Em 1994 a Disney começou a apostar em Portugal, onde não existia uma classe de dobradores e as dobragens eram consideradas um ramo da profissão de actor. “Só há muito poucos anos é que começamos a produzir em português e para Portugal”, salienta Pedro Boucherie Mendes, director de canais temáticos da SIC.
Carlos Freixo, director de várias dobragens desenvolvidas pelo estúdio da Matinha, esteve presente na altura em que foi feita a dobragem do “Rei Leão”. Freixo foi uma das vozes do filme, a do próprio Simba e lembra o momento em que o estúdio foi contactado pela Disney para realizar esta primeira grande dobragem: “Era uma aposta arriscada, uma espécie de tudo ou nada. Se não resultasse voltar-se-ia às dobragens brasileiras. Por isso foi posto todo o cuidado na escolha do elenco para o casting.”
A aposta foi ganha. A versão portuguesa foi considerada a segunda melhor a nível mundial. “Não mais voltámos ao português do Brasil”, afirma Carlos Freixo e acrescenta: “Tornou-se impensável lançar um filme de animação que não fosse dobrado em português de Portugal”.
Depois da primeira experiência os passos seguintes foram dados de forma natural, seguiram-se grandes estúdios como a Warner, Dreamworks, Fox. A partir desde momento começaram a aparecer mais estúdios e empresas de dobragem em Portugal. O director do estúdio On Air, Raul Barbosa, explica que “há uma necessidade do mercado em dobrar os filmes. Os filmes chegam na língua original e é preciso passá-los para língua portuguesa”. No entanto, para este director, em Portugal não existe indústria. “Qualquer empresa que queira dobrar tem de lidar muito bem com este universo porque tem muito menos produção do que a que há lá fora”, sendo que há quatro grandes países dobradores no mundo: Espanha, França, Alemanha e Itália. “Eles dobram tudo, todos os filmes, documentários, por isso têm uma indústria. Em Portugal dobramos mais animação. Temos de saber ser bons, para conseguir ter trabalho”, refere Raul Barbosa.
Porém, Isabel Monteiro, responsável da empresa Dialectus, considera que a área da dobragem “é uma área com alguma complexidade, num mercado tradicionalmente pautado pela legendagem dos programas, a dobragem foi crescendo e está, actualmente, em franca expansão”. Mas, “o produto dobrado é cerca de 5,6 vezes mais caro do que um produto legendado”, esclarece.
Um raio-x às dobragensEngane-se quem pensa que dobrar um filme é um processo fácil, ou que implica só colocar a voz do actor num personagem animado. “A técnica de dobragem é muito específica. O actor tem de ser capaz de representar muito rapidamente, enquanto ouve a versão original nos auscultadores, guiando-se por ela mas sem copiar as suas inflexões”, esclarece Carlos Freixo.
A dobragem passa por várias fases, desde a escolha do elenco, o estudo do guião e a gravação, que podem demorar, ao todo, entre três e quatro meses.
Na fase dos testes de voz, ou seja, da escolha de actores e cantores para o filme, o trabalho é feito em conjunto com os directores de dobragem, para os diálogos ou directores vocais, para as canções. O objectivo é tentar encontrar alguém com uma voz semelhante à do actor que fez a versão original do filme. O actor pode ser também o cantor ou não. Por vezes a parecença até deixa de ser importante. A este propósito Raul Barbosa fala da sua experiência no filme “Shrek”. “Na versão original do Shrek a voz do burro é feita pelo Eddie Murphy e em Portugal é o Rui Paulo. A Dreamworks disse para nós tentarmos encontrar um actor que tivesse uma capacidade enorme de ser como o Eddie Murphy é no filme”.
Esta fase não é rápida, pois há um trabalho desenvolvido em conjunto, isto é, o estúdio com o director musical e o director de dobragens, de diálogos, até ao casting ser aprovado. Carlos Freixo explica o trabalho de director de dobragem, ou melhor, de coordenador do filme, que começa “na adaptação do texto para que encaixe nas bocas”. “O director tem de levar o actor a representar em sincronismo, ou seja, representar a personagem no tempo da frase”. Para além disso, “como, hoje em dia, cada actor grava sozinho no estúdio tem igualmente de ser conduzido a contracenar com um colega inexistente”, salienta Carlos.
Depois das vozes escolhidas é altura de tratar do guião, que chega aos estúdios de dobragem em versões muito codificadas. “É feita a tradução dos diálogos e tradução lírica, caso haja canções”, diz Raul Barbosa. E explica: “Durante essa fase há várias conversações com os criativos responsáveis pela versão original para ver o nosso estúdio percebeu a piada, as notas criativas que vinham, o que é que fizemos, por onde é que fomos em termos de adaptação, para eles concordarem ou não”.
Realizado este trabalho, está tudo a postos para a gravação, que é idêntica a qualquer filmagem, tentando-se levar o menor tempo possível, uma vez que são cada vez mais os meios tecnológicos. “Antigamente gravava num mês, hoje em dia consegue-se gravar em duas semanas, desde que tenha o casting todo presente”, revela Barbosa.
O estado actual das dobragensPara Isabel Monteiro, as dobragens são fulcrais por tornarem um determinado “programa acessível a todos” e darem a “oportunidade aos profissionais portugueses de mostrarem a qualidade do seu trabalho”. Os estúdios de som tentam agora explorar outras áreas, consideradas importantes. “Só das dobragens não conseguiríamos sobreviver. Nunca há muitos filmes de animação, mesmo que dobremos 20 filmes por ano dá aproximadamente um por mês”, Raul Barbosa. Por isso, é preciso “recorrer a outras áreas que têm a ver com a tecnologia de áudio, outros serviços na área audio-visual”, explica.
Para além das dobragens, a Dialectus faz locuções para publicidade e locuções institucionais para empresas. “Em Portugal o mercado está em franca mudança e crescimento”, afirma.
No entanto, para Pedro Boucherie Mendes hoje ainda não existe “uma indústria áudio-visual decente que possa produzir conteúdos de forma sistemática e com capacidade de a exportar, onde seria, naturalmente, dobrada. Não exportamos”. O director de canais temáticos da SIC - que apresenta agora um novo projecto, o canal SIC K, especialmente dedicado ao público mais jovem – questiona: “Como é possível que os canais de serviço público não tenham apostado em dobragens desde o 25 de Abril?”.