O moral é elevado na Marinha à partida para nova missão de combate à pirataria na Somália
Fragata Álvares Cabral inicia hoje nova missão no Golfo de Áden como navio-almirante da força da NATO. Lei ainda não permite deter piratas
A larga maioria nunca passou o Natal tão longe de casa, mas à mesa dos 210 tripulantes da fragata Álvares Cabral não faltará bacalhau e bolo-rei na noite da Consoada, passada no Golfo de Áden, entre o Iémen (a norte) e a Somália (a sul). "Essa parte da missão não vai falhar", garante o comandante Santos Fernandes, porta-voz do comando da força Standing NATO Maritime Group 1 (SNMG1).
A missão é o combate à pirataria nos mares a norte da Somália, que no último ano teima em não sair das notícias devido ao número de navios apresados e tripulações feitas reféns - neste momento estão sequestrados dez navios e mais de 200 pessoas de cerca de 30 nacionalidades na posse dos piratas.
Depois do sucesso que foi a missão da fragata Corte-Real, que em Maio conseguiu capturar meia dúzia de piratas e apreender duas embarcações, esta é a última em que um navio português assume a posição de navio-almirante da força da NATO. É na Álvares Cabral que está o contra-almirante José Pereira da Cunha, que a partir de hoje e até Janeiro exerce o posto de comandante da SNMG1, um dos grupos navais de reacção da NATO para cenários de crise. Sob as suas ordens está uma fragata e um destroyer norte-americanos e uma fragata italiana - dentro de 15 dias junta-se-lhes uma fragata canadiana. A passagem do comando para a Dinamarca será feito a 25 de Janeiro e a Álvares Cabral regressa depois a Lisboa.
Até lá há três meses de intenso patrulhamento das águas do golfo, por onde passa uma larga fatia do comércio mundial. A missão da NATO mudou o nome de operação Allied Protector para Ocean Shield, assim como o conceito. "A primeira, em que participou a Corte-Real, era quase exclusivamente baseada no combate à pirataria. Esta é mais abrangente e ambiciosa: é de combate, mas pretende-se também envolver a comunidade marítima de países da região, que podem ter vontade de agir mas não têm capacidade", descreve o porta-voz da SNMG1.
Mas o problema de fundo no combate à pirataria mantém-se: é que, embora possa capturar os piratas, a NATO tem de libertá-los a seguir por não poder julgá-los. "O conceito e tipificação do crime de pirataria desapareceram do direito interno português. Apesar de estar tipificado no direito internacional marítimo e legitimado pelo Conselho de Segurança da ONU, não nos é possível deter e levar estas pessoas a julgamento", afirma o comandante. A revisão do Código Penal português nesta questão é, por isso, urgente - e daria maior significado à presença de forças nacionais em missões deste género.
Auto-estradas e monçõesO moral da tripulação portuguesa é, ainda assim, elevado: pensavam que iam para Áden em Fevereiro e foram substituídos pela Corte-Real. "É uma missão aliciante. Treinamos durante a maior parte do nosso tempo para isto", diz o comandante.E a verdade é que a presença coordenada de forças internacionais reduziu drasticamente os casos de pirataria no Golfo de Áden. Se dantes cada navio comercial fazia o seu percurso, agora há um corredor recomendado, "uma auto-estrada marítima, por onde os navios devem passar". Os esforços são "mais localizados e tornam as viagens mais seguras", conta o comandante Santos Fernandes, segundo o qual todas as forças estão em permanente contacto.
O comando da NATO não deverá ter uma missão muito complicada, porque esta é a época das monções: a de sudoeste está quase a passar e em Dezembro os piratas devem estar mais activos, mas logo em Janeiro começa a monção de nordeste. A situação mais complicada continua a ser a dos reféns, mas aqui as negociações - e os resgates, que chegam a 1,3 milhões de euros por navio - não passam pela NATO, sendo tratadas a nível nacional.