Lídia Franco

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Lídia Franco, actriz, 65 anos dr

Houve alturas na minha vida em que tinha a impressão de que sabia muito sobre os homens, agora acho que não sei nada. Há pessoas e pessoas. Há homens-pessoas e há homens... não digo bichos porque não é bem isso, mas...

O machismo está longe de terminar mas foi também feito pelas próprias mulheres, na medida em que são elas que educam os rapazes. O menino só brinca com automóveis, para não vir a ser homossexual, um disparate desses. Como a história de "ajudar" nos trabalhos da casa, aquele termo completamente errado que nunca percebi. O homem tem de ajudar quem? A ele próprio? Em casa não é o homem que ajuda nem a mulher que ajuda, são os dois que fazem as coisas da casa, assim como dois adultos trabalham fora de casa.

Antigamente, era quase impossível um rapaz com vocação fazerballetporque seria logo conotado como homossexual, era quase proibido. No meu tempo, até para as raparigas era difícil, sofri horrores para me deixarem ir para oballet, era conotado com não sei o quê.

Há uma falha em Portugal de actores-homens da minha idade. Já me tem acontecido muitas vezes ou as personagens mudarem de idade, ou a história mudar um bocado, ou eu ser parceira de um homem mais novo ou mais velho. Uma das razões é porque corresponde ao período da guerra colonial em África. Muitos rapazes saíram do país, muitos morreram.

No teatro continua a haver mais homens do que mulheres, sobretudo mais criadores. E daí que a estética, a criatividade teatral em Portugal esteja sobretudo na mão dos homens.

O teatro passa pelo corpo do actor, a base do actor é o corpo. Na dança é mais fácil verificar logo se o coreógrafo é homem ou mulher. Porque os corpos são diferentes e expressam-se de maneira diferente, embora possam ter a mesma sensibilidade.

Ai, o que me atrai num homem... O meu ideal quando era miúda era vir a casar com o Gregory Peck. Mas, pronto, depois desisti. Ele era parecido com a imagem do meu pai, que era muito bonito. Depois ultrapassei isso, fui para o outro extremo e passei a ser atraída por homens mais velhos e feios, com um ar esquisito e retorcido. Eu não pensava nisso, mas era um facto. Mais tarde é que fui atraída por homens mais novos.

Acho que é capaz de ser verdade essa coisa da pele, ou química, ou energia, não sei explicar. Sentimos atracção ou não sentimos, tal como temos empatia ou não com qualquer pessoa. Cada vez mais o que me interessa é a inteligência, consequentemente o sentido de humor, a alegria de viver. Há pessoas fantásticas mas que não têm esse ímpeto de viver que é uma das melhores coisas com que a pessoa pode nascer. Ou se nasce com isso ou não e eu nasci um bocado com isso. Sou uma pessoa um bocado influenciável, o que é bom como actriz. Se estou num meio alegre, posso ficar alegre, se estou num meio deprimido sou capaz de ficar deprimidíssima, e com os homens é a mesma coisa, porque o amor é uma troca.

Há muito tempo que não me apaixono, estou casada há 20 anos. Numa altura da minha vida, confundi paixão com amor. Paixão não é amor, sem dúvida nenhuma. Senti-me atraída por homens com quem trabalhava, encenadores ou actores, ficava fascinada com a arte deles, e confundia isso com paixão. Alguns deles eram homossexuais, nunca vieram a saber, não estava para os chatear, mas lá que me apaixonei, apaixonei.

O amor não tem nada a ver, é outra coisa, vai mudando conforme as etapas da vida, mas é para sempre. O amor trouxe-me paz. Não foi logo nos primeiros anos, mas encontrei uma paz interior.

Tenho um filho, agora gostava de ser avó. A educação não é o que se diz, é o exemplo que se dá. As crianças, saudavelmente, fazem o contrário do que a gente diz, mas fazem aquilo que a gente faz. Tentei dar ao meu filho a única coisa que é necessário dar a um filho - amor. Quando ele era pequenino eu era pobrezinha e portanto ele teve escassez de coisas materiais.

Encontro nele um traço meu, o sentido de que é preciso esforçarmo-nos através do trabalho para aprender, para fazer coisas. Tive o cuidado de nunca o forçar, mas ele via o meu exemplo.

Na primeira vez que ele foi acampar sozinho com uma coleguinha, com uns 16 anos, eu não sabia como havia de dizer-lhe... já tinha tentado contar a história da abelhinha que ele ouviu toda e depois mandou-me bugiar por eu lhe contar histórias daquelas em vez de dizer o que queria dizer. Vivia sozinha com ele. Acabei por lhe falar numa coisa que se chama preservativos. "Ó mãe, deixa lá que a gente sabe."

Sou muito parecida com o meu pai e houve uma altura em que, como muitas meninas, embirrava com a minha mãe, havia aqueles ciúmes em relação a ele. Mas cada vez mais dou por mim a fazer os gestos dela, olho para o espelho e vejo-a. Se ela ainda cá estivesse, seria mais fácil compreendê-la e dizer uma data de coisas que já não tive tempo de dizer. E tenho muita falta do colo do meu pai. a

A partir de uma conversa com a actriz

anadias@netcabo.pt

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