Incêndio cala o jazz por tempo indeterminado no Hot Clube

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Chamas deflagraram no último piso do prédio, que estava devoluto Enric Vives-Rubio

A mítica cave da Praça da Alegria ficou alagada pela água usada para apagar as chamas que deflagraram no último andar do prédio do clube

Um incêndio destruiu na madrugada de ontem parte do edifício na Praça da Alegria, em Lisboa, onde está instalado o Hot Clube de Portugal. Aquele que é um dos mais antigos clubes de jazz não foi atingido pelas chamas, mas a cave do edifício ficou inundada pela água usada pelos bombeiros.

As causas do sinistro, que ocorreu pelas 3h20 e ficou extinto cerca de duas horas depois, não eram conhecidas ao final do dia. A degradação do edifício, há muito conhecida e denunciada junto da Câmara de Lisboa, segundo o presidente da Junta de Freguesia de São José, Vasco Morgado (PSD), favoreceu a origem do fogo. De que forma? O autarca diz ser prematuro avançar. Mas a câmara, proprietária do edifício, "sabia o que se passava", garante.

O município reconhece a antiguidade da estrutura, mas recusa que se estabeleça "uma relação causal" entre a sua degradação e o incêndio, fez saber a vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, através de uma assessora de imprensa. Recentemente tinha havido contactos entre a direcção do Hot Clube e a câmara para recuperar o edifício, adiantou a presidente do clube. "A ideia era instaurar uma Casa de Jazz, com um espaço museológico e concertos", disse Inês Homem Cunha. Mas nada ficou decidido.

Entretanto, ao fim do dia, Catarina Vaz Pinto divulgou um comunicado em que afirma estar a ser estudada, a pedido da direcção do clube, uma solução que viabilize a temporada de concertos comprometida pelo fogo. "Essa solução passará em princípio pela utilização por parte do Hot Clube da sala 3 do [vizinho] Cinema S. Jorge (Café-concerto)", alternativa que tinha sido sugerida durante o dia pelo presidente da Junta de Freguesia de São José. De acordo com a vereadora da Cultura, a vistoria efectuada permitiu concluir que o edifício "não está em condições de voltar a ser utilizado" e que vai ser alvo de uma operação de remoção de escombros e de uma cobertura provisória de protecção.

"Histórias não arderam"

O restaurante, no rés-do-chão, que dá trabalho a quatro pessoas, sofreu "danos elevados", segundo o proprietário, Joaquim Cunha. O Hot Clube perdeu, por tempo indeterminado, a sala de espectáculos. Durante a tarde, músicos e "amigos" do espaço retiraram amplificadores, o contrabaixo, a bateria e o piano que há vários anos fazem parte da mobília e que serão levados para a Escola de Jazz, que funciona na Junqueira, no edifício municipal da Orquestra Metropolitana de Lisboa. Inês Homem Cunha afirmou que o "espaço ficou em muito mau estado", mas a principal preocupação é "manter a actividade e cumprir a programação". A desta semana foi cancelada.

Bernardo Moreira, presidente do clube durante 17 anos e agora presidente da assembleia geral, lamenta aquele que é o primeiro entrave à sua actividade em 60 anos. Mas mantém o optimismo de uma solução para um espaço com uma enorme carga histórica. "Apesar do incêndio, as histórias não ardem. Não esqueço a passagem de personagens como Vinicius de Moraes e as grandes noites que passámos. Podia relembrar outras centenas de músicos que por aqui passaram."

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