Miguel Viana As tesouradas mostram o caminho

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Há mulheres que fazem quilómetros para deixar o cabelo nas mãos dele. Já fez os desfiles de Paris, Milão e Nova Iorque. Integra a equipa do guru Luigi Murenu, que foi cabeleireiro de Madonna e costuma trabalhar com Tim Burton. Miguel Viana, mãos de tesoura: esta é a vida dele; esta é a vida com que sempre sonhou.

La coiffure des stars" (o penteado das estrelas), lê-se nas embalagens transparentes cheias de postiços coloridos que saltam de uma mala preta gigante. Ouve-se ao fundo uma música latino-americana, que vai e vem por causa do barulho do secador que Miguel Viana segura nas mãos. Debaixo das luzes fortes, reflectida no espelho a olhar para um pequeno computador em cima da mesa onde se amontoam frascos, boiões, lacas, escovas, ganchos, elásticos, sprays de cor, ferro para esticar, tosta-mista, protecção para não queimar as orelhas, produtos para os cabelos e de maquilhagem, está a modelo dinamarquesa Louise Pedersen. É tão bonita ao vivo quanto no anúncio do perfume Be Delicious, da DKNY. Tem uns longos cabelos que nas mãos de Miguel Viana ainda ficam mais compridos. Truques de cabeleireiro.

Tudo isto se passa em Lisboa, num dos dias ainda não muito frios de Novembro, num estúdio do Príncipe Real. Louise Pedersen está a ser fotografada para a revista portuguesa Vogue pelo fotógrafo polaco Marcin Tyszka, que fez o catálogo das peças de joalharia da Chanel. Paulo Macedo é o responsável pela produção de moda; Cristina Gomes, a maquilhadora; Miguel Viana, o cabeleireiro. É visível a cumplicidade entre todos. Conhecem-se há anos. São amigos. Trabalham juntos há uma eternidade (antes de ser produtor de moda, Paulo Macedo foi manequim e, tal como Miguel Viana, vivia no Porto).

Os postiços no cabelo de Louise vão sendo entrançados sem nunca perderem o ar natural. A manequim veste as roupas de Verão e os sapatos Givenchy para ser fotografada. Colocam-lhe uns colares ao pescoço. Está pronta para a sessão. "Very nice, very nice", diz-lhe Marcin Tyszka, ao mesmo tempo que dispara a máquina fotográfica. Louise está com calor. Trazem para perto dela uma ventoinha. "Great! Go! Go!", continua Marcin. "Superb! It"s amazing! Stay! Gorgeous! Go!", grita mais uma vez, enquanto Louise salta repetidamente até ficar sem fôlego. Quase tropeça nos sapatos altíssimos.

No ecrã do computador, ali ao lado, vão aparecendo as imagens. Lindas. Poderosas. Todos querem ver, aproximam-se e rodeiam a mesa. Num dos saltos, o cabelo de Louise desmancha-se, Miguel Viana corre a apanhar os ganchos no chão. Refaz a trança. E recomeça tudo outra vez. É esta a vida com que sempre sonhou.

No princípio era o cheiro

Não são só os postiços que são "la coiffure des stars". A marca da laca também é das "estrelas de cinema". Foi por causa deste cheiro, o da laca, que tudo começou. "Adorava ir buscar a minha mãe ao cabeleireiro com o meu pai", diz Miguel Viana, 41 anos, a comemorar 25 anos de profissão. "Entrar no salão e sentir aquele cheiro..." Nessa altura, a mãe de Miguel, Dona Luzia, ainda não trabalhava num cabeleireiro. Mais tarde, quando já estava num dos melhores e mais tradicionais cabeleireiros do Porto, o salão Jorge Lima e Amadeu Correia, trazia aquele cheiro sempre com ela. "Era muito confortável. Eu adorava estar no colo da minha mãe e sentir aquilo. Tudo começou pelo aroma."

Desde muito pequeno, Miguel cortava o cabelo às bonecas das irmãs, conta Dona Luzia, que faz parte da sua equipa no salão que abriu no dia 16 de Dezembro de 1995 na Foz Velha, no Porto, frente ao mar. "Mais velho, trazia para casa as colegas e mudava-lhes a cor dos cabelos, colocava-lhes uma rede e mandava-as ir dormir assim. Eu dava-lhe a semanada e ele gastava em revistas de moda."

Quando Miguel tinha 12, 13 anos, saía muito ao fim-de-semana com as irmãs e com amigos. Davam nas vistas. Essas saídas requeriam um longo processo de produção. Cada um puxava pelo outro e a mãe incentivava imenso os filhos. "O quarto ficava todo desmontado com tudo o que havia de diferente. Tentávamos criar roupas e usar o cabelo de uma forma diferente. Ficávamos horas naquilo, era difícil sair de casa, tudo levava um certo tempo."

Vestiam-se muito de preto e assim saíam para se divertirem na noite do Porto. "A nossa imagem era entre o gótico e o punk. Durante muito tempo não conseguia sair de casa sem ripar o cabelo e sem colocar laca. Ripar para ficar espetado e despenteado e com mau aspecto", ri-se. "Chegava a usar sabão para o cabelo ficar com ar baço e duro. Também Coca-Cola e um gel muito forte."

Numa época, uma das suas irmãs foi estudar para Londres. "Quando ela voltava trazia sempre muitas novidades. Era uma festa."

Dança, roupas e cabelos - eram as três coisas de que Miguel Viana, ainda adolescente, gostava. Pensou tirar o curso de estilista, como fez uma das suas irmãs, mas aos 15 anos decidiu que queria mesmo ser cabeleireiro. Nessa altura já cortava o cabelo às amigas e foi por isso que, um ano depois, arranjou emprego.

Nesse ano em que fez 16 anos, foi com as irmãs apanhar fruta para a Suíça. Andaram a fazer o InterRail pela Europa e quando regressaram a Portugal foram passar férias para Viana do Castelo com o pai. Era Setembro e o senhor Amadeu, patrão da mãe, tinha acabado de vir de Paris onde tinha ido buscar as tendências Outono/Inverno. Pediu à mãe de Miguel Viana que as suas filhas fossem servir de modelos nas acções de formação que ele dava à equipa sempre que regressava de Paris. Como elas estavam em Viana do Castelo, acabaram por ser substituídas por duas amigas a quem Miguel tinha cortado o cabelo em Julho. "Quando as minhas amigas chegaram ao salão, o senhor Amadeu olhou para o corte delas e viu que seguiam a tendência Outono/Inverno que ele tinha trazido de Paris. Ficou muito admirado. Perguntou-lhes onde tinham cortado cabelo. Quando responderam que tinha sido o filho da Luzia, ele mandou-me chamar." Foi assim que começou a estagiar no cabeleireiro Jorge Lima e Amadeu Correia, um dos melhores salões do Porto.

Miguel não sabe explicar como é que estava tão atento ao que se passava lá fora. "Não tínhamos quase revistas, também não havia muito dinheiro para fazer grandes coisas, não havia muitos canais de televisão, nem Internet. Sinceramente, acho que era mesmo uma intuição. Ainda hoje sinto que existe em mim."

Tenta explicar o seu processo de criação: de repente, começa a lembrar-se de uma cor ou de um corte de cabelo que já não está na moda. Depois apercebe-se de que a nível global as tendências estão a ir nessa direcção. "Às vezes, as franjas não estão na moda e começo a fazer franjas e depois percebo que está a acontecer. Com isto não estou a dizer que sou eu que as estou a lançar. Mas acho que há uma consciência planetária que começa a mover as pessoas em vários pontos do mundo numa direcção."

Quando começou a estagiar, ficou com medo. Toda a parte técnica que existe na profissão de cabeleireiro nunca o entusiasmou. O que ele gosta é de cortar e pentear. "Eu que não tinha medo de cortar os cabelos, quando comecei a ver os profissionais a trabalhar, ganhei medo. Trabalhava de uma forma completamente diferente da deles. Eles tinham técnica, faziam uma divisão na cabeça para começarem a fazer o corte, havia todo um ritual e um processo para chegar a um corte e eu não tinha técnica nenhuma; começava a cortar à sorte. Ainda hoje tenho um bocado disso, só que a parte técnica das divisões estão no consciente. Mas não sou um profissional que faça as coisas de uma forma tecnicamente muito correcta."

Olhava para as revistas e queria atingir aquilo que estava lá. Durante uma época adorava o espanhol Luis Llongueras. "Apreciava imenso o trabalho dele porque ia sempre muito além dos limites que eu estava habituado a ver. Houve uma fase em que Toni&Guy também era uma referência muito forte e fora do normal. Mas todas estas minhas referências foram ficando mais comerciais e perderam aquela grife ou aquela referência que eu tinha de que eles andavam muito à frente dos outros."

Quando existe liberdade total, começa a cortar sem saber para onde vai. "Começo a dar golpes no cabelo e, às vezes, há um golpe que até pode ser feito um bocadinho fora do sítio. Esse golpe é que me dá a direcção para o produto final. Acontece com uma tesourada que tecnicamente foi feita fora do sítio. Mas quando vejo cair o cabelo e me apercebo... A muitos cortes, chego assim. Por causa de uma tesourada que me mostra algo."

Chegar ao topo

"Vamos largar o cabelo comprido hoje?", pergunta Miguel a Ana Filipa Bragança, sua cliente desde os cinco anos (agora tem 25, trabalha entre Paris e o Luxemburgo, mas sempre que vem ao Porto é obrigatório passar pelo salão de Miguel Viana, no número 276 da Avenida Brasil).

"Mas por onde? Vou ficar com uma cabeleira mínima?", arrisca ela. "Mínima, não", diz ele. "Eu confio", remata ela. Miguel ri-se e começa a cortar. Com o pente estica o cabelo e a seguir a tesoura corta. Os cabelos vão ficando amontoados no chão. "Foram dois anos a deixar crescer o cabelo. Mas estou contente, a sério. Já estava farta."

Na festa dos seus 18 anos ele penteou-a. Foi mesmo como ela queria. Tinha um vestido "muito louco" e ele fez-lhe um penteado sóbrio. "Ai Miguel, quando for o meu casamento... Só me falta arranjar alguém, mas já te tenho a ti."

Depois do corte, do secador de cabelo e do ferro para encaracolar, Ana Filipa, que conta que no Luxemburgo todos acham que ela é sul-americana por causa dos longos cabelos escuros, levantou-se e era uma princesa.

Depois de estar cinco anos no Jorge Lima e Amadeu Correia Cabeleireiros, Miguel Viana tornou-se freelancer e começou a fazer trabalhos de moda. Não só desfiles, mas também sessões fotográficas (para catálogos, revistas, etc). Abriu o seu salão na Avenida Brasil em 1995. Quando fez 30 anos foi tentar a sorte em Paris. "A minha posição nessa altura era muito confortável. O salão funcionava a 200 por cento e em Portugal eu fazia tudo o que de melhor havia em termos de moda. Estava super-realizado, tinha 30 anos, e percebi que não conseguia subir mais. Estava a precisar de mais desafios."

"Quando se chega a um topo, e isto de topo também é relativo, conservar é difícil e, às vezes, subir mais também. Não há espaço e o próprio país também tem tecto." Sentiu que a sua cabeça já estava a bater no tecto e partiu. Nessa época, em Portugal, nem sequer existia uma revista como a Vogue.

Organizou o seu portfólio e partiu para Paris sem nada marcado. Fez como os manequins fazem: foi bater à porta das agências (para cabeleireiros e maquilhadores). Acabou por nunca entrar em nenhuma, mas foi trabalhando pontualmente, ora para uma, ora para outra.

Numa das entrevistas que durou dois minutos e de onde saiu a pensar "o que é que eu vim cá fazer?" - porque olharam para o portfólio a correr -, ficou registado. Dois anos depois, telefonaram-lhe - já ele tinha regressado a Portugal - para o colocar em opção para uma série de desfiles onde iria trabalhar com Luigi Murenu, que foi o cabeleireiro da Madonna na tournée de 2001 e costuma trabalhar com Tim Burton. Pelas suas mãos já passaram os cabelos de Nicole Kidman, Gwyneth Paltrow, Britney Spears, Scarlett Johansson, Julianne Moore, Charlize Theron e Jennifer Lopez. Além dos desfiles dos costureiros, Luigi Murenu trabalha a imagem de muitas estrelas de cinema. É um hair guru.

A Booker foi logo avisando Miguel Viana que ia ser difícil, que o italiano era uma estrela e que por causa da sua personalidade não era muito fácil trabalhar com ele.

Miguel aventurou-se. Os três primeiros desfiles foram gratuitos, estava a ser posto à prova. "O meu primeiro desfile foi Valentino Homem. Eu era a única pessoa na equipa que estava ali de novo. Senti-me perdido e ao fim de 20 minutos pensei que não ia aguentar e que me ia embora. A tensão era muita." Acabou por ficar.

130km para cortar o cabelo

Miguel está há dois anos na equipa de Luigi Murenu e já fez os desfiles de Paris, Milão e Nova Iorque. "Ao fim de 25 anos de carreira, encontrar alguém que me ensina profissionalmente foi uma novidade muito interessante para mim. Fiquei surpreendido. Nunca imaginei que isso acontecesse com a intensidade que acontece. Sempre tentei fazer mais e diferente e passar dos meus limites, mas vi de repente que ainda é possível aprender. É tão gratificante, isso não tem preço."

Dentro da sua equipa de trabalho, Miguel Viana tem a família. Além da mãe, duas das irmãs trabalham com ele. "Se não fossem elas, não conseguia estar a fazer tantas coisas diferentes. Não conseguia seguir os meus sonhos se não tivesse estes alicerces da família. Sempre fomos muito unidos." A mãe confirma. "O Miguel não pára. É uma coisa que nasceu com ele: é criativo. Não olha a esforços, a tudo o que ele acha que é bom para o trabalho e para os cabelos. É consciencioso, humano e amigo."

"Se eu saio do salão, estou a perder dinheiro de alguma forma. Também estou a correr o risco de perder clientes porque não estou tantas vezes. Acho que estou a conseguir fazer o equilíbrio disso tudo."

Quando lhe perguntamos que sonhos são esses que ainda faltam, Miguel Viana fala de abrir um espaço em Lisboa no próximo ano. Mais tarde gostava de ter também uma escola, começar a dar formação.

No salão no Porto, Miguel Viana quase não tem tempo para almoçar. O corrupio de clientes é imparável. "Queria manter mais ao menos o comprimento. Acha mal?", pergunta-lhe Alexandra Araújo, que veio de Guimarães - 130 quilómetros a vir e ir, para cortar o cabelo. Miguel diz que não.

Dali a pouco, entre gargalhadas e boa disposição, já estão a conversar sobre os filhos e penteados à actriz de cinema. "Aqui quero lisinho, como a Demi Moore", diz ela antes de lançar um: "Está impecável!"

Para Alexandra Araújo, uma ida ao cabeleireiro de Miguel é melhor do que uma consulta de psicologia. Diz que para a auto-estima não há melhor. Quase a ir embora, com os seus lindos cabelos negros, atira: "Quem vem ao salão do Miguel Viana não muda. Mas não escreva isso porque depois elas vêm cá todas!" a

icoutinho@publico.pt No ecrã do computador, ali ao lado, vão aparecendo as imagens. Lindas. Poderosas. Todos querem ver, aproximam-se e rodeiam a mesa. Num dos saltos, o cabelo de Louise desmancha-se, Miguel Viana corre a apanhar os ganchos no chão. Refaz a trança. E recomeça tudo outra vez. É esta a vida com que sempre sonhou.

No princípio era o cheiroNão são só os postiços que são "la coiffure des stars". A marca da laca também é das "estrelas de cinema". Foi por causa deste cheiro, o da laca, que tudo começou. "Adorava ir buscar a minha mãe ao cabeleireiro com o meu pai", diz Miguel Viana, 41 anos, a comemorar 25 anos de profissão. "Entrar no salão e sentir aquele cheiro..." Nessa altura, a mãe de Miguel, Dona Luzia, ainda não trabalhava num cabeleireiro. Mais tarde, quando já estava num dos melhores e mais tradicionais cabeleireiros do Porto, o salão Jorge Lima e Amadeu Correia, trazia aquele cheiro sempre com ela. "Era muito confortável. Eu adorava estar no colo da minha mãe e sentir aquilo. Tudo começou pelo aroma."

Desde muito pequeno, Miguel cortava o cabelo às bonecas das irmãs, conta Dona Luzia, que faz parte da sua equipa no salão que abriu no dia 16 de Dezembro de 1995 na Foz Velha, no Porto, frente ao mar. "Mais velho, trazia para casa as colegas e mudava-lhes a cor dos cabelos, colocava-lhes uma rede e mandava-as ir dormir assim. Eu dava-lhe a semanada e ele gastava em revistas de moda."

Quando Miguel tinha 12, 13 anos, saía muito ao fim-de-semana com as irmãs e com amigos. Davam nas vistas. Essas saídas requeriam um longo processo de produção. Cada um puxava pelo outro e a mãe incentivava imenso os filhos. "O quarto ficava todo desmontado com tudo o que havia de diferente. Tentávamos criar roupas e usar o cabelo de uma forma diferente. Ficávamos horas naquilo, era difícil sair de casa, tudo levava um certo tempo."

Vestiam-se muito de preto e assim saíam para se divertirem na noite do Porto. "A nossa ima

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