Foi um momento de agonia para o realizador John Hillcoat e para John Penhall, o argumentista que adaptou para cinema o livro "A Estrada", de Cormac McCarthy: o próprio autor - "frequentemente descrito como 'o maior autor americano vivo'", explica Penhall - vinha assistir à apresentação do filme.
"Sabíamos que só a aprovação de McCarthy nos permitiria lançar o filme que realmente queríamos fazer. Sem ele ficávamos à mercê de investidores cada vez mais nervosos e o nosso futuro em Hollywood estava em risco", escreve Penhall num texto no diário "The Guardian" no qual recorda esse momento em que o escritor chegou a numa sala de projecção deserta em Albuquerque, vindo de Santa Fé no seu velho Cadillac prateado. Assim que a projecção teve início, McCarthy "começou a tomar notas no seu bloco". No final "tinha páginas cheias das malditas notas".
A agonia prolongou-se. Quando o filme terminou, Hillcoat, tentando controlar o nervosismo, perguntou: "Então?". Mas McCarthy disse apenas que precisava de ir à casa de banho. Demorou o que pareceu uma eternidade. Mas quando voltou lançou: "É bastante bom". Hillcoat mal conseguia acreditar. "Verdade? Não está só a ser simpático?". "Ouçam", respondeu, "não fiz estes quilómetros todos só para vos dizer uma mentira". A adaptação é "muito poderosa", continuou McCarthy. Gostou muito da voz "off" (opção que tinha sido polémica) - o que fez Penhall ter vontade de "o levantar no ar e dar-lhe um abraço". Acabaram a comer - e a beber - juntos. Falaram de John, o filho de 11 anos de McCarthy (que tem 76 anos), e a inspiração para a personagem da criança de "A Estrada" - história sobre a ligação entre um pai e um filho que tentam sobreviver no pós-apocalípse.
Quando se despediram, Penhall pediu um autógrafo. McCarthy assinou um exemplar de "Meridiano de Sangue": "Do teu amigo Cormac, Albuquerque, Novembro 2002". Mas era Novembro de 2008. O argumentista virou-se para o realizador em pânico: "Meu Deus, John, quanto é que nós bebemos? Ele tem que guiar de volta para Santa Fé à noite - se acabar numa vala seremos os responsáveis. Teremos morto o maior escritor americano vivo."
Mas no dia seguinte, às oito da manhã, estavam a receber por fax as páginas das notas que McCarthy tomara durante a projecção. Havia um diálogo "importante" que não estava no filme e, segundo o escritor, devia estar: quando o filho diz ao pai: "O que farias se eu morresse?", e o pai responde: "Quereria morrer também".