunos coreanos, e rituais de iniciação judaica, tudo ambientado com a música inesperada dos Jefferson Airplane (provavelmente o melhor do filme)? E a história inacreditável do irmão jogador, frustrado e acusado de sodomia, a viver no sofá e a queixar-se de dores no pescoço, onde entra na lógica aparente de uma crónica grotesca da vida suburbana?
Nada liga com nada, tudo aponta para uma autocomplacência do "vale tudo", desde a ninfomania da vizinha que toma banhos de Sol nua até aos desastres em cadeia, desde os sonhos mal encenados aos pesadelos reais de um professor abandonado pela mulher ou "perseguido" pelos filhos que vivem obcecados pela televisão ou por uma mal definido escape ao real, com consumo de marijuana ou fuga para "o buraco" (a filha que está sempre a caminho de "The Hole").
Quanto deste estranho "A Serious Man" nos escapa por falta de referências ao universo claustrofóbico de um judaísmo caricaturado? Ou quanto se torna desinteressante verificar como um "filme de arte" ("arty" como conceito pejorativo) joga com reconhecíveis estereótipos do judeu universitário? O que pretendem os irmãos? Integrar o imaginário do "shlemil" judaico? Rimar, com menos humor e talento, com as comédias de Woody Allen? Ou apenas gerir meios (bons actores quase desconhecidos, um trabalho fotográfico notável) para acrescentar mais um título a uma filmografia, apesar de tudo, prestigiosa?
A tantas perguntas as respostas não se revelam evidentes. O que fica sempre é a noção da inutilidade do exercício. Se o objectivo era confundir o espectador e afastá-lo do projecto, como "gentio" ignorante, resulta em pleno: o humor, mesmo quando se pretende como fim em si, não pode ignorar a recepção. O pior que pode dizer-se de "A Serious Man" passa pela sensaboria de um filme que se arrasta, sem tom nem som, por intermináveis minutos de acumulação de efeitos "cómicos", sem que se vislumbre uma função clara do argumento, dos "gags" ou da construção de personagens tão simplistas que metem dó.
E voltamos ao início: onde encaixar o prólogo polaco? Trata-se de um filme, de dois? Será que há filme?