Barenboim: "A música não está fora do mundo, é parte dele"

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O maestro deixou muita gente embevecida na conversa de hora e meia pedro cunha

"A música não está fora do mundo, é parte dele." Foi este o ponto de partida de Daniel Barenboim, maestro e pianista, argentino e judeu, músico e cidadão do mundo, na conversa que manteve ontem em Lisboa durante uma hora e meia num pequeno auditório da Gulbenkian a abarrotar. Nem todos conseguiram lugar para ouvi-lo dissertar sobre música, sociedade, política, filosofia - um pouco de tudo, porque "está tudo ligado", como diz o título do seu novo livro agora editado em Portugal (pela Bizâncio).

Rui Vilar, presidente do conselho de administração da Gulbenkian, falou do "entusiasmo contagioso" de Barenboim numa breve apresentação. Depois foi a vez de Risto Nieminen, director do serviço de música da fundação, lhe colocar algumas perguntas acerca do seu novo livro sobre "o poder da música". "O poder da música consiste na sua capacidade de falar a todos os aspectos do ser humano, o animal, o emocional, o intelectual e o espiritual", escreveu o maestro.

De casaco branco, descontraído num sofá vermelho, Barenboim falou pouco mais de uma hora da "disciplina e paixão" que a música e a existência humana exigem. O ser humano é resultado da "fricção" de razão e emoção, disse. Mas Barenboim não evitou outras fricções, políticas, e falou longamente do conflito israelo-palestiniano ("uma catástrofe de 60 anos").

Disse que os governos israelitas têm cometido demasiados erros e "privaram 700 mil pessoas de viver ali". É preciso outro caminho, porque "não há solução militar e tem de haver uma terra para os dois". É necessário também "não ter medo", porque "o medo e a angústia não produzem nada de bom nem na criatividade nem na política", disse perante muita gente embevecida.

Veio à baila o projecto da orquestra West-Eastern Divan que Barenboim fundou com o grande escritor e intelectual Edward Saïd. Uma orquestra para a paz? "Sim, mas o conflito no Médio Oriente precisa de mais do que de uma orquestra."

Barenboim arrancou alguns risos à plateia quando disse que "tem de se ser optimista para não desistir, mas tem de haver mudança para se continuar a ser optimista". Falou depois da "saudável" visão da música de Rubinstein ("o maior de sempre"), de como aprendeu com Furtwängler que "estava tudo ligado" e que a música não é, mas "torna-se", e é uma constante procura. Contou como Pierre Boulez lhe ensinou a ter coragem de errar e "não ter medo de que algo de novo venha". Confessou admiração pelo jovem maestro Dudamel. Mas também falou de como gosta da ideia de Spinoza de que "conhecer é compreender a essência, o porquê e o para quê", e como isso lhe interessa na música.

Uma mulher aproveitou o microfone vir ao público para dizer que "são pessoas como o senhor que fazem o mundo avançar". Aplausos, com razão e emoção. A música, essa, volta a falar por si, hoje, às 19h, na Gulbenkian.

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