Teve medo? Ainda bem. É sinal que o seu alarme natural funcionou
Foi este o principal motivo que levou milhares de pessoas a ligarem ontem para as autoridades. Segundo Emília Castela, chefe da Divisão de Planeamento e Operações do Departamento de Protecção Civil da Câmara Municipal de Lisboa, só ali, na primeira hora e meia, foram recebidas cerca de 130 chamadas e a história de Luísa (nome fictício) é uma das que melhor recordam por ter recorrido ao humor para lidar com o receio.
Mas também houve quem tivesse ponderado sair à rua, quem temesse réplicas e quem, por viver em prédios velhos, tivesse receado que a estrutura cedesse apesar de não haver nenhuma alteração. O medo permitiu-lhes prepararem-se para a eventualidade de ser preciso agir. "E nós tentámos descansá-las e devolvemos chamadas às pessoas mais ansiosas para nos certificarmos de que tudo tinha regressado à normalidade. É muito importante transmitirmos confiança", disse.
"O medo é o nosso alarme natural", resumiu ao PÚBLICO Américo Baptista, psicólogo clínico e professor da Universidade Lusófona. Segundo o doutorado em perturbações de pânico, "sempre que há ameaças temos medo porque não estamos preparados para responder a essa incerteza e esta é uma forma". Os sismos são apenas mais uma situação. "Há um aspecto genético que nos faz ter medo das tempestades naturais, categoria em que se inserem os sismos."
Mas "há também processos de socialização que incentivam". E o factor psicológico pode traduzir-se em "componentes fisiológicos" como suores, tremores ou palpitações. Manifestações que podiam ser minimizadas com mais informação: "A sensação de controlo seria maior com formação. Falta uma resposta organizada para confiarmos mais nas instituições de segurança", defendeu. Uma opinião corroborada pelo psiquiatra Marcelo Feio, que sublinha que "o medo também nos ajuda a antecipar as situações e a apostar mais na prevenção para não termos de enfrentar o desconhecido". É o caso dos simulacros.
Contudo, ressalvou Américo Baptista, "há um conjunto de pessoas em quem o medo é tão intenso que lhes provoca limitações". Nestes casos, prosseguiu, já estamos perante uma fobia. E há ainda a ansiedade (que acontece perante uma ameaça imaginada) e o pânico (que surge sem um desencadeador óbvio e corresponde a uma reacção a algo mais abrupto), apesar de usarmos e misturarmos muitas vezes estas expressões.
Também o psiquiatra Rui Durval entende que "o medo é normal, é útil e é extremamente necessário para nos adaptarmos ao nosso meio". Isto porque "se não tivermos medo não fugimos dos perigos". O médico do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa lembrou também que é este sentimento que nos prepara para a acção, quer isso signifique "fugir do perigo ou enfrentá-lo". Durval compara ainda esta circunstância a um aluno numa situação de exame: "Até um certo ponto a sua performance melhora se ele tiver medo. Quando é que deixa de ser útil e se torna patológico? Quando é desproporcionado." Sobre o facto de a maioria das pessoas que recorreram à protecção civil terem sido idosos e grávidas, referiu que a população mais velha está mais isolada e "a presença do outro é sempre apaziguadora".
"Medo do desconhecido." É desta forma que Steffen Dix, investigador na área da religião do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, classifica a reacção das pessoas ao abalo de ontem. E recorda que na altura do grande terramoto de 1755, perante a ausência de explicações para a catástrofe, uma grande corrente atribuiu-a ao "castigo divino" por Lisboa ter uma vida faustosa. "Quando ninguém pode explicar ou prever, o último recurso é Deus, e só o facto de as pessoas deixarem esta porta aberta justifica que tenham medo da morte e do que está do lado de lá. É, por isso, que em momentos de insegurança as pessoas se apegam à religião, mas em circunstâncias destas esquecem-na também rapidamente."