Hello Kitty A gata sem boca que se tornou um ícone

A gata mais famosa do planeta fez 35 anos e está há quase 15 em Portugal. Estivemos no armazém da Kitty e confirmámos que o limite é a imaginação: há pauzinhos para comer sushi e transportadores de bananas descascadas. A crise não mora aqui

Joana Leite tem um peluche Kitty na cadeira ao lado. Sentada à secretária do show-room da Hello Kitty em Esmoriz, Ovar, a jovem de 26 anos verifica a quantidade dos objectos que encomendou. Levanta-se para ver ou mexer num ou noutro artigo - e há muitos espalhados por prateleiras e mesas - não vá esquecer-se de alguma peça importante. Acaba de abrir a nona loja da Kitty em Portugal numa área de 50 metros quadrados, na zona Solum, em Coimbra.

"Sou fã da Kitty, desde pequena que tenho coisas dela", confessa. A recordação mais antiga recai numa escova de dentes e respectivo copo com a Kitty estampada. Joana tinha quatro anos nessa altura. Hoje tem vários objectos: carteiras, peluches, mala de viagem, pulseiras, anéis, roupa interior, t-shirts. "A imagem é muito fofinha e identifico-me com as coisas que a Kitty tem."

Com o curso de Engenharia Metalúrgica e de Materiais concluído no ano passado, Joana não conseguiu arranjar emprego. Decidiu vestir a pele de empresária e juntar o útil à paixão de menina. "Andei a ver o que havia em Coimbra e foi quando perguntei: "O quê? A Kitty não tem uma loja aqui?"" Não havia tempo a perder. Contactos, decidir o que vender, fazer encomendas, abrir o próprio negócio.

Das jóias ao Airbus

A escolha só pode ser difícil. Hello Kitty, a gata nascida no Japão há 35 anos, tem tudo para vender. Pauzinhos para comer sushi, um transportador de bananas para os mais pequenos levarem a fruta descascada para a escola, toalhas para a cabeça depois do banho, trelas para animais, jóias de luxo que podem custar quatro mil euros, calçado, roupa, máquina para fazer pipocas, doseador de cereais.

Há linhas para a casa de banho, cozinha, quarto de dormir. Material escolar. Piercings, tatuagens, estojo de unhas. Uma colecção tunning com tapetes para o carro, bases para os cintos, protecção para as mudanças, recipiente para pôr lenços de papel. No Japão, há tudo o que há em Portugal e muito mais, como um Airbus 330-200 da Kitty e vários hotéis construídos à imagem e semelhança da gata nipónica.

Em Portugal, as meninas até aos 10 anos são as principais consumidoras dos artigos, mas as adolescentes, jovens e senhoras de todas as idades não ficam muito atrás. E tudo começou coma decoração de uma moeda estampada numa bolsa de plástico. Em 1974, a Sanrio, empresa instalada em Tóquio, deu indicações muito precisas ao designer Ikuko Shimizu. Deveria criar uma personagem animal que apelasse ao sentimento adolescente de qualquer pessoa. E assim nasceu a gata sem boca, vestida de azul, com um laço vermelho na cabeça.

A Kitty chegou a Portugal há quase 15 anos. Patrícia Vasconcelos não queria acreditar no convite feito pela Sanrio, a dona suprema da Hello Kitty, para ser a representante exclusiva no nosso país. Cresceu com os presentes da Kitty que os pais traziam das viagens ao estrangeiro e cresceu na empresa dos pais que fabrica os memo-boards da Kitty para o Japão, a Bi-Silque, em Esmoriz. Foi precisamente numa feira em Tóquio que a proposta foi lançada. "Sou uma fã incondicional da Kitty e agarrei este projecto de corpo e alma."

Crise passa ao lado

Hoje, Patrícia é directora executiva da Bi-Joy, representante e distribuidora exclusiva da Kitty em Portugal. No ano passado, a empresa teve a maior facturação de sempre. Oito milhões de euros em plena crise. A forte aposta no marketing deu resultados.

"No início, foi um pouco complicado, tive de arranjar uma equipa de vendedores e transmitir aos clientes que valia a pena apostar nestes produtos", conta Patrícia que saiu da empresa dos pais, onde estava na parte comercial, para começar este projecto do zero.

A loja Smile, no antigo centro comercial Brasília, no Porto, foi a primeira a acreditar. Neste momento, não há problemas nesse sector. "É uma marca muito requisitada."

O armazém da Kitty está cheio de caixotes, objectos para colocar etiquetas, um quadro de notas onde alguém escreveu "Bom dia alegria". Há funcionárias com roupa Hello Kitty. Não por obrigação, assegura a directora executiva, mas porque se gosta. "É uma marca muito emocional, que potencia o imaginário infantil que nos acompanha. É uma marca muito feliz: as pessoas gostam porque gostam."

A empresária tem a firme convicção de que a Kitty deixou de ser apenas uma boneca e passou a ser um ícone. Fala quem conhece o que vende.

O universo da Kitty em Portugal tem várias histórias para contar. Os artigos chegam a Esmoriz via marítima a partir de Hamburgo, Alemanha. Por dia, saem do armazém 60 encomendas, efectuadas por ordem de chegada. No Natal e na época escolar, esse número aumenta. Há nove lojas - duas das quais no Porto e outras tantas em Lisboa - para abastecer, mais 750 clientes multimarcas em todo o país e 80 boutiques que vendem peças da colecção de roupa de luxo desenhada pela estilista francesa Victoria Casal para a Kitty. Caxemira é um dos tecidos mais utilizados nessas colecções que a Bi-Joy comercializa há três anos. "Para mães e filhas que gostam de combinar as roupas. É uma linha com muito requinte."

A directora vai uma a duas vezes por ano ao Japão para conhecer as novidades e três à Alemanha, onde é desenvolvida a colecção pensada para a Europa. Coordena uma equipa de 29 funcionários, uma revista semestral para divulgar produtos e acções promocionais, o armazém e um outlet também em Esmoriz.

Maternidade Kitty

As colecções originais são criadas por uma equipa de designers no Japão, Alemanha e Estados Unidos. A estratégia da empresa portuguesa passa por manter a diferença e "inovar em termos de produtos, em que haja curiosidade, e dignificar a marca", bem como acompanhar as preferências dos consumidores. O desenvolvimento de uma linha de roupa masculina, lingerie incluída, está nos planos de Patrícia Vasconcelos, que terá de pedir uma licença ao departamento responsável, localizado em Itália. Kitty para homem? Sim, há países onde isso já é uma realidade.

O aparecimento dos artigos Kitty na série Morangos com Açúcar e a escolha da actriz Rita Pereira para embaixadora da marca são dois factores que Patrícia não deixa escapar quando fala no sucesso da marca. Rita Pereira tem dado a cara pela boneca, desdobrando-se em inaugurações de lojas, anúncios comerciais, sessões fotográficas. Desde os três anos que sabe que a Kitty existe. Desde o dia em que o avô lhe ofereceu um porta-chaves com relógio. E esse continua a ser o objecto mais especial. O que mais gostaria de ter? "A bola de basquetebol profissional da Kitty", responde. A gata dá mesmo sorte? "Só a quem realmente adora a Kitty", garante Rita Pereira.

Diana Calado tem um blogue que depressa se transformou em clube de fãs da Kitty. Tem dois anos de vida e mais de 111.000 visitas (www.kittylicious-world.blogspot.com). A jovem de 21 anos, de Sintra, já se tinha cruzado com a gata japonesa, mas não lhe tinha prestado muita atenção. Até que, há três anos, numa loja de artigos de criança onde trabalhava, agente oficial da Kitty, ficou fascinada com um estojo.

Seguiu-se o lápis, a caneta, a borracha e depressa ficou com o estojo "kittado". Depois, veio o resto. O blogue, a mala, a carteira, a bolsa de telemóvel, o guarda-chuva, fios, pulseiras, relógio, toda a linha de casa de banho. Mais as cortinas do quarto, rato do computador, cesto de papéis. "Enquanto finalista do curso de Ciências da Comunicação da Universidade Nova, procurei aliar aquele gosto pela escrita a um projecto que pudesse comunicar algo às pessoas sobre a Hello Kitty, uma outra paixão", explica. O curso terminou e as paixões mantiveram-se inabaláveis. "Procuro canalizar grande parte dos posts a temas que interessem às "kittymaníacas" portuguesas, nomeadamente os produtos que vão saindo em Portugal."

"Pelo facto de não ter boca, conseguimos projectar todas as nossas emoções na Kitty, que assim torna-se uma amiga", explica ainda Diana, que garante que troca e-mails com pessoas de várias partes do mundo para saber curiosidades e novidades da gata. Ficou surpreendida, por exemplo, quando descobriu que havia uma maternidade Kitty em Taiwan. "É tudo Kitty, até as enfermeiras andam com fardas da Kitty." Diana continua hoje perto da sua boneca preferida. Trabalha noutra loja, agente autorizado da Kitty.

Os 35 anos da gata japonesa não passaram despercebidos em Portugal. Em Outubro, a Bi-Joy abriu uma nova loja na Avenida da Boavista, no Porto, com um conceito arrojado. Um espaço com edições exclusivas da Sanrio, roupa para crianças e senhoras, e uma zona de café em que tudo tem a forma da gatinha.

O aniversário foi ainda assinalado com a personalização de várias bonecas em bruto, ou seja, em branco. A artista plástica Joana Vasconcelos foi uma das convidadas e inspirou-se nas suas peças Valquírias para dar muita cor e riscas à Kitty. A estilista Katty Xiomara também personalizou uma boneca com uma touca vermelha. Não é tudo.

Ainda para celebrar o aniversário, a Bi-Joy desafiou 19 designers para apresentarem uma roupa Kitty na última edição da Moda Lisboa. A venda das peças reverteu a favor da Ajuda de Berço. Maria Gambina apresentou um burqa em denim, bordada com pequenas Kitty para passar uma mensagem de defesa dos direitos humanos. Dino Alves criou um vestido brilhante, José António Tenente um vestido de organza preta, Luís Buchinho um vestido de texturas leves e plissadas e Miguel Vieira um outro vestido branco assimetricamente pregueado. O fenómeno Kitty ainda por aí.

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