Os pecados do pai de Juan Pablo Escobar

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Pablo Escobar a brincar com o filho Juan Pablo em Medellín REUTERS

É o encontro com ontem, um carregar na ferida para ver quanto dói. O filho do narcotraficante colombiano Pablo Escobar encontrou-se com os filhos de homens que o pai mandou matar. "Senti dez vezes mais medo do que quando vivia escoltado pelos homens do cartel de Medellín." O encontro foi filmado pelo realizador Nicolás Entel e o documentário estreia hoje no festival argentino de Mar del Plata. Chama-se "Pecados de Mi Padre" porque é disso que se trata: um filho a pedir desculpa em nome do pai.

Juan Pablo Escobar tinha 14 anos quando desafiou o pai pela primeira vez, ao perguntar se era verdade o que ouvia na televisão, se ele era responsável por aquelas mortes. Pablo Escobar passou então a chamar-lhe "o meu filho pacifista".

Aquele que foi um dos maiores narcotraficantes da história era o homem que, à noite, cantava ao filho as canções do simpático rato Topo Gigio, lia contos e mostrava as cores das flores. Ou usava o dinheiro do narcotráfico, muito dinheiro, para montar um jardim zoológico privado com mais de 3500 hectares e 200 espécies exóticas escolhidas da National Geographic. "Sentia que tinha o privilégio de viver na Disneylândia e desfrutei como uma criança de toda essa magia, que não sabia como tinha sido construída. Desfrutei com muita inocência", disse à Reuters Juan Pablo Escobar.

Era com este filho que Pablo Escobar estava ao telefone naquele dia 2 de Dezembro de 1993. Demorou tempo de mais, a polícia colombiana interceptou a chamada e conseguiu localizar aquele que era um dos homens mais procurados do mundo. Minutos depois, Pablo Escobar foi morto no telhado de uma vivenda em Medellín, deixando ao filho uma herança difícil de assumir. Seguiram-se anos de fuga na Argentina, em que Juan Pablo Escobar mudou de nome para Juan Sebastián Santos Marroquín. "Agora é esse o meu verdadeiro nome. Até a minha mulher me chama Sebastián."

Avancemos alguns anos até ao momento em que Sebastíán, agora um arquitecto de 32 anos, resolve deixar o quase anonimato naquela que terá sido uma das decisões mais difíceis da sua vida. O realizador argentino Nicolás Entel estava a tentar convencê-lo havia seis meses e tinha uma ideia: fazer um documentário em que pusesse o filho de Pablo Escobar a conversar com os filhos de dois homens que o chefe do cartel de Medellín mandara matar, os filhos do ex-candidato à Presidência da Colômbia Luís Carlos Galán, assassinado em 1989, e o filho do ex-ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla, assassinado em 1984.

Primeiro teve muitas dúvidas. "Como é que se escreve aos filhos das famílias que o nosso pai magoou tanto?" ou "como é que se começa esta conversa"? Mais tarde decidiu-se. Já tinha recusado cerca de 50 propostas para fazer um documentário sobre o pai, até que aceitou o convite de Nicolás Entel para um filme sobre o ponto de vista dos filhos.

Foi assim que nasceu "Pecados de Mi Padre", que hoje estreia no festival argentino mas que a 21 de Novembro será exibido no Festival de Amesterdão e depois chegará ao país que melhor saberá entendê-lo. Estreia na Colômbia a 10 de Dezembro. "Vai abrir um debate sobre a reconciliação, o perdão e o diálogo", diz Sebastián Marroquín.

A carta aos filhos de Galán e Lara acabou por ser escrita. "E o pedido de perdão que trago não é exclusivo para estas famílias, mas é para todas as famílias colombianas que sofreram com a violência causada pelo narcotráfico e concretamente com a violência causada pelo meu pai", disse à Reuters Sebastián Marroquín.

Os destinatários não esperavam tal correspondência. "Foi corajosa e apanhou-nos completamente de surpresa" adiantou ao Guardian Juan Galán, hoje senador na Colômbia. Um dos seus irmãos, que também esteve no encontro com Marroquín, admitiu que não foi fácil estar diante do filho do homem que mandou matar o seu pai, mas disse-lhe: "Somos todos vítimas do narcotráfico. E não temos nada a perdoar-lhe, porque você não é Pablo Escobar".

Libertar rancor

Depois de receber a carta, em 2008, o filho de Rodrigo Lara, que tem o mesmo nome, decidiu viajar até Buenos Aires para se encontrar com Sebastián Marroquín. Só alguns meses mais tarde os dois se encontraram com o filho de Galán, já na Colômbia. E é Claudio Galán quem hoje diz que esse encontro foi importante. "Ajudou-nos a libertar sentimentos de rancor, em grande parte devido à atitude de Sebástian de reconhecer a responsabilidade do seu pai no assassínio do meu."

Sebastián Marroquín tinha deixado a Colômbia em 1994 e prometera nunca mais voltar. Para trás ficava a "Disneylândia" e muitos maus momentos, como aquele em que esteve escondido numa casa em Medellín com dois milhões de dólares em notas mas sem nada para comer. Ou o dia, a seguir ao assassínio de Lara, em que acabou por acordar no Panamá e passou a visitar o pai de olhos vendados, para não reconhecer o local onde estava escondido. Ou ainda a última lembrança da Colômbia e do pai: estar sentado em cima de um carro blindado, durante o funeral.

A promessa de não voltar à Colômbia foi quebrada por causa de "Pecados de Mi Padre", mas não sem muita insistência de Nicolás Entel. Para trás ficavam cinco anos de trabalho, muita persuasão, cerca de 100 viagens. Mas mesmo depois disso o realizador deixa o mérito do documentário para os protagonistas. "A responsabilidade por este encontro não é minha, é deles." Confessa já que, na altura, achou que aquela ideia era "uma loucura".

O documentário também pretende ser "um retrato íntimo" do chefe do cartel de Medellín, um resumo da vida de Pablo Escobar "que é muito diferente de outros documentários sobre ele". Também não foi a primeira vez que Entel se dedicou à questão do narcotráfico, porque antes já tinha feito um documentário com o filho de um narcotraficante do Equador - o mais perto que conseguiu chegar do que realmente queria fazer na Colômbia.

Hoje Sebastián Marroquín recorda os dias em que confrontava o pai com as notícias da televisão e era chamado "filho pacifista". Mas assume que não havia muita coisa que pudesse fazer. "Ninguém podia parar o meu pai", disse ao Guardian. "Nem toda a Colômbia, juntamente com a ajuda da CIA. O que é que o filho de Pablo Escobar podia fazer?"

Com o fornecimento de cocaína aos Estados Unidos, Pablo Escobar fez uma fortuna de milhões e milhões de dólares, mas para que nada se intrometesse nesse caminho ordenou o assassínio de centenas de pessoas. Segundo a revista Forbes, a fortuna do chefe do narcotráfico na Colômbia chegou a atingir os 3000 milhões de dólares, mas o dinheiro do cartel de Escobar "está agora nas mãos do Estado colombiano, todas as propriedades estão confiscadas", diz o filho.

Em Novembro de 1999 a vida de Sebastián Marroquín, da sua mulher e da mãe sofreu uma reviravolta. Viviam na Argentina e foram acusados de lavagem de dinheiro e falsificação de documentos. Esteve preso 45 dias, e a mãe 18 meses. "Metade da nossa vida na Argentina foi passada a responder onde está o dinheiro", recorda.

A Colômbia poderá receber "Pecados de Mi Padre" de muitas formas, mas nunca com indiferença. "Como membros da família Escobar, temos de aceitar a responsabilidade pelo que aconteceu e pedir perdão por tudo o que a Colômbia sofreu com os crimes do meu pai", disse Marroquín à Reuters.

Quase 16 anos após a morte do mais famoso barão da droga, a Colômbia continua a ser o maior fornecedor de cocaína do mundo. "Houve uma altura em que preservar a minha vida deixou de ser mais importante do que combater algo maior", explica Marroquín. "Posso até ser um sonhador, mas fiz isto com essa convicção." E com um objectivo: "Quis fazer algo positivo para ajudar a sociedade colombiana. Quis mostrar os erros de estar envolvido no tráfico de drogas."

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