Das trilobites às chaminés submarinas noMuseu Geológico
O Museu Geológico de Portugal, em Lisboa, inaugura hoje às 17h uma exposição com 27 maravilhas das suas colecções. Porquê 27? "Fui seleccionado peças e 27 é um número tão bom como outro qualquer", responde o director do museu, o geólogo Miguel Magalhães Ramalho. Até 30 de Abril, quem passear pelas salas repletas de exemplares recolhidos por gerações de investigadores e técnicos, ao longo de mais de 150 anos, encontrará as peças expostas no sítio do costume, mas com uma placa numerada. "O objectivo é que as pessoas vejam com mais atenção o que está no museu", diz Magalhães Ramalho, sublinhando que estas maravilhas são só as primeiras 27. O P2 escolheu dez.Por Teresa Firmino (texto) e Enric Vives-Rubio (fotos)
Chaminé do Lucky Strike
Este fragmento de uma chaminé hidrotermal, por onde saem fluidos quentes do fundo do mar, juntamente com sais e metais, foi apanhado a 1716 metros de profundidade. Veio do campo hidrotermal Lucky Strike (descoberto em 1992, o primeiro dos Açores), a 180 milhas a sudoeste do Faial, recolhido numa missão do Instituto Geológico e Mineiro em 2000, a bordo de um navio russo que alugou. Um colhedor de amostras, lançado do navio, foi até lá abaixo e arrancou este bocado do fundo do mar. Estas chaminés hidrotermais estão ligadas à Dorsal Médio-Atlântica, onde as placas tectónicas se afastam e nasce crosta terrestre nova. Foi este tipo de processo que, por exemplo, originou as mineralizações de sulfuretos de cobre, chumbo ou zinco da Faixa Piritosa do Alentejo (Aljustrel, Neves Corvo ou S. Domingos) há mais de 300 milhões de anos.Duas trilobites numa laje
Na mesma placa de xisto podem ver-se dois exemplares adultos de uma trilobite, o que é único no mundo. É a espécieHungioides bohemicus que se encontra nesta laje oriunda da famosa jazida de Canelas, aldeia do concelho de Arouca. As trilobites de Canelas, com 465 milhões de anos, são conhecidas em todo o mundo devido às suas condições de preservação e gigantismo. A forma destes animais marinhos está perfeitamente definida na placa.
"Há aqui outras coisinhas: tem um feto, umas conchas...", aponta Miguel Ramalho, director do Museu Geológico. Há 250 milhões de anos, as trilobites, divididas transversalmente por três lobos, desapareceram no planeta, ao não resistirem à junção de todas as massas continentais na Pangeia e aos fenómenos vulcânicos e sísmicos que tal originou.Um mamífero primitivo
A antiga mina da Guimarota, perto de Leiria, está no roteiro mundial da paleontologia, com a descoberta de fósseis de mamíferos primitivos. Do período Jurássico Superior, têm 150 milhões de anos. São muito pequenos, como eram então os nossos antepassados mamíferos. Recolhido na Guimarota, o exemplar exposto, oHenkelotherium guimarotae, foi o primeiro esqueleto descoberto a nível mundial de um mamífero do Jurássico. Foi em 1976, resultando da investigação de uma equipa da Universidade Livre de Berlim, que estudou, entre os anos 60 e 80, o vasto espólio da mina. Este é também o único esqueleto quase completo de umHenkelotherium guimarotae, que permitiu descrever este mamífero. Era de um grupo que está entre os antepassados dos mamíferos actuais. Vivia nos ramos das árvores e comia insectos.Um metro e 60 de fémur
Perto de uma janela, o fémur de um dinossauro mete respeito a qualquer ser humano. Com os seus 1,6 metros de comprimento, deixa antever o tamanho do animal a que pertencia: um dinossauro vegetariano com mais de 20 metros, da cabeça à cauda. Vivia em manadas há 150 milhões de anos, na região de Alenquer e da Lourinhã. Parte dos seus ossos, além do fémur, está no museu. Este é só um dos vários ossos de dinossauros nas suas colecções. A história deste dinossauro remete para um nome de referência da geologia e paleontologia portuguesas: o russo Georges Zbyszewski, que chegou ao país em 1935. Ele e o abade francês Albert Lapparent escreveramOs Dinossauros de Portugal e classificaram então o dinossauro em causa
como Apatosaurus alenquerensis, que agora é oLourinhasaurus alenquerensis.Meteorito caído em 1950
Esta rocha caiu do céu a 30 de Agosto de 1950, nas imediações na Aldeia dos Ruins, no Monte dos Fortes, perto de Ferreira do Alentejo. Não é que seja o único meteorito em Portugal (nada disso), mas no Museu Geológico só existem duas destas rochas, sublinha Miguel Ramalho. A sua idade está calculada em 4000 milhões de anos, quando o sistema solar estava em formação e que, por isso, contém pistas desses tempos. Pode ver-se como a superfície do calhau cósmico ficou calcinada pela entrada na atmosfera: está escura, enquanto por dentro é mais clara. Parece até cimento. "Cimento do Universo", acrescenta Miguel Ramalho sobre estas rochas, precisamente por serem os restos da formação do sistema solar. Ou, há ainda quem diga, uma fatia de bolo com cobertura de chocolate.O cão de Muge
O esqueleto do mais antigo cão doméstico completo encontrado em Portugal viveu há cerca de seis mil anos. Foi descoberto nas célebres jazidas dos Concheiros de Muge, na zona de Salvaterra de Magos: ali se estabeleceram sazonalmente várias comunidades de caçadores-recolectores, que faziam da apanha de moluscos no Tejo uma das principais actividades.
Estas jazidas são uma das mais importantes do período Mesolítico europeu (6300 a 5200 a.C.). Pela forma como foi enterrado, pensa-se que o cão de Muge deverá ter sido estimado pela família com que vivia e agora os seus ossinhos encontram-se atrás do vidro de uma vitrina.As primeiras flores
As primeiras plantas com flores da Terra tiveram um aparecimento relativamente tardio na história do planeta - há 130 milhões de anos -, tal como conta a descoberta dos seus pólenes. E uma das mais antigas jazidas do mundo com restos de plantas com flores encontra-se em Portugal, perto do Cercal (Torres Vedras). Têm 120 milhões de anos. Eram plantas de pequeno porte, que viviam junto a rios e lagos. Se olharmos com atenção para os exemplares expostos no museu, encontramos o fruto de uma sequóia ou várias pinhas. O geólogo Carlos Teixeira voltou às primeiras flores de Portugal em 1948 (foram estudas por um francês em 1894), dizendo que não havia então livro de paleobotânica que não as mencionasse.Amonites de Condúcia
Deparamo-nos com elas no meio de um corredor do museu: três exemplares de amonites, que viveram há cerca de 100 milhões de anos nos antigos mares do território oriental africano. Os fósseis destes moluscos cefalópodes, extintos há 65 milhões de anos, tal como os dinossauros, foram encontrados em Condúcia, no Norte de Moçambique. Têm uma dimensão excepcional (os exemplares expostos atingiram 40 centímetros de diâmetro, mas o museu tem fragmentos de amonites de Condúcia que em vida teriam tido um metro) e um excelente estado de conservação. Em 1900, foram enviados para Portugal, para serem estudados na Comissão Geológica. A investigação coube ao geólogo Paul Choffat, outro dos nomes da geologia de Portugal, que em 1903 identificou duas novas espécies para a ciência. São estas espécies com que nos cruzamos no museu.De floresta a carvão
Há mais de 300 milhões de anos (no período Carbónico), a zona sul do território que agora é Portugal estava debaixo do mar. Mas o Norte estava descoberto e as zonas pantanosas desenvolveram-se aí. A vegetação era luxuriante e muitas plantas acabaram por fossilizar, chegando aos dias de hoje vislumbres das espécies daqueles tempos.
Os vegetais do Carbónico depositaram-se nesses pântanos e alteraram-se ao longo dos tempos, dando origem a níveis de carvão. A evolução desse carvão, em função da temperatura e do facto de estar a grande profundidade no interior da Terra, veio a dar origem às jazidas de hulha e de antracite (dois tipos de carvão) de São Pedro da Cova e Pejão, perto do Porto. "Flor" com sabor a vinho
Parece um cravo, espalmado na laje de xisto. Mas está longe de ser uma planta: é um invertebrado marinho, do grupo dos crinóides, cujos representantes actuais são os lírios-do-mar. A sua história é curiosa: foi recolhido a 11 de Outubro de 1905 pelo geólogo Nery Delgado, um dos pioneiros da geologia portuguesa, numa pedreira perto de Valongo. Esteve muito tempo por estudar, porque a placa onde ficou preservado estava por abrir. Até que os paleontólogos Artur Sá (Universidade de Trás-os-Montes) e Juan Gutierrez-Marco (Conselho Superior de Investigações Científicas de Espanha) reencontraram esta preciosidade. Em 2006, a descoberta foi publicada: este lírio-do-mar é de uma família, género e espécie novos para a ciência. Viveu há 470 milhões de anos. Chama-seDelgadocrinus oportovinum, uma homenagem a Nery Delgado e ao vinho do Porto, pois parece um cálice.