Pela primeira vez não se sabe para onde foi o homem de Giacometti

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L"Homme Qui Marche I CARL DE SOUZA/AFP

A imprensa internacional sugere agora que L"Homme Qui Marche I, a célebre escultura do artista suíço, pode ter ido parar às mãos de um milionário árabe ou de um oligarca russo. Mas ninguém sabe ao certo

A escultura em bronze L"Homme Qui Marche I (O Homem Que Caminha I), do pintor e escultor suíço Alberto Giacometti (1901-1966), foi arrematada na quarta-feira, num leilão da Sotheby"s, em Londres, por 65 milhões de libras (cerca de 74,1 milhões de euros), o preço mais alto alguma vez atingido em leilão por uma obra de arte. O recorde era até agora detido pelo Rapaz com Cachimbo (1905), uma pintura do "período rosa" de Pablo Picasso, que a mesma Sotheby"s leiloou em 2004, em Nova Iorque, por 104,168 milhões de dólares, que então correspondiam a 58,052 milhões de libras.

Originalmente concebido em 1960, e considerado uma das mais importantes obras de Giacometti, L"Homme Qui Marche, uma peça em bronze com 1,83 metros de altura, teve seis múltiplos, mas estavam todos fora do mercado, em museus e colecções privadas. O que foi ontem leiloado data de 1961 e esperava-se que rendesse entre 12 e 18 milhões de libras, segundo as estimativas da própria leiloeira. Mas bastaram oito minutos de uma luta renhida entre dez licitantes para a escultura chegar aos 65 milhões, oferecidos por um comprador anónimo.

L"Homme Qui Marche I estava há quase 30 anos na posse do Dresdner Bank, que tinha a obra em exposição no átrio de entrada da sua filial de Frankfurt. A fusão com o Commerzbank, concluída em Maio passado, levou a que a escultura mudasse de mãos, bem como cerca de três mil outras obras de arte que integravam a colecção do Dresdner Bank. O novo proprietário decidiu agora levar várias peças a leilão, entre as quais a de Giacometti, e anunciou que o produto da venda se destinará a financiar fundações. Irónico, o diário suíço Tagesanzeiger sugere que a verdadeira razão que levou o banco a desfazer-se desta obra foi o receio de que "a figura do homem emagrecido pudesse ser interpretada como um símbolo da crise bancária".

O recorde atingido pela obra de Giacometti não foi a única boa surpresa que a Sotheby"s teve neste leilão. A tela Kirche in Cassone (Igreja em Cassone), de Gustav Klimt, dobrou as expectativas, tendo sido adquirida por mais de 30 milhões de euros. Nenhuma paisagem do pintor austríaco alguma vez atingira em leilão um preço tão alto, ainda que este valor esteja muito aquém dos 87,9 milhões de dólares conseguidos, em 2006, pela sua obra Retrato de Adele Bloch Bauer.

Obras excepcionais

Apesas das óbvias diferenças entre as expectativas da leiloeira e o preço por que a escultura acabou por ser arrematada, Georgina Adam, editora do jornal especializado The Art Newspaper, não se mostrou demasiado surpreendida com o valor atingido por L"Homme Qui Marche I. Em declarações à BBC sugeriu que o preço se ficou a dever ao facto de existirem poucas esculturas de Giacometti, e de as que existem raramente aparecerem em leilões. "Há um mercado excepcional para obras excepcionais", afirmou. "Quando aparece alguma coisa que é realmente uma oportunidade única, as pessoas dispõem-se a gastar enormes somas de dinheiro."

A última vez que uma destas peças de grandes dimensões, realizadas no final da vida do escultor, tinha ido a leilão foi há mais de 20 anos, garante a co-responsável pelo departamento de arte impressionista e moderna da Sotheby"s, Melanie Clore.

Mesmo tendo em conta as transacções privadas, só se sabe de uma obra de arte vendida por um preço mais alto do que o agora atingido pela escultura de Giacometti, um artista que transitou do surrealismo para um expressionismo que o seu amigo Sartre via como existencialista . Em 2006, o produtor de filmes e discos David Geffner vendeu a pintura No.5, de Jackson Pollock, por 140 milhões de dólares (então equivalentes a 73 milhões de libras), a um comprador que nunca foi identificado.

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Há muito considerada um ícone da arte moderna, a escultura de Giacometti começou por ser parte de um conjunto que lhe foi encomendado para a praça que rodeia o Chase Manhattan Plaza, um arranha-céus no bairro financeiro de Nova Iorque. O escultor chegou a realizar várias peças, mas acabou por abandonar o projecto, achando que iria precisar de vários anos para o concluir. Hoje sobrevivem apenas algumas obras, como as duas primeiras versões deste L"Homme Qui Marche.

Após ter desistido do projecto original, Giacometti vendeu L"Homme Qui Marche I à galeria parisiense Maeght, que, por sua vez, a vendeu pouco depois, em Dezembro de 1961, à galeria Sydney Janis, de Nova Iorque. O estranho e esguio caminhante - é célebre a fotografia de Henri Cartier-Bresson que mostra Giacometti e a sua escultura, ambos com o corpo ligeiramente inclinado para a frente, como se estivessem a andar ao mesmo ritmo - passou depois pelas mãos da família nova-iorquina Cohen e pela colecção de Milton Ratner, antes de voltar à galeria Sydney Janis, que finalmente a vendeu, em 1980, ao Dresdner Bank.

Pela primeira vez desde que Giacometti o criou, não se sabe agora para onde o homem caminhou. Os rumores citados na imprensa internacional sugerem que os últimos licitadores a competir pela peça, ambos representados por funcionários da Sotheby"s, eram um milionário árabe e um oligarca russo. O que parece exactamente o tipo de boato que poria a correr um comprador que desejasse permanecer anónimo e que não fosse um xeque do petróleo ou um Roman Abramovich.

Seja quem for, não tem a bênção de Christian Klemm, encarregado de negócios da Fundação Alberto Giacometti e vice-director da Kunsthaus de Zurique: "Não são boas notícias para os museus, porque implicam que irá ser necessário pagar somas exorbitantes para segurar as peças de Giacometti, o que encarecerá muito as exposições das suas obras."

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