Fatos por medida com tecidos de luxo

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Os tecidos são produzidos em Trivero, no Norte de Itália. Há mais de 400 variedades. A lã de vicunha resulta num dos tecidos mais leves e confortáveis do mundo, garantem os responsáveis da Zegna

Há cada vez mais homens rendidos ao fato por medida. São confortáveis e moldam-se melhor ao corpo. Alguns atingem os 20 mil euros, como os do serviço topo de gama da marca italiana Ermenegildo Zegna, que usa um tecido raro. Mas há opções mais baratas.

Oque é que um animal da família dos camelos tem a ver com chefes de Estado e grandes empresários? Muita coisa. O animal chama-se "vicunha", vive nos Andes e já esteve à beira da extinção. Dá uma lã muito fina que resulta em tecidos de luxo - dos mais confortáveis e leves do mundo. São esses tecidos que a marca italiana Ermenegildo Zegna emprega na confecção de fatos por medida. Pormenor: como a lã da vicunha é rara e os metros de tecido escassos, a Zegna não faz mais do que 30 fatos deste género por ano em todo o mundo. Os preços são astronómicos. Só presidentes, primeiros-ministros e grandes empresários os conseguem pagar.

O responsável pelos contactos com tão proeminente clientela é o alfaiate espanhol Ramón Piqué Sans, de 58 anos. Trabalha para a Ermenegildo Zegna desde 1977. Começou como simples ajudante de alfaiate e é hoje uma das mais respeitadas figuras dentro da empresa. Desde 1999, dá workshops de protocolo no Instituto Superior de Derecho y Economia, uma universidade privada de Barcelona. Escreveu até um livro onde conjuga as facetas de alfaiate e professor, Vestimenta y Protocolo, publicado no ano passado. E está a preparar um outro sobre como se vestiam os actores do cinema clássico americano. "Aprendi a ser alfaiate com o meu pai e conheço as regras de protocolo por causa das inúmeras recepções e actos públicos em que participei ao longo dos anos", diz à Pública, por ocasião de uma recente visita a Lisboa.

Ramón Piqué tem a discrição do agente secreto e a descontracção do homem de negócios bem sucedido. O Blackberry tornou-se o seu melhor amigo. É nele que guarda milhares de contactos e recebe e responde a emails. Os principais clientes da Zegna conhecem-no e fazem questão de ser atendidos por ele. Piqué, que vive em Espanha mas passa a vida de aeroporto em aeroporto, não os desilude. "Discrição e honestidade são as minhas obrigações principais", explica. "Sou alfaiate e ao mesmo tempo consultor de imagem, não há nenhum problema em dizer a um cliente que certa cor lhe fica mal, por exemplo. Ele até agradece. Não quero um cliente para uma só compra, quero estabelecer com ele uma relação duradoura, de muitos anos."

Convém esclarecer que Piqué já não faz fatos. Pode fazê-los, porque sabe como, mas a empresa atingiu uma tal escala (547 lojas em todo o mundo, próprias ou em regime de franchising, dizem os dados oficiais) que seria impraticável recorrer ao velho método do alfaiate no seu atelier, a desenhar a giz em cima de um tecido e a comandar uma equipa de quatro ou cinco costureiras, cada uma destacada para uma parte do fato. É assim que ainda funcionam algumas marcas, não a Zegna. Paulo Mateus, gerente da loja da Avenida da Liberdade, em Lisboa, precisa: "Usamos uma medida semi-industrial. Os fatos são feitos em fábrica, tal como os de pronto-a-vestir que temos na loja, mas o corte da peça é feito com as medidas exactas do cliente."

Do processo clássico, o alfaiate espanhol conserva apenas a parte inicial: tira medidas e dá conselhos. Nada mais. É embaixador de um serviço da Zegna conhecido por Su Misura Platinum.

O cliente da América Latina...

Andemos um pouco para trás para explicar como é que de uma vicunha à solta nas serranias andinas chegamos a um fato de luxo que faz vista numa reunião de negócios ou numa cimeira de chefes de Estado. Resumindo: um italiano chamado Ermenegildo Zegna funda uma fábrica de lanifícios em 1910, em Trivero, no Norte de Itália; transforma-a num negócio de sucesso, com milhares de empregados; nos anos 60, deixa de fazer apenas tecidos e fatos por medida e aposta no pronto-a-vestir; no início da década de 70, os filhos, que entretanto tomam conta da empresa, introduzem uma novidade: o serviço de alfaiataria por medida Su Misura, que passa a funcionar para um nicho de mercado, enquanto o pronto-a-vestir se assume como negócio principal.

Para resistir à concorrência, o Su Misura tem vindo a reinventar-se. A inovação mais recente recebeu o nome Su Misura Platinum. Consiste em fatos e camisas sumptuosos: bem talhados, por medida, em tecidos raros - como o de vicunha. Está disponível em 60 lojas Zegna em todo o mundo e há poucas semanas chegou às de Lisboa e do Porto.

Como funciona? De duas formas: na loja ou ao domicílio, com tecidos normais ou tecidos de topo. Como já se disse, só os tecidos e os acabamentos diferem do comum fato de pronto-a-vestir. O resto é um processo industrial.

Imaginemos que somos um desses empresários do petróleo ou das telecomunicações que vivem na América Latina. Se já conhecemos Piqué de outras ocasiões, basta enviar-lhe um email (ou pedir que o façam por nós). Ele explica: "Outro dia, um cliente mandou-me um mail a avisar que vai estar na Europa daqui a uns meses e precisa de três fatos", conta. "Sei as medidas dele, sei o género de pessoas com quem se vai encontrar e os ambientes em que se move. Quando chegar, tem os três fatos à espera."

Por norma, assegura o alfaiate, não há erro e o fato, mesmo concebido à distância, sai exactamente de acordo com o corpo da pessoa. A não ser que ela tenha emagrecido ou engordado. Aí não resta a Piqué outra hipótese que não seja a de voltar a tirar medidas. Mete-se num avião, com uma fita métrica dentro da mala, a caminho do escritório ou da casa do magnata. Fá-lo muitas vezes quando os clientes são recentes ou mudaram de compleição física. A América Latina e o Médio Oriente são os seus destinos mais comuns. Além de Portugal e Espanha. As medidas são enviadas por computador para Espanha, Itália ou Suíça - onde estão as três fábricas/alfaiatarias Zegna.

Cabe a este representante do Su Misura Platinum a escolha dos tecidos, de acordo com a sua sensibilidade. Mas também é possível fazer chegar amostras aos clientes, via lojas. O cliente escolhe aquele de que gosta, ou que tem possibilidade de pagar, e acerta com o alfaiate alguns pormenores: bolsos, abas, pregas, botões, forro. Por norma, os homens altos e esguios podem usar fatos com três botões à frente, enquanto os menos elegantes devem optar por dois botões, para que o tronco ganhe um aspecto menos abaulado. É uma das muitas regras observadas.

O Su Misura Platinum tem mais de 400 variedades de tecidos, entre caxemira, lã e algodão, todos tingidos e fiados na fábrica de Trivero, com corantes naturais. Vicugna ou Vellus Aureum (lãs muito finas) são a fina-flor da gama Platinum.

Ao fim de quatro semanas, o fato está pronto e viaja para a loja onde foi pedido. "Pode haver uma prova a meio, mas em princípio não é preciso", diz Piqué. O gerente da loja de Lisboa acrescenta: "Nas alfaiatarias é costume fazer-se duas ou três provas, aqui não. Pequenos ajustes de bainha, por exemplo, só são precisos da primeira vez. À segunda ou terceira, a peça vem e está pronta a ser usada."

... e o cliente Pedro Lima

Dando-se o caso de sermos pessoas comuns, mas com profissões que exigem não um fato qualquer, mas um que se imponha, também temos opção, sem precisarmos de recorrer a Piqué, que é só um e não consegue acudir a todas as solicitações. Segundo Paulo Mateus, "todos os empregados das lojas fazem algumas horas de formação na área da alfaiataria e estão aptos a tirar medidas e a aconselhar". O actor e modelo Pedro Lima, que aceitou posar para a Pública enquanto experimentava um fato mandado fazer na Zegna, é a prova disso. Cliente habitual da marca italiana, tem uma relação especial com Ramón Piqué, mas também costuma ser atendido por outros empregados da casa.

Preço final: cerca de três mil euros. Se o tecido escolhido pertencer às duas categorias mais luxuosas, pode chegar aos 20 mil euros, com uma confecção totalmente artesanal feita exclusivamente na fábrica suíça da Zegna. Quer a opção cara, quer a mais barata representam menos de 15 por cento do volume anual de negócios da marca.

Por comparação, refira-se que outras lojas que fazem fatos por medida, como Veríssimo Mustra ou Rosa & Teixeira, ambas em Lisboa, praticam preços semelhantes: entre três mil e 3500 euros. Para se ter um quadro mais completo, é preciso acrescentar que o preço de tecidos medianos ronda os 200 euros por metro quadrado e que são precisos pouco mais de três metros de tecido para o conjunto casaco e calças - mais o valor da mão-de-obra, que pode rondar 400 euros, de acordo com dados recentemente recolhidos pela Pública.

A mão-de-obra é precisamente o que escasseia. Não só as máquinas têm vindo a substituir os alfaiates, como há cada vez menos pessoas interessadas em seguir a profissão. Piqué fala em "vias de extinção" e está convencido de que "o problema é vivermos numa sociedade que valoriza a rápida ascensão dentro das profissões". "É preciso tempo para se crescer como alfaiate e hoje ninguém quer esperar, tudo tem de ser conseguido agora", opina. "No caso dos alfaiates, não é aos 30 anos que se tem um lugar consolidado na profissão, é muito mais tarde." Os que ainda alimentam a área são filhos de alfaiates como ele, ou, fenómeno novo, jovens imigrantes. "Em Espanha, por exemplo, há cada vez mais uruguaios e indianos a dedicarem-se à alfaiataria." a

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