É um dos protagonistas fundamentais do "underground" experimental britânico, autor de uma enorme discografia com dezenas de discos que vão do minimalismo à folk, do rock mais afiado e anti-forma a cânticos "a capella". Mas, ao telefone, a partir de sua casa, em Glasgow, Escócia, Richard Youngs revela-se apenas um tipo normal.
Não deveria estranhar a normalidade deste homem de 43 anos, bibliotecário durante o dia, autor de discos sublimes à noite e nos tempos livres. Afinal, a sua obra mais recente é um tratado sobre a passagem do tempo, as coisas simples e profundas da vida, sem fogos de artifício nem tácticas de choque. A vida quotidiana - é um homem de família, gosta de cozinhar (tem um livro de receitas vegan) - enforma a música que faz. "Alguma coisa estaria errada se não fosse assim. Seria tudo uma fachada", diz. "Tenho um emprego durante o dia, uma família. Sou um tipo normal. Posso ter longas conversas sobre futebol e coisas normais. Há alguma mitologia em torno do artista torturado: se a vida fosse desagradável, não sei se seria divertido fazer música".
"Under Stellar Stream", o seu último disco, com pouco mais do que um piano, um órgão e a voz dele, é um dos melhores álbuns do inglês fixado em Glasgow, lançado num ano em que o músico já tinha editado outra pérola, "Beyond The Valley Of Ultrahits", a sua maior aproximação à pop (ironicamente, há apenas 200 exemplares do disco). No passado recente, em diferentes momentos, casou a folk de Nick Drake com as técnicas de repetição e hipnose do minimalismo, explorou a manipulação digital, multiplicando os seus cânticos circulares (com resultados sublimes em "The Naive Shaman"), e chegou a tentar fazer um disco tecno ("Like a Neuron", deste ano). Mantém ainda um projecto de rock progressivo, os Ilk, e colabora com diversos músicos numa base regular.
É preciso recuar até aos últimos anos da década de 80 e ao início da de 1990 para compreender melhor Richard Youngs. Nessa altura, o músico vivia em Harpenden, uma pequena cidade inglesa. Era membro da A Band, colectivo com formação em permanente mudança, uma trupe de experimentalistas e de inadaptados em geral que faziam concertos cem por cento improvisados. Youngs surgia em palco a ler bilhetes de comboio e aproveitava as noites livres em clubes folk para improvisações com dois acordes que duravam até que alguém o expulsasse do palco ou lhe cortasse o som. "Era um jovem, zangado", recorda. "Fazíamos apenas o que queríamos e não nos preocupávamos se alguém ia gostar".
Hoje, continua a lançar discos desafiantes, a maior parte deles em edições limitadas a poucas dezenas de exemplares, mas é um homem diferente, "mais tolerante". Em "Sapphie" (2000), a sua estreia na Jagjaguwar (onde tem editado os discos com maior difusão), sentiu-se confiante para fazer um disco de guitarra acústica e voz apenas. Mas a voz surgia envolvida em reverberação. "Era, talvez, uma forma de contornar alguma insegurança com a minha voz. Agora estou confortável com ela", explica.
Ainda no quarto
"Under Stellar Stream" prossegue a tradição dos discos de Richard Youngs na Jagjaguwar, colocando a voz num primeiro plano, e recupera fixações habituais no seu trabalho. Youngs posiciona-se como um observador da natureza, numa entrega quase panteísta, e do tempo que passa diante dos seus olhos. Atente-se nas letras de "Broke Up By Night" ("I am remembering now the waiting on time itself/I am remembering now the value of sleep") e de "All Day Monday and Tuesday", em que Youngs repete durante seis minutos frases como "All day Monday and Tuesday/the fuel of day, the fuel of day/All day Monday and Tuesday/the machine of time, the machine of time". A espaços, a voz falha-lhe, o que faz todo o sentido no contexto daquele "mantra" interminável sobre a rotina. "Quando estava a gravá-la em casa tinha muita saliva na garganta. Foi um acidente, um erro de que gostei muito. O suficiente para o deixar ficar", conta.
É um dos discos mais pacientes de Youngs, construindo-se a partir de longos e lentos cânticos, sempre em torno de palavras que se repetem (e que ganham densidade e novos significados, como água que rói pedra). "Desacelerei à medida que envelheci. Hoje ouço coisas como 'Advent', o meu primeiro disco [a solo, editado em 1990, considerado um dos dez melhores discos minimalistas de sempre pelo reputado crítico Alan Licht], que na altura me soava muito lento, e agora me parece muito rápido. Acho que o meu relógio biológico mudou. Hoje gosto de dar tempo para pensar nas coisas". Não lhe interessa contar histórias, "mas há um significado" no que canta: "É mais uma forma de captar coisas do que de as explicar em detalhe". Fá-lo com uma voz entre a austeridade, a doçura e a quietude. Sai-lhe naturalmente: "Talvez tenha a ver com a minha personalidade. Tenho esse equilíbrio".
Não surpreende que Youngs ouça regularmente cantos gregorianos (perfeitos para embalar o seu filho de tenra idade) e que, na adolescência, acordasse às seis da manhã para ver os programas da Open University em que se ouvia música religiosa escocesa, que o marcou profundamente. Foi nessa universidade de ensino à distância, criada pelo Governo britânico, e em incursões a lojas de discos de Londres que Youngs começou a ouvir música, no início da década de 80.
"Cresci em sítios em que tens de criar o teu entretenimento. Fechas-te num quarto e fazes música", conta. Por volta dos 11 anos, o jovem, filho único, começou a registar num gravador de cassetes o que tocava na guitarra. Hoje, mais de 30 anos depois, continua a criar em casa. Mas já não está sozinho: tem uma imensa minoria atrás dele.