Política financeira provoca fome, pânico e revolta na Coreia do Norte
Uma nota de 100 won passou a valer apenas 1. Os preços subiram em flecha, e muitos estão a morrer por falta de alimentos. A penúria já provocou alguns confrontos
Há gente a morrer à fome no país e vários protestos a eclodir nas ruas. A Coreia do Norte quis reduzir a economia paralela e reconquistar o centralismo económico, mas até agora, ao valorizar a sua moeda, o regime conseguiu apenas agravar as condições de vida da sua população. Segundo a imprensa do Sul, já começaram a rolar cabeças: ontem o ministro das Finanças foi dado como demitido.
A 30 de Novembro, Pyongyang anunciou que iria "cortar" dois zeros às notas de won. Uma nota de 100 poderia ser trocada nos bancos por uma nova de 1. Mas com limites: cada pessoa só poderia trocar até 100 mil won, ou seja, 526 euros, de acordo com a AP. Houve muita gente a perder as economias de uma vida. "As pessoas entraram em pânico. Tinham todas as suas economias em dinheiro porque não confiam nos bancos. Muitos suicidaram-se", disse ao Los Angeles Times Song Jung-su, que desertou para o Sul em 2006, mas que mantém contactos com a família no Norte.
As notícias da valorização levaram a uma corrida frenética ao consumo: tudo se esgotou nas prateleiras e quando os produtos eram repostos vinham com preços exorbitantes. O custo do arroz pode ser um exemplo das consequências da decisão: no mês passado, o preço subiu dez vezes nos mercados privados, que são na realidade os únicos locais onde os norte-coreanos conseguem abastecer-se, já que as distribuições do Governo têm demasiadas falhas.
Estão ainda proibidas as importações de alguns produtos chineses, o que vem dificultar ainda mais o acesso a bens de consumo. E o mesmo diário adianta que os activistas humanitários também não conseguem chegar a muitas zonas do país porque os hotéis deixaram de aceitar divisas estrangeiras e os câmbios oscilam com frequência de uma zona para a outra.
A combinação de tudo isto, num país que já tinha que se debater contra as sanções da ONU (impostas na sequência de um ensaio nuclear, no ano passado), estará na origem de uma notícia da agência sul-coreana Yonhap: na vila chinesa de Dandong, junto à fronteira com o Norte, diz-se que há norte-coreanos a morrer porque não têm o que comer.
A grande fome dos anos 1990, que resultou de uma combinação de políticas económicas ruinosas com más condições climatéricas - e que levou à morte, segundo algumas estimativas, 2 milhões de pessoas -, tem estado a ser recordada pelos media, como uma espécie de alerta de que um cenário parecido poderá estar à espreita.
Foi depois dessa catástrofe que começaram a proliferar os mercados privados, os mesmos que o regime tem vindo a encerrar para proveito das lojas oficiais.
Sem nada a perderOutra consequência da política de centralização económica: ataques a forças de segurança. Há dois dias, vários media sul-coreanos noticiavam que a penúria está na origem de confrontos mais frequentes, como o que aconteceu na segunda-feira nos mercados de Pyongsung, na província de Pyongan-Sul."Os comerciantes e os habitantes perderam os seus bens devido à valorização", explica o jornal digital Daily NK, crítico do regime. "Por isso, as pessoas vingam-se nos agentes de segurança, porque sentem-se desesperadas com a sensação de que, façam o que fizerem, vão morrer", refere uma fonte anónima.
Também o jornal JoongAng Daily adiantava que o chefe dos serviços secretos sul-coreanos (NIS), Won Sei-Hoon, deu conta aos deputados, na semana passada, de vários distúrbios causados pela valorização. "A medida causou motins em certos sítios... Mas o Governo norte-coreano parece tê-los controlado", terá afirmado Won.
Pyongyang também procurou punir o artesão da medida. O director das Finanças do Partido dos Trabalhadores, Pak Nam-gi, foi demitido, noticiou ontem o jornal sul-coreano Chosun Ilbo, citando fontes diplomáticas em Pequim. Terá sido o próprio Kim Jong-il, o "Querido Líder", a dispensá-lo.
Se não há dúvidas de que estas medidas foram ruinosas para o povo norte-coreano, o mesmo não se passa sobre se o regime o fez deliberadamente. "Foi incompetência ou indiferença que os levou a fazer isto? É escolher", lança o economista Marcus Noland, ao LA Times. "Há tão pouca responsabilização no sistema. O regime tem uma capacidade considerável de infligir miséria à população sem qualquer risco político significante."
Num sinal de que está atento, o chefe de Estado terá dito recentemente: "O meu coração sangra pelo nosso povo que ainda come milho. O que tenho de fazer é alimentar o nosso grande povo com o arroz, pão e massa que ele quiser."