Stephen O'Malley ainda se surpreende com a atenção que tem sido dada aos Sunn O))), o projecto que mantém com Greg Anderson. Mas a culpa é toda deles: fizeram um dos melhores discos de 2009, no entender de várias publicações, incluindo o Ípsilon (ocupa o décimo lugar da lista de música pop).
"É algo estranho", reconhece O'Malley, ao telefone a partir de Paris, onde reside há três anos. "Deixa-nos sempre a pensar se é apenas 'hype' ou se aconteceu connosco o que aconteceu com 'Ys' de Joanna Newsom ou os discos de Jim O' Rourke - álbuns incríveis, tão singulares que se tornam parte de uma audiência maior. Nunca imaginei que os Sunn O))) conseguiriam isso. O meu lado anti-social ri-se um pouco disto tudo [risos], mas, mesmo que sejam publicações que não tem nada a ver com a nossa música, é uma honra."
"Monoliths & Dimensions", o sétimo álbum, e, para muitos, o melhor, dos Sunn O))), condensa os elementos que fizeram dos norte-americanos um caso único na música experimental contemporânea (graças à união da força bruta do metal mais arrastado com o minimalismo e outras músicas), mas leva-os a novos caminhos, do jazz à música erudita.
Ao vivo - como se confirmará terça-feira, na LX Factory, em Lisboa - assumem contornos de experiência física irrepetível: o volume atinge níveis altíssimos, elevando as qualidades hipnóticas das guitarras saturadas e extremamente graves (a organização, a cargo da Galeria Zé dos Bois, vai oferecer tampões para os ouvidos). O som, saído de uma enorme parede de amplificadores, faz a sala e a audiência vibrar. O'Malley conta que ainda é normal ver um terço da audiência sair, incomodada, durante o concerto; os restantes dividir-se-ão entre o espanto e/ou o transe perante a massa sonora contínua.
Não é brincadeira: quando tocaram em Portugal, na Casa da Música, no Porto, em Março de 2006, caíram pequenos pedaços de madeira do tecto durante os testes de som prévios ao concerto devido à vibração. "A construção era tão nova que os materiais ainda não estavam muito fixos. Foi a primeira vez que isso aconteceu num concerto de Sunn O))). Aconteceu algo semelhante em velhas catedrais em que tocámos: há tanto pó nos tectos que cai durante o concerto. As vibrações limpam os edifícios. Isso aconteceu no Porto. No início assustou-nos e depois pensamos: 'Devíamos mandar a conta à Casa da Música porque isto é limpeza a sério'", conta, a rir-se.
"Há guitarristas de bandas grandes que nos perguntam como é que fazemos isto, que nos dizem que gostavam de fazer isto há muito tempo. Como se não estivessem autorizados em focar-se em rock puro", acrescenta o guitarrista.
Ao negarem as estruturas habituais do género, os Sunn O))) são anti-rock, mas são também síntese e amplificação das características mais primais do género (presentes na guitarra engolida pelo "feedback" de Hendrix, no barulho total dos Stooges, no castigo dos Swans). "O problema estará no rock'n'roll: muito do rock moderno não é musical, é desenhado para ser outras coisas em vez de música - fornecer um ambiente, dar algo a um anúncio, todas as coisas que a música popular deve, supostamente, fazer. A música dos Sunn O))) tem mais a ver com princípios da música arcaica do que da moderna." Curiosa observação de um músico que durante a juventude, antes de começar a tocar guitarra em bandas metal, tocou gaita-de-foles.
Tela negra
Fundados em 1998, os Sunn O))) começaram por se inspirar em bandas como os Earth (em especial, no disco "Earth 2", obra-prima do rock mais viscosamente lento e pesado), os Melvins e em décadas de música baseada na repetição (dos cânticos budistas ao minimalismo de La Monte Young, passando pelas ragas indianas). Apaixonados pelo metal, os Sunn O))) retiraram dele a intensidade sonora, a atmosfera negra e rarefeita e o imaginário extremo.
O que torna os Sunn O))) especiais é não se situarem em nenhum mundo, sem serem propriamente banda de fusão: ocupam um lugar próprio. "Gente do metal, do mundo da arte e da música electrónica vem aos concertos de Sunn O)))", confirma O'Malley, que é também "designer" gráfico e tem colaborado com companhias de teatro (desenhou as roupas das marionetas de "Jerk", performance de Gisèle Vienne, apresentada no Porto em 2008).
Em "Monoliths & Dimensions" este estatuto é reforçado. "A diferença neste disco é que tivemos muito mais recursos nas nossas mãos para sermos ambiciosos. É uma produção maior, nunca tivemos tanta gente a tocar e a interpretar a nossa música. Em algumas faixas são mais de vinte pessoas. É uma representação mais honesta do que somos: tem os elementos escuros dos Sunn O)), mas não é só isso".
"Aghartha", a primeira das quatro peças do disco, abre em território Sunn O))) clássico - os Black Sabbath descarnados, êxtase em torno do som puro. É uma tela em branco (ou em tons de negro, sugerimos a O'Malley) para o que vem a seguir: "ensembles" acústicos (há viola, um coro feminino, clarinete, trompete, harpa, piano e mais instrumentos) e a densidade eléctrica dos Sunn O))) cuidadosamente orquestrados; passagens jazz (em especial na notável "Alice", porventura a obra mais transgressora do grupo); a voz do vocalista de black metal Attila Csihar, velho cúmplice do grupo, mais cerimonial e grave do que nunca.
"Uma tela negra para o ouvinte - costumava dizer isso metaforicamente. [Na nossa música] Há 'feedback', poder, é tudo abstracto. É uma das coisas que gosto na música e na arte abstracta. Podem ser elementos simples, mas oferecem amplo potencial para interpretações complexas."
Um maior "sentido de musicalidade" é um rumo a prosseguir. Tudo o resto permanece desconhecido - natural para uma banda que nunca fez dois álbuns semelhantes de seguida. "Não quer dizer que vamos acrescentar, acrescentar, acrescentar [elementos à música]... Não vamos ter uma ópera no próximo disco. Não sei qual será o rumo, para ser honesto. O que sei é que o nosso sentido de musicalidade expandiu-se muito e que quero continuar a fazer isso."