Dependência do jogo deve passar a ser reconhecida como perturbação mental

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Seguradoras poderão passar a pagar tratamento de vício do jogo Miguel Madeira

Este livro reúne os critérios para diagnosticar e tratar desordens e doenças mentais, coligidos pelos psiquiatras americanos, e usados pelos seus colegas do mundo inteiro. Após anos de investigação, batalhas entre profissionais e manobras de vários grupos de interesse, foi finalmente apresentada a proposta de alterações à última edição do manual, revisto pela última vez em 1994. Estará disponível para receber comentários, em www.dsm.org, até 20 de Abril. A versão definitiva só estará pronta em 2013.

Entre as novidades está a recomendação de considerar uma única categoria para as desordens do espectro autista, unificando o que é uma escala de diagnóstico multifacetada.

E, se abre portas a considerar o jogo e a ingestão compulsiva de alimentos verdadeiras doenças que necessitam de tratamento, possibilitando que sejam incluídas nos planos de tratamento das seguradoras, não sugere que a obesidade ou a dependência da Internet ou do sexo sejam consideradas compulsões que necessitem de tratamento, como alguns psiquiatras recomendavam.

"Houve um enorme esforço que teve como prioridade garantir que o manual fizesse recomendações baseando-se em provas científicas. Quis-se que o manual fosse útil, mantendo a continuidade em relação à anterior edição sempre que possível", disse David Kupfer, secretário do grupo de trabalho do DSM5, numa conferência de imprensa.

A nova edição tende a listar menos diagnósticos do que a anterior. Os peritos propõem juntar várias desordens numa categoria única, pois há estudos que sugerem que algumas perturbações têm origens, sintomas e tratamentos semelhantes. Só a severidade dos sintomas varia.

Categorias polémicas

Um exemplo são os até agora quatro diagnósticos possíveis de autismo: perturbação autística, Asperger, perturbação desintegrativa da infância e perturbação global do desenvolvimento. Se a proposta não sofrer alterações, passarão simplesmente a ser referidas como perturbações do espectro do autismo.

Outro possível exemplo são as actuais categorias de abuso e dependência de substâncias, que passarão a ser referidas como "perturbações de dependência e outras relacionadas". Isto pretende reconhecer que são problemas melhor compreendidos em continuidade do que numa escala que os categorize como ligeiros ou severos.

Mas esta perda de categorização é polémica. Por exemplo, as pessoas que sofrem da perturbação de Asperger, uma forma ligeira de autismo, em que as pessoas, apesar de terem dificuldades nos relacionamentos sociais, são bastante funcionais, encaram os seus problemas de saúde como bastante distintos, diz Geraldine Dawson, responsável científica da organização Autism Speaks, com sede em Nova Iorque.

"Estas etiquetas diferentes tornaram-se parte da identidade das pessoas. Temos de ser sensíveis a isso", alertou Dawson.

A proposta de colocar todas os distúrbios de personalidade numa única categoria também não será bem acolhida pelos grupos de defesa dos direitos dos pacientes. "Vai ser um desastre", comentou Valerie Porr, fundadora e presidente da Associação para o Tratamento e Avanços na Investigação sobre Perturbações da Personalidade. "Trivializa as perturbações de personalidade", critica.

Outro possível ponto de atrito é a sugestão de que seja criada uma categoria denominada "síndromas de risco" para descrever o que podem ser os primeiros indícios de perturbações mentais.

Por exemplo, 25 a 30 por cento das pessoas a quem são diagnosticadas psicoses têm sintomas antes de terem a doença declarada, que incluem suspeitas sem fundamento das outras pessoas e um discurso por vezes incoerente.

Mas há quem tema que categorizar algumas pessoas como "em risco" quando ainda não apresentam perturbações pode levar a que sejam feitos diagnósticos errados e à sua estimagtização.

Tratamento precoce

William T. Carpenter, do grupo de perturbações psicóticas DSM5, garante que esta categoria seria usada apenas para diagnosticar pessoas que mostram sinais de perturbações e que procuram ajuda médica - não na população em geral. E para receber um diagnóstico de "em risco", teria de haver algum tratamento que o pudesse ajudar. Iniciar um tratamento precoce seria o único interesse, aliás, de identificar pessoas em risco de uma doença, afirmou Carpenter.

Propostas como a de considerar verdadeiras perturbações a dependência do jogo ou os distúrbios de ingestão compulsiva de alimentos deverão ser aceites pacificamente, pois são há muito reclamadas. "Há 15 milhões de pessoas que sofrem de distúrbios de ingestão compulsiva de alimentos", disse Lynn Grefe, directora da Associação Nacional de Desordens Alimentares. "Esperamos que isto possa permitir-lhes ter acesso à ajuda de que necessitam."

É proposta ainda a criação de uma nova categoria - desregulação do humor com disforia - para evitar o diagnóstico errado de crianças que têm explosões de raiva e que podem ser temperamentais, ansiosas e irritáveis. Muitas são classificadas como sofrendo de perturbação bipolar e tratadas por vezes com medicação muito forte. Mas na idade adulta poucas se revelam realmente bipolares.

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