Alèmu Aga é um dos grandes executantes da begena, que se crê que seja usada na Etiópia há cerca de três mil anos. Apesar de ser conhecida como a "harpa do Rei David", a begena não é uma harpa, mas uma grande lira com dez cordas. "É provavelmente o instrumento mais velho tocado na Etiópia", escreve Francis Falceto, produtor francês, num texto de apresentação da série de discos que dirige, "Ethiopiques" (o 11º volume dessa série é dedicado a Alèmu Aga).
Diz a lenda que o instrumento terá servido, há três milénios, para contornar a insónia de Saul, meio-irmão de David. A ligação à religião terá surgido por volta do século IV. Até ao século XX, a begena foi tocada sobretudo nos círculos religiosos e entre os nobres. Por causa destas origens, a ditadura de contornos anticlericais instalada em 1974 baniu o instrumento da rádio e da televisão, confinando-o ao uso doméstico.
Também Alèmu Aga foi forçado a abandonar as aulas de begena na Escola de Música Nacional da Etiópia - abriu uma loja de "souvenirs" em Adis Abeba, a capital etíope. Com o fim do regime, Aga voltaria a tocar em público e a ensinar, tornando-se um dos maiores embaixadores da música etíope no mundo. A begena tem poucos executantes, mas, recentemente, Alèmu afirmou-se satisfeito por ver cada vez mais jovens a pegar no instrumento.
Nascido em 1950 nas terras altas à volta de Adis Abeba, Alèmu canta canções religiosas, fábulas, histórias e os seus próprios poemas, enquanto dedilha o instrumento, que toca desde os 12 anos. Problemas sociais e outras preocupações são expressas com recurso a referências veladas - algo habitual no pensamento etíope, fruto das várias ditaduras da história do país.
A música de Alèmu, que hoje actua na Culturgest do Porto, é meditativa (é normal nesta tradição que uma peça dure várias horas), repetitiva, hipnótica, impondo um ritmo seu, distante do corre-corre ocidental. Vale a pena ouvi-la.