Olha os robôs

Há dois anos, Bruce Willis regressou à personagem de John McClane, o polícia nova-iorquino com o condão de estar no sítio certo na hora errada, para um quarto episódio da saga "Die Hard" que colocava a tecnologia no centro das atenções, com o terrorista de serviço a desactivar a infraestrutura electrónica dos EUA. O filme de Len Wiseman trazia um cheirinho anos 1970 no modo como construia uma história paralela de "thriller" paranóico à volta dessa sensação (tão americana pós-11/9) de um tapete tirado inesperadamente debaixo dos pés.

Agora, "Os Substitutos" coloca outra vez Willis no centro de uma história cujos ecos de ficção científica são assustadoramente próximos dos nossos dias e que volta a colocar as infraestruturas electrónicas (e, neste caso, a imersão em realidades virtuais) no centro do debate, de novo usando os anos 1970 como ponto de referência. A palavra certa para descrever o filme de Jonathan Mostow (autor do terceiro "Exterminador Implacável") é "derivativo", cruzando elementos do seminal "O Mundo do Oeste" de Michael Crichton e de outras ficções apocalípticas dos anos 1970 como "À Beira do Fim", de Richard Fleischer, as "Stepford Wives" originais de Bryan Forbes ou "Fuga no Século XXIII", de Michael Anderson, com as preocupações mais recentes do "Blade Runner" de Ridley Scott ou do "Eu, Robot" de Alex Proyas.

Num presente futurista alternativo, o mundo reduziu-se a um enorme parque virtual percorrido pelos "substitutos", andróides controlados via computador por uma humanidade que vive agora fechada em casa, vivendo por procuração através destes avatares cibernéticos personalizados e praticamente invulneráveis. Um mundo perfeito onde o crime foi eliminado, toda a gente é bela e elegante, e apenas escassas bolsas de humanos se recusam a viver na rede, liderados por um profeta místico e remetidos para "reservas" onde as máquinas não são autorizadas. Até ao momento em que surge uma arma que permite, em simultâneo, destruir os substitutos e matar os seus "operadores" ao mesmo tempo, e um agente do FBI se vê obrigado a sair, literalmente, à rua para desvendar o crime que pode fazer ruir este mundo perfeito.

"Derivativo" é coisa que "Os Substitutos" é claramente, até na sua estrutura narrativa codificada e previsível, no anonimato funcional com que é filmado e montado. Mas é, ao mesmo tempo, um objecto despretensioso e eficaz, que não tem ambições de fazer o depoimento definitivo sobre os riscos da tecnologia e prefere usar esse discurso como pano de fundo e subtexto de um policial futurista que não perde tempo com rodriguinhos, vai direito ao assunto e não toma os espectadores por broncos. Isso vê-se no modo como Mostow vai deixando discretamente pormenores que nunca distraem da narrativa central mas são outras tantas pistas para o "lado negro" deste mundo muito menos perfeito do que parece, na inteligência com que o filme se compraz no seu estatuto de série B despachada conceptual mas, depois, deixa a pairar questões sobre a dependência (emocional e profissional) cada vez maior do computador e dos avatares cibernéticos, sempre sem perder de vista que estamos num entretenimento. Willis é imbatível neste tipo de papéis (de "gajo porreiro e profissional que não gosta que o tomem por parvo e não tem problemas em ir às trombas quando convém") e, embora o seu Tom Greer não lhe peça mais do que isso, o actor injecta subrepticiamente um cansaço existencial que torna a personagem muito menos arquetípica do que parece e permite ao espectador fazer a ligação emocional com esta história que o falecido Michael Crichton não teria desdenhado assinar.

E assim uma fitazinha destinada ao estatuto de "blockbuster" de massas se revela um objecto muito mais inteligente e intrigante do que a primeira impressão daria a entender e diz muito mais sobre o mundo em que vivemos do que pensaríamos. Fossem as grandes produções de Hollywood todas assim e as coisas não andariam tão más por aqueles lados (e será por acaso que "Os Substitutos" foi um fracasso de bilheteira nos EUA?).

Trailer
Sugerir correcção
Comentar