Mulheres reaisvsmodelos ideais
O que separa um tamanho 34 de um 38/40? A revistaBrigittevai deixar de ter modelos e recorrer a mulheres comuns. A longa série do debate do peso tem mais um episódio
O corpo da mulher. É disto que falamos. Balzaquianas ou mulheres magríssimas, Kate Moss ou Sophie Dahl, Beyoncé ou Flor, Sophia Loren ou Twiggy. A discussão sobre a influência da moda sobre as jovens mentes femininas (e as masculinas que idealizam sobre as jovens donas dessas mentes) não sai de moda. Desta vez, a culpa é da revista feminina alemãBrigitte,que, num passe de marketing ounum ataque de responsabilidade social, decidiu que a partir de 2010 não vai mais trabalhar com modelos de corpos irreais. E passa a preferir mulheres "reais", conhecidas ou leitoras.
"Há anos que temos de usar o Photoshop para engordar as raparigas, especialmente nas coxas e decote. Isto é perturbador e perverso - e o que é que tem a ver com as nossas verdadeiras leitoras?", questiona o director da revista, Andreas Lebert.
As leitoras queixam-se dos corpos que vêem na revista. Elas já "não querem ver ossos protuberantes" de modelos que "pesam à volta de 23 por cento menos do que as mulheres normais", sublinha Lebert, dizendo que procura agora "mulheres com a sua própria identidade", pagas como as manequins.
Estes são os factos, revelados na semana passada. Entretanto, as reacções surgiram e o mundo continuou a girar. A decisão originou um chorrilho de comentários elogiosos no sitedaBrigitte e noutros jornais, espelho de uma aceitação genérica pelo senso comum: clap, clap, clap, acabe-se com as modelos 32/34, com aqueles ossos salientes e pernas de alfinete. Na altura decorria a semana de moda de Paris, iniciava-se a ModaLisboa e as marcas trabalhavam as suas campanhas publicitárias.
Em Paris, as manequins continuaram com "caras Prada" - muitas modelos vindas do Leste da Europa, cabelos escorridos e olhos inocentes, Bambis à espera do seu close-up. Também okaiserKarl Lagerfeld, que há alguns anos saiu de uma dieta com menos 40 quilos, continuou fiel a si mesmo. Atirou, em reacção ao anúncio daBrigitte, que esta coisa das críticas às modelos magras é fruto de "mães gordas que estão sentadas em frente à televisão com os seus pacotes de batata frita" e que a moda é ilusão e sonho - "ninguém quer ver mulheres redondas", postulou.
Dias depois, na ModaLisboa acontecia o desfile de fatos de banho da Cia. Marítima, que escolheu a top modelIsabeli Fontana para estrela dapasserelle. Fontana, de 26 anos, abriu e fechou o desfile. No meio, uma outra modelo desfilou e tinha mais carne na zona da cintura, destoando das restantes manequins. Antes do desfile, o P2 perguntou a Isabeli Fontana sobre o que acha desta tendência das mulheres "reais"versusmanequins. "O mais importante é sentirmo-nos à vontade com a roupa que usamos", comentou, contida, do alto do seu 11º lugar na lista das 15 modelos mais bem pagas do mundo da revistaForbes (2008). Mas a modelo que vale três milhões de dólares acha "lindo uma mulher que faz exercício, que se cuida". "Não precisa de ter corpo de modelo, muito magra. Eu às vezes sinto-me mal por ser muito magra, mas como trabalho com o meu corpo já me acostumei. Eu, se não trabalhasse na moda, seria mais cheiinha, mais musculosa", ri-se.
Numa passerelleou numa campanha publicitária, o corpo feminino é escrutinadíssimo e tem tal influência cultural que ajuda a definir os ideais de beleza de uma dada época. Segunda-feira, ocorria mais um episódio desta longa análise do ideal de corpo feminino XXI: a Ralph Lauren, depois de muito estrebuchar contra ossites que denunciaram a maldade com o Photoshop, lá admitiu que tinha manipulado digitalmente a cintura da modelo Filippa Hamilton de tal forma que ela ficou mais pequena do que a sua cabeça e mais surreal do que um efeito espartilho do século XVI. O resultado foi "uma imagem distorcida do corpo da mulher", admitiu a empresa americana.
Oglamour de MillerUm mês antes, nos EUA, a revistaGlamourpublicou uma foto de Lizzie Miller, manequim de 20 anos, sem lhe retocar a carne da cintura - que, como a da maioria dos mortais, se dobra e pende sobre o ventre. Ela (e a revista) tornou-se uma espécie de super-heroína das tais mulheres ou medidas "reais". É ainda preciso voltar ao Verão para recordar a carta da editora daVoguebritânica, Alexandra Shulman, que pedia às principais casas de moda do mundo que ajudassem a pôr fim ao culto do "tamanho zero" através do fabrico de peças 36 ao invés dos 34 ou 32. O "tamanho zero" está em voga desde os anos 1990 e tornou-se manchete em 2006 após as mortes de várias modelos no seguimento de dietas - a que se seguiram medidas de auto-regulação naspasserelles em Madrid e Milão, o aumento do tamanho dos manequins de loja na Zara e na Mango e várias acções, em França, EUA ou Austrália, para delimitar idades e pesos para as modelos.Mas tal como aconteceu em 2006, o casoBrigittevolta a atenção para o elo mais fraco. Ao falar-se em "mulheres reais", como as das campanhas da Dove, é como se, por oposição, as manequins não fossem reais, seres humanos, questiona a colunista doTelegraph Bryony Gordon.
Elas são as protagonistas sem voz, na sua maioria sem qualquer poder no sector e que se limitam a responder aobriefingdo cliente depois de terem sido detalhadamente escrutinadas, e são "reconhecidamente, a não ser pelos mais vulneráveis, ideais inatingíveis", esclarece Janice Burns, editora de moda do jornal australianoThe Age. "Não as odeiem porque são belas", apelava em título Bryany Gordon noTelegraph.
Quando Shulman mandou a sua cartinha aos criadores de moda a pedir roupas de tamanho acima, odesigneritaliano Kinder Aggugini, que trabalhou com John Galliano e Calvin Klein, afastava o ónus da sua profissão. "Se amanhã todas as revistas, agências de modelos estylistsusassem raparigas maiores, então os criadores também o fariam." Agora que mais uma revista insiste nesta tecla, de que lado docourt está exactamente a bola?