Portugueses e brasileiros são "unidos por uma língua completamente diferente"

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É com sotaque de Portugal que Jô Soares vai dizer Pessoa porque nunca poderia fazê-lo em brasileiro Miguel Silva (arquivo)

Estava a entrar na juventude, tinha 14 anos, quando descobriu Pessoa numa livraria de Paris. Vivia nessa altura com os pais em França e, como não falava francês, comprava livros portugueses para ler: Eça de Queirós, Fernando Pessoa. Começou aí o fascínio por aquele que considera ser o "maior poeta de língua portuguesa" (Camões "era uma coisa que nos era imposta no colégio", e por isso teve menos sucesso junto do jovem Jô) e de quem, a ter que escolher uma frase, escolhe "Malhas que o império tece" (de O Menino de Sua Mãe). "Essa frase eu acho eterna, engloba a história do mundo, é definitiva."

É com sotaque de Portugal que Jô Soares vai dizer Pessoa porque nunca poderia fazê-lo em brasileiro. "Somos unidos por uma língua totalmente diferente", explicou. "Tem coisas em que a unificação da língua não adianta." Os brasileiros "ficaram numa língua meio seiscentista, que antigamente se falava em Portugal", mas para o actor "é fascinante" ver "a evolução de uma língua para um lado e outra para outro".

O espectáculo, dirigido por Bete Coelho, nasce de um disco com o mesmo nome que, por sua vez, nasceu de um desafio lançado por Jô ao teclista dos Blitz, Billy Forghieri, que uma vez, numa entrevista, lhe disse que tinha musicado poemas de Carlos Drummond de Andrade. Jô ficou a pensar e acabou por desafiá-lo a fazer o mesmo com Pessoa. "Tenho um fascínio por Pessoa. Vamos tentar?" Escolheu 12 poemas - a grande maioria de Álvaro de Campos - e Forghieri musicou-os com... tudo, desde Bach a rock, passando por hip hop.

Depois do sucesso de Remix em Pessoa no Brasil, Jô vai apresentá-lo no Villaret, o teatro fundado pelo seu "grande amigo" Raul Solnado - de quem falou várias vezes, revelando até o telefonema que recebeu "quando aconteceu aqui a Revolução dos Cravos": "Ele ligou, "Jô, agora posso gritar na rua que sou socialista, não me prendem". E eu falei para ele: "Espera, tem calma"", contou, entre as gargalhadas da assistência.

É por isso com "grande emoção" que vai estar no Villaret, até porque se lembra do tempo em que Solnado "começou a planear aquele teatro", e porque tem grande admiração pelo próprio João Villaret. Aliás, recordou também, tinha uns 16 ou 17 anos quando um dia, num restaurante no Brasil, Villaret, sentado numa mesa próxima, o chamou: "Ó menino, anda cá. Estão a dizer que te pareces comigo. O que achas?"

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