Paquistaneses e afegãos questionam a nova estratégia de Barack Obama para a região
Islamabad ficou incomodada com repto que lhe foi lançado para recusar refúgio à Al-Qaeda e nos dois países critica-se data avançada para o início da retirada
Foi com pouco entusiasmo, e mesmo críticas veladas, que afegãos e paquistaneses reagiram à nova estratégia americana para a região. Dos dois lados da fronteira, sobretudo em Cabul, teme-se que os 18 meses para o início da retirada dêem alento aos taliban. E Islamabad mostrou-se desconfortável com o repto que lhe foi lançado por Barack Obama para fazer mais no combate ao terrorismo.
No discurso de terça-feira, o Presidente americano prometeu a Islamabad uma parceria política e militar em troca de maior cooperação na luta contra a Al-Qaeda, que continua a ter nas zonas tribais o seu principal refúgio. Mas ontem, numa visita a Londres, o primeiro-ministro paquistanês escusou-se a dar uma resposta, dizendo apenas que o seu Governo precisa de "mais esclarecimentos" sobre o que lhe está a ser pedido antes de tomar uma decisão.
E depois de Obama se ter referido à zona de fronteira como o "epicentro do extremismo violento praticado pela Al-Qaeda", Yusuf Gilani garantiu que Washington nunca lhe deu "informações credíveis" de que Osama bin Laden se esconde no país: "Não penso que ele esteja no Paquistão."
O Washington Post escreveu que, para Islamabad, a estratégia de Obama apresenta dois riscos. Por um lado, teme que o reforço da presença militar no Afeganistão empurre novos rebeldes para o seu território, desestabilizando ainda mais a situação nos territórios tribais. Por outro, fica sob pressão para atacar a Al-Qaeda, numa altura em que tem muitas das suas forças empenhadas numa ambiciosa campanha contra os taliban paquistaneses, no Waziristão do Sul.
Um dilema ainda maior para o Governo, tanto mais que a maioria da opinião pública é hostil a alianças com os EUA e culpa a guerra no Afeganistão pelo aumento do terrorismo no seu território. "Os americanos são vistos como ocupantes e não há forma de contornar isto", explicou Pervez Hoodbhoy, especialista paquistanês em questões de defesa.
Mas, como sublinha o jornalista paquistanês Ahmed Rashid, Obama deixou claro que "não vai continuar a tolerar" que o Paquistão dê guarida à Al-Qaeda. E se a ajuda económica e militar pode convencer o Governo, este perito em questões regionais pensa que "a chave para mudar a atitude dos militares paquistaneses" passa por convencer a arqui-inimiga Índia a reiniciar as negociações de paz. O desanuviar da tensão, diz, permitiria desviar tropas junto à fronteira indiana para a luta contra os rebeldes e aliviaria as suspeitas sobre a aproximação de Nova Deli a Cabul.
Várias vozes, sobretudo afegãs, lamentam também que Obama tenha dito que os 30 mil reforços agora anunciados vão começar a retirar em Julho de 2011. Isso "vai alimentar a moral dos terroristas e dar-lhes a esperança de um regresso ao poder", disse à AFP Ahmad Behzad, deputado da oposição afegã. "O Afeganistão vai ser novamente desestabilizado e isso afectará o Paquistão", acrescentou o general Mahmood Shah, ex-comandante nas zonas tribais, enquanto a imprensa de Islamabad comparava o "abandono" americano àretirada soviética de 1989.
O general McChrystal, comandante das forças internacionais, garantiu aos deputados afegãos que não está a ser planeada uma retirada antecipada e que, em Julho de 2011, "será claro que o Governo está a ganhar a guerra". Mas, num artigo para a BBC online, Ahmed Rashid duvida de que haja progressos significativos em 18 meses. "E terá o Paquistão interesse em antagonizar os taliban afegãos se eles daqui a dois ou três anos estiverem outra vez no poder?", questionou.