Poeta, académico e político arbitrariamente expatriado
A verdadeira pátria de Francisco José Tenreiro (1921-1963) é Portugal, enquanto São Tomé é a sua pátria literária
Em 20 de Janeiro o poeta, académico e político Francisco José Tenreiro faria 89 anos. Nasceu na ilha de São Tomé, fruto de uma relação extraconjugal do português Emílio Vasques Tenreiro com Carlota Maria Amélia, uma trabalhadora angolana. Muito cedo, aos dois anos, Tenreiro foi mandado para Lisboa, onde uma irmã do pai cuidou dele e dos seus cinco irmãos. Em Lisboa, Tenreiro frequentou a escola primária e a secundária. Por volta de 1940, iniciou os cursos de Farmácia e Medicina na Faculdade de Ciências de Lisboa. Foi como estudante universitário que descobriu o seu interesse pela poesia e por África. Possivelmente devido à sua condição de mulato, desenvolveu uma grande afinidade com as culturas negras. Em 1944, abandonou a Faculdade de Ciências e, nos quatro anos seguintes, frequentou o Curso Superior Colonial da então Escola Superior Colonial, onde podia aprofundar o seu interesse por África. Era um excelente estudante e obteve os primeiros lugares em quase todas as disciplinas. Em Novembro de 1947, Orlando Ribeiro (1911-1997), o famoso geógrafo e fundador do Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras de Lisboa em 1943, que se tornaria o seu mentor, nomeou-o seu secretário, para o ajudar a organizar o 16.º Congresso Internacional de Geografia em Lisboa, em 1949. Depois de ter concluído o curso da Administração do Ultramar em 1948, Tenreiro tornou-se funcionário do quadro administrativo do Ministério do Ultramar, exercendo o cargo de terceiro oficial deste ministério. Pouco depois, seguindo uma recomendação de Orlando Ribeiro, começou fazer o curso de Geografia na Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1955, depois de ter concluído os seus estudos, foi nomeado docente assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde permaneceu até à sua morte. Entre 1956 e 1958 foi anualmente, durante três meses, a São Tomé, efectuando o trabalho de campo para a sua tese de doutoramento em Geografia, orientada por Orlando Ribeiro. Foi no âmbito deste projecto, em 1956, aos 35 anos, que Tenreiro foi pela primeira vez a São Tomé, desde a sua saída aos dois anos. Em 1961, doutorou-se em Geografia com a tese A Ilha de São Tomé, obtendo 19 valores. Nos dois últimos anos da sua vida, Tenreiro também leccionou no então Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina em Lisboa, para onde foi levado por Adriano Moreira, na altura ministro do Ultramar.
Já antes da sua carreira académica Tenreiro se tinha tornado um poeta distinto. Ainda hoje é considerado o poeta mais importante de São Tomé e Príncipe, país onde nunca teve residência. Como jovem estudante da Faculdade de Ciências em 1942, aos 21 anos, Tenreiro publicou A Ilha de Nome Santo, considerado a primeira poesia de negritude publicada em português. Neste livro de poesia, e em posteriores poemas, Tenreiro escreveu sobre os negros, sobretudo a escravatura, racismo, afro-americanos, assim como sobre as suas próprias raízes africanas e a alienação que viveu como mulato numa sociedade branca dos anos 1940. Dedicou uma boa parte da sua produção poética e científica a São Tomé. Deve ser por esta razão que é considerado são-tomense, tanto em São Tomé como em Portugal, o país onde Tenreiro foi educado, se formou, se casou e passou toda a sua breve vida. Além disso, a sua condição de mulato também deve ter contribuído para o facto de nunca ter sido considerado também português.
Como estudante de Geografia, em 1950, Tenreiro juntou-se à Casa dos Estudantes do Império (CEI), fundada pelo regime salazarista em 1944 para reunir estudantes das colónias. Desde os fins dos anos 1940, a CEI tornar-se-ia o ponto de encontro dos estudantes africanos nacionalistas, na altura umas vinte pessoas. Em Outubro de 1951, Tenreiro e outros estudantes da CEI, nomeadamente Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Noémia de Sousa, criaram o Centro de Estudos Africanos (CEA), durante três anos, um ponto de encontro de nacionalistas africanos em Lisboa e precursor dos movimentos de libertação nas colónias portuguesas. Ao contrário dos seus colegas do CEA, Tenreiro não queria militar na oposição política contra o regime. Ele não deixou apenas as fileiras dos nacionalistas africanos, mas comprometeu-se com o Estado Novo (1933-1974). Em 1958, o ano em que Cabral e Neto fundaram o Movimento Anticolonialista (MAC), Tenreiro, depois de uma conversa com Marcelo Caetano, tornou-se deputado pelo círculo de São Tomé na Assembleia Nacional, onde permaneceu durante a legislatura de 1958-1961 e a seguinte, até à sua morte. Em 1961, Mário Pinto de Andrade (MPLA) criticou Tenreiro, que "lamentavelmente hoje coopera na defesa da política colonial portuguesa". No mesmo ano em que Tenreiro publicou a sua tese de doutoramento A Ilha de São Tomé, os seus antigos colegas do CEA, como representantes dos movimentos de libertação MPLA, PAIGC e Udenamo, constituíram em Casablanca a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Pouco antes da sua morte, depois de muita reflexão, Tenreiro aceitou o convite do regime de assumir o cargo de secretário de Educação do Governo de Angola em Luanda. Tenreiro faleceu com apenas 42 de idade, em 31 de Dezembro de 1963, em Lisboa, vítima de uma hemorragia cerebral. Deixou mulher e três filhos menores.
A sua biografia revela claramente que a verdadeira pátria do poeta, geógrafo e político Francisco José Tenreiro é Portugal, enquanto São Tomé e Príncipe é a sua pátria literária. Parece incompreensível e arbitrário que perante os dados da sua vida pessoal e profissional ele não seja considerado português. Também o artista José de Almada Negreiros (1893-1970) nasceu em São Tomé, filho de português e de mulata de descendência angolana, e chegou a Lisboa aos dois anos. Contudo, a ninguém passava pela cabeça que Negreiros não era português. A diferença com Tenreiro é apenas que a obra artística e literária de Negreiros não está relacionada com a ilha onde nasceu. Resta esperar que até ao seu 90.º aniversário, em 2011, Tenreiro seja devidamente repatriado para o universo dos escritores, académicos e políticos portugueses. Investigador em estudos africanos