A universidade que é uma ilha

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Para o professor Jassbi "quaisquer mudanças [no Irão] devem vir da cultura" enric vives-rubio

Foi duas vezes candidato à presidência e perdeu. Pelo caminho, Abdollah Jassbi ajudou a criar um país dentro do país, um local onde as opiniões são livres e todas as perguntas podem ser feitas. É o mundo da Universidade Azad e um dia pode ser verdade fora dos seus campus

Há um país chamado Irão e uma universidade chamada Azad, Universidade Islâmica Azad. No Irão, as manifestações contra a reeleição do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, que a oposição considerou fraudulenta, foram reprimidas. Dezenas morreram, milhares foram presos e pelo menos 100 reformistas continuam atrás das grades, nas contas da Reuters. Oitenta e um já foram condenados a penas de prisão, cinco à morte. Alguns estudantes foram suspensos das universidades, interrogados durante horas a fio, escreveu o New York Times. Mas isso é no Irão.

No país onde se completam 30 anos da Revolução Islâmica, 70 por cento da população tem menos de 30 anos. Hoje, três milhões destes jovens estão no ensino superior, metade deles na Universidade Islâmica Azad. Os protestos que se seguiram às eleições de Junho envolveram milhares, incluindo, por maioria de razão, muitos da Azad.

"Penso que todas estas demonstrações são um exercício de democracia. Não nos preocupa, estamos prontos a aceitar todas as visões diferentes. A única coisa que dizemos sempre aos alunos é que as regras, a lei, têm de ser respeitadas. Esta é a base de qualquer democracia ou comunidade", diz o professor Abdollah Jassbi, presidente da Azad.

Jassbi esteve esta semana em Lisboa, a convite de Jorge Sampaio, presidente do Fórum de Lisboa 2009 (do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa) e alto-representante da ONU para a Aliança das Civilizações. Teve tempo para uma entrevista, uma conversa no Centro Ismaelita em que alguns sorrisos contaram tanto como as respostas mais assertivas. Porque fora das paredes da Azad, em Teerão ou em Lisboa, não é ele o presidente. Jassbi quer falar da Azad, não de política, mas descreve os seus alunos como politizados. Nós ficamos à espera que da Azad saiam os próximos líderes do Irão.

Todos os livrosO que é que a Azad tem? Trezentos e cinquenta pólos, no Irão, mas também no Dubai, Líbano, Zanzibar e Oxford, onde desde 2004 funciona o primeiro campus europeu da universidade fundada em 1982 por Jassbi, pelo actual Supremo Líder, Ali Khamenei, e pelo ex-Presidente Akbar Hashemi Rafsandjani. Chama-se islâmica, como quase tudo o que nasceu depois da Revolução que instaurou a República Islâmica. Também se chama Azad, que quer dizer "livre". Jassbi insiste que é só um nome, mas lá vai dizendo que a Azad não tem "algumas limitações das universidades estatais".

"Não recebemos nada do Estado e há regras que vêm com esse dinheiro. A Azad não é governamental e não é lucrativa. Todo o dinheiro vem das pessoas, a maioria dos alunos, das propinas, uma parte de doações", explica.

Há muito para dizer sobre a Azad sem insistir no nome. Então, 350 pólos, 1,5 milhões de alunos, mais coisa menos coisa, uma agência de notícias, estudos sobre as mulheres, uma faculdade de estudos ambientais, uma disciplina de direitos humanos, laboratórios... Internet sem fios e acesso a qualquer livro, qualquer texto.

"Não reclamo que o que oferecemos seja infinito. Mas temos bibliotecas, jornais, livros estrangeiros... E acima de tudo, a biblioteca digital, que dá aos alunos e aos professores acesso a bibliotecas em outros países. Temos a maior biblioteca digital do mundo porque estamos ligados a todas as bases de dados importantes, temos Oxford, as universidades grandes. O acesso é gratuito para alunos e professores, que podem encomendar qualquer obra que não esteja disponível." Sim, a maior biblioteca digital do mundo, com milhões de livros e jornais à distância de um download.

Assim é a Azad.

Internet, redes sociais. Os protestos "verdes" (cor que ficou associada aos reformistas Mir-Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, derrotados nas presidenciais), os maiores desde 1979, só não foram silenciados por causa delas. Jornais europeus e norte-americanos proclamaram a "revolução Twitter".

Internet "todas as universidades têm, mas é para uso académico e de pesquisa". E as redes sociais? "Isso é o progresso da tecnologia, que pode ser usado para bons ou maus propósitos. O que nós estamos a fazer é tentar resolver os nossos problemas através deste tipo de tecnologia."

Se fizermos uma busca no Google sobre graffiti na Azad deparamo-nos com links para vídeos em sites associados aos protestos. Em alguns vêem-se frases em paredes algures no Irão: "Morte ao ditador", "Mahmoud assassino!" ou "Abaixo a Bassij" (Mobilização, a milícia do regime). Imaginamos que os alunos da Azad, que se manifestaram em Junho e já em Novembro, tenham gritado frases semelhantes. Amanhã pode voltar a haver gritos na rua: passam 11 anos do assassínio de um casal de dissidentes e a filha destes apelou a protestos. Os bassijis avisaram que confrontarão quaisquer novos "motins de rua".

Dentro e fora

Imaginamos que, se houver protestos, haverá neles estudantes da Azad. Perguntamos ao professor se os seus alunos vão continuar a manifestar-se. Diz-nos que a Azad tem tantos alunos... "Alguns estudantes, talvez não mais do 500, em três ou quatro pólos, têm críticas e têm-nas expressado. Não vamos intimidá-los. Tentamos ajudá-los a exprimir as suas críticas dentro da lei." Às vezes, pode ser difícil saber quais são os limites. Jassbi responde que "fora da universidade o problema é outro, mais político" e sobre esse ele não fala. Mas na Azad "não temos problemas".

Na Azad, "como em todas as universidades, os alunos podem ter as suas associações, as suas atitudes contra ou a favor de qualquer partido, e na altura das eleições podem apoiar um candidato ou outro". Dentro da universidade, fora é política.

Mas durante os julgamentos de opositores Jassbi foi acusado de "desviar" dinheiro da universidade para financiar os protestos. "Não, isso está errado. São alegações que algumas pessoas fizeram. Eu rejeitei-as. Eles não têm provas", responde.

Sobre a Azad têm sido feitas outras sugestões. Por exemplo, o ayatollah Mohammad-Taqi Mesbah Yazdi, conselheiro espiritual do Presidente, disse que "tem de ser novamente purificada". O professor Jassbi desmente: "Segundo sei, ele não disse nada sobre a Azad. Algumas pessoas disseram qualquer coisa, mas isso é normal. Há opiniões contra e a favor de todas as ideias."

E será importante saber se os alunos que entram na Azad acreditam em Deus ou no islão, como quer Yazdi? "Bem, há regras, para todas as pessoas em todas as universidades. Mas não é um problema. Todas as pessoas podem vir para a Azad, mesmo as que não tenham encontrado o islão e tenham outras religiões, judeus, cristãos..."

Jassbi admite que há hoje um conflito no Irão. Não entre dois lados, talvez entre três, quatro. "E estas partes têm visões diferentes. Discutem. Às vezes podem chegar a uma decisão, a um entendimento comum. Outras vezes não."

Jassbi acredita nos benefícios infinitos do diálogo. E é por isso que, "dentro da universidade, o diálogo é possível sobre tudo". "Vêm à universidade pessoas com diferentes opiniões e toda a gente pode perguntar-lhes o que entender. Isso é muito importante, a discussão existe e é totalmente livre. Porque geralmente, no público, as pessoas não seguem esse tipo de discussões. Mas na universidade sim."

Uma solução culturalPreferindo descrever o que acontece dentro da Azad, o professor recusa comentar as notícias que dão conta de um aumento do fosso entre o que é possível na sua universidade e fora dela, no Irão, onde os Repórteres Sem Fronteiras dizem estar a acontecer "o maior êxodo de jornalistas desde 1979".

Quanto ao tal conflito em que se defrontam várias partes, uma solução em harmonia com a Revolução só pode chegar pelo diálogo. "Os exercícios de democracia podem demorar décadas." Uma "solução cultural" será a que for alcançada "através da persuasão".

Solução cultural, revolução cultural. A Revolução Islâmica "foi cultural, quaisquer mudanças devem vir da cultura", insiste. Claro que isso pode ter significados diferentes para diferentes pessoas. Para o ayatollah Yazdi, por exemplo, pode querer dizer "purificar" a Azad. Para cineastas, músicos e escritores iranianos da actualidade quererá dizer transgredir, pôr em causa o regime.

Para o professor Jassbi significa insistir "no conhecimento, na expansão e no desenvolvimento das organizações do conhecimento". Foi isso que fez quando se candidatou à presidência. Na última vez, em 2001, contra Mohammad Khatami, escolheu como slogan "conhecimento é poder".

O professor que se formou em Gestão e que nos primeiros anos da Revolução foi conselheiro ministerial e primeiro-ministro adjunto, já tinha concorrido à presidência, contra Rafsandjani. Mas é na Azad que continua. "Se queremos mesmo mudar as pessoas, essa transformação virá da educação", assegura. Mais: "todos os problemas" do Irão se vão resolver através da educação superior e do acesso ao conhecimento.

E quanto tempo será preciso esperar para ver os frutos de levar a todos o ensino superior? "Os melhores tempos virão daqui a uns 20 anos. A minha visão para o Irão poderá estar completa nessa altura." Jassbi, de 65 anos, diz que o seu país será então "o melhor da região". Perguntamos como será possível confirmar se essa visão se concretizou e só conseguimos arrancar esta descrição: "Nessa altura, esperamos ter estabilidade económica e ser um país muito progressivo, em que a tecnologia e o conhecimento façam a diferença." Os protestos que se seguiram às eleições de Junho envolveram milhares de jovens, incluindo muitos estudantes da Azad. Jassbi recusa-se a comentar as razões que levaram às manifestações, mas descreve os seus alunos como politizados

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