"Uma mulher do século XXI e um homem do século XIX"

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A actriz Anna Mouglalis, uma das actuais "embaixatrizes" da marca, é Chanel

O realizador Jan Kounen veio a Portugal apresentarCoco Chanel & Igor Stravinsky, sobre o affaire entre a estilista e o compositor nos anos 1920

A mística que rodeia Coco Chanel, a lendária estilista parisiense, parece ter-se tornado na loucura do momento para o cinema francês.Coco avant Chanel, onde Audrey Tautou interpretava uma Chanel em princípio de carreira sob a direcção de Anne Fontaine, mal acaba de sair de cartaz entre nós que já se anunciaCoco Chanel & Igor Stravinsky, que se centra no seu misteriosoaffaire com o compositor russo (interpretado pelo actor dinamarquês Mads Mikkelsen) no início dos anos 1920, coincidindo com o período em que a estilista (a actriz Anna Mouglalis, uma das actuais "embaixatrizes" da marca) criou o célebre perfume Chanel nº 5.

Os dois projectos não têm nada a ver um com o outro, segundo explicou ao P2 o realizador Jan Kounen, em Lisboa para apresentar o seu filme na Festa do Cinema Francês - masCoco Chanel & Igor Stravinsky, que teve estreia mundial no encerramento oficial do festival de Cannes 2009 (e deverá chegar às salas portuguesas em Dezembro), não existiria semCoco avant Chanel. "O projecto estava nas mãos da produtora Claudie Ossard [produtora deA Diva e os GangsterseDelicatessen] há muito tempo, mas sem o filme da Anne Fontaine não o teríamos feito! Tinha-me comprometido a ter o filme pronto a tempo de Cannes, e isso obrigou-me a trabalhar o dobro em metade do tempo. Era fazê-lo assim ou não o fazer - e começámos a rodar precisamente quando a crise financeira caiu. Dois meses mais tarde e não conseguiríamos ter posto o filme de pé."

Os dois projectos são muito diferentes um do outro, embora pareçam "passar o testemunho" em termos narrativos. "No filme da Anne temos a história de Coco até à morte de Boy Capel [o seu amante inglês], e nós começamos logo a seguir a isso", explica Kounen. "Cronologicamente, de facto, fiz uma espécie de segunda parte, e quem sabe se alguém poderá vir a pegar no resto da história para fazer um terceiro filme! Até podíamos editá-los em DVD juntos, não teria problema nenhum!"

Onde Coco avant Chanelse baseava numa biografia da estilista,Coco & Igoradapta um romance do escritor inglês Chris Greenhalgh que ficciona oaffaireentre Chanel e Stravinsky a partir dos poucos pormenores reais que se conhecem sobre a sua ligação. E Kounen, 41 anos, holandês radicado em França, é uma escolha pouco evidente para dirigir esta história. Proveniente da publicidade, revelado pelo policial ultraviolentoDobermann(1997) e marcado pelo fracasso da sua adaptação ao cinema da BD de GiraudAs Aventuras de Blueberry (2004), Kounen é um cineasta formalista, sobre o qual não há unanimidade, autor de documentários sobre os misticismos orientais, que assume o lado de "encomenda" deste projecto. "Achei bastante corajoso proporem-me este guião a mim. É um universo muito diferente dos meus outros filmes, e foi também por isso que aceitei o desafio. Vou muito atrás daquilo que nunca vi antes, e aqui estava num território desconhecido para mim, um certo cinema clássico, à altura das personagens."

Iniciado com uma reconstituição meticulosa da infame estreia do balletdaSagração da Primaveracomposto por Stravinsky e coreografado por Nijinsky em 1913 - "A cena mais difícil e mais complicada que já filmei" segundo Kounen -, a que Chanel assistiu,Coco & Igor segue para o período, em 1920-1921, em que a estilista foi mecenas do compositor e se envolveu com ele. Para o realizador, "Chanel era grosso modo uma mulher do século XXI projectada nos anos 1920, à frente do seu tempo, mas Stravinsky, sendo um criador tão à frente do seu tempo como ela, estava ainda muito agarrado à mentalidade do século XIX. Penso que ele encontrou nesta relação a paixão de que falava na sua música, como se essa dimensão passional fosse a encarnação das emoções da música, e que ela absorveu alguma dessa energia carnal da música dele. E, ao mesmo tempo, há algo de mítico na história - o artista brilhante, inspirado, perseguido pela pobreza e pelas dificuldades, e uma mulher que o quer conquistar porque reage a essa inspiração, sente qualquer coisa nele... É uma relação muito impalpável, sensorial, difícil de pôr em palavras - é mais fácil senti-la. E foi isso que tentei fazer - levar o espectador a senti-la."

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