Daniela Ruah já não precisa de ter um plano
A actriz portuguesa é, aos 25 anos, co-protagonista de uma das séries mais aguardadas da nova temporada nos EUA e entrou num filme com a marca George Lucas. E, afinal, isso sempre esteve nos seus planos.
Ou é um eco ou um rolar de olhos anunciado. Do outro lado da conversa, o interlocutor ou interlocutora de Daniela Ruah responde-lhe destas duas maneiras, pré-formatadas, previsíveis e muito "só na América". Precisão geográfica: só em Los Angeles. Mas em breve, muito em breve, os colegas de ginásio de Daniela Ruah perceberão que ela não é apenas mais uma cara bonita e bem ginasticada. Precisão número dois: muito em breve representa dois dias - é na terça-feira que se estreia na CBS a nova série NCIS: Los Angeles. E ela é uma das protagonistas.A cena acima descrita passa-se no ginásio em que Daniela Ruah se treina para estar à altura dos desafios que os argumentistas do spin-off (derivado) da série Investigação Criminal (que está a passar no late-night da SIC e no AXN) lhe reservam. E tem tudo a ver com LA, a cidade repleta de actrizes e actores à procura da sua oportunidade. "Alguém mete conversa e pergunta o que faço, eu digo que sou actriz e há sempre a resposta 'Eu também' ou um 'Boa sorte'", explica à Pública. "Eu não tenho que explicar o que já estou a fazer, mas vejo na cara das pessoas um 'Coitada, mais uma'". Ela deixa-se ficar com as respostas, tranquila. "Vão ver, vão ver!", ri-se.
Daniela Ruah tem 25 anos e duas oportunidades de ouro na mão. A primeira ver-se-á em 2010, quando se estrear Red Tails, com produção e história de George Lucas. A segunda começou com os episódios que irão passar na SIC no início de 2010 - a actriz aparece pela primeira vez no final da temporada em exibição - e terça-feirachegará ao horário nobre da CBS como Kensi Blye, uma das protagonistas de NCIS: Los Angeles.
NCIS é uma das marcas de sucesso da CBS, estação que até meados de 2008 era conhecida como o canal dos procedurals, vista sobretudo pelo público de meia-idade que procura o conforto de uma narrativa em que os bons encontram os maus e normalmente os castigam. Mas no final de 2008, numa reviravolta que os analistas atribuem ao rebentar da recessão e da bolha especulativa do sector imobiliário e ao aparecimento de novos produtos como O Mentalista (RTP2 e AXN), o cenário alterou-se. Os jovens da muito desejada faixa dos 18 aos 24 anos escolhiam a CBS.
E ao contexto acrescente-se a nova era dourada da ficção dramática da TV americana, com o sucesso e proliferação de títulos como Perdidos, Mad Men, CSI ou House. "Esta geração tem produzido cada vez mais - nunca houve tantas séries como agora e há vários actores clássicos de cinema que fazem TV. A televisão é quase o novo cinema. Senti-me privilegiada por conseguir fazer tanto cinema quanto televisão logo de início nos EUA", conta Daniela Ruah à Pública no início de mais um dia de gravações em Los Angeles, ao telefone a partir do local de filmagens. "Mas uma boa agente que acredita em nós, facilita" a entrada no competitivo El Dorado televisivo.
Agora lá anda a correr com LL Cool J, a contracenar com Linda Hunt, a trabalhar com Chris O'Donnell. Com eles partilha os oito ou nove dias úteis que demoram a gravar cada episódio e até Outubro gravarão um total de doze. É nesse mês que a CBS avalia a série e decide se encomenda o total dos 22 episódios - o que será um sinal positivo para o cumprimento do contrato dos actores, que assinaram com o canal por sete anos. Para uma mulher que sempre teve um plano, esta é uma altura atípica.
"Vou ficar aqui dois anos"
"Sempre soube que queria ir para fora. Estudando no Colégio Inglês [St. Julian's School] era o percurso natural ir estudar para Londres e aos 16 anos fui com o meu pai para Inglaterra para ver universidades. Sempre soube: vou acabar em Inglaterra [onde estudou Artes de Representação na Metropolitan University], vou voltar para Portugal um ano - acabei por ficar dois - depois vou para Nova Iorque e eventualmente vou para Hollywood", elenca a actriz, que está a viver em Los Angeles há dois meses e meio depois da passagem por Nova Iorque para estudar representação no Lee Strasberg Theatre and Film Institute e sem tempo para criar vida social californiana para além do grupo de trabalho - "No fundo os meus amigos aqui são as pessoas com quem trabalho" -, por ter chegado, encontrado casa, mobilado a dita e começado logo a trabalhar em NCIS: Los Angeles. Daniela Ruah encontra-se numa situação invulgar. "Isso é que é engraçado agora: pela primeira vez não preciso de ter um plano. Estou aqui, tenho um contrato e em princípio tenho trabalho nos próximos anos, o que é óptimo no estado actual da economia. Pela primeira vez vou ficar num só sítio mais do que dois anos. E isso é esquisito".
A actriz é conhecida do público português pelas participações nas novelas - a estreia foi com Jardins Proibidos - e pela apresentação do magazine Cinebox, além de alguns Casos da Vida (tudo na TVI) e da vitória no concurso da RTP1 Dança Comigo. Mas nos EUA é uma jovem estrela em ascensão, uma actriz resoluta e segura - "Se eu me preocupasse com cada nega que levo num casting, já estava em terapia" -, simpática e afável. E, obviamente, bonita, como não se cansam de elogiar os produtores da série, que também adoram o facto de ela ser poliglota. A primeira cena em que surge em NCIS: Los Angeles é com Ruah a fazer um telefonema em português.
Redes de segurança
Mas tem várias redes de segurança, sem as quais, garante, nada disto seria possível - isto é o facto de o seu primeiro casting para cinema a ter colocado em Red Tails, de ser representada por uma das maiores agências de talentos dos EUA, de estar prestes a saber o que é a celebridade no país mãe da sociedade do espectáculo. E há o apoio dos pais, com quem fala todos os dias, os amigos de longa data do colégio, que a conhecem desde os cinco anos e o incentivo dos avós. "É crucial. Nunca tive vontade de desistir, mas há dias em que temos dúvidas e precisamos de uma injecção de confiança. E quem melhor para isso do que a nossa família?"
E depois há a sua agente, Rhonda Price, da Gersh (que representa a protagonista de Ossos, Emily Deschanel, Rodrigo Santoro, Winona Ryder e muitos outros). "Quando vou a reuniões, perguntam-me sempre 'Como é que conseguiste a Rhonda?!' Não foi sorte: simplesmente plantei as sementes, fartei-me de fazer workshops, conheci agentes, fiz por isso", explica. Quando chegou a Nova Iorque, pôs o currículo e a sua demo-reel em sites especializados. De um deles chegou um pedido para fazer um trabalho não pago, uma leitura de argumento. Lá foi e o argumentista era alguém bem relacionado. Apresentou-a ao director de castings responsável por uma das novelas mais conhecidas nos EUA, Guiding Light (em que Daniela fez uma cena, a primeira paga nos EUA, como instrutora de ginástica), que por seu turno a referenciou à Gersh.
Saltemos para Outubro de 2008, com Daniela ainda em Nova Iorque e a ser chamada para o primeiro casting de cinema. Era preciso uma actriz para uma personagem italiana e arranjou maneira de falar um italiano convincente, seguindo o conselho de Rhonda Price - "Não fales inglês antes de falares italiano", para criar uma impressão forte no realizador e produtor.
"Em Janeiro a minha agente ligou-me a dizer que tinha ficado com o papel". Era o papel de Sofia em Red Tails, com a marca de qualidade George Lucas. "O filme é sobre os Tuskegee Airmen, os primeiros pilotos afro-americanos a entrar em combate pelos EUA [na II Guerra], e passa-se numa base em Itália. A minha personagem é uma das raparigas que vão entreter os soldados e que se apaixona por um dos pilotos. Eu tive quatro cenas, não foi grande protagonismo, mas tive-o no sentido em que é a parte romântica do filme".
Não se cruzou com Lucas na rodagem, mas aguarda ansiosamente as festas de ante-estreia para poder conhecê-lo. Daniela Ruah passa a imagem de alguém que não se deixa abalar com facilidade, seja pelo estrelato alheio (a entourage de LL Cool J, o valor ícone de Chris O'Donnell), seja pela vida fora das zonas de conforto do familiar, da indústria portuguesa em que já era uma figura estabelecida. Mas, ao mesmo tempo, não consegue evitar as modulações de voz de quem está a viver o sonho, que não consegue deixar de rir quando recupera os encontros felizes com alguns dos artífices que ajudaram ao seu sucesso.
E essa coisa dos paparazzi e do assédio dos fãs, não a assusta. "Nunca considerei a atenção do público ou da imprensa como uma carga. Tenho noção de que vai haver alguma atenção e sei que aqui é muito mais agressivo do que em Portugal. Estou preparada para o que der e vier". Evita os locais que são ímanes de celebridades, como em Portugal ignorava as notícias falsas. E acredita, talvez condicionada pelo facto de os cartazes que estão nas ruas dos EUA se focarem mais em LL Cool J e O'Donnell, que "em LA, como em Nova Iorque, como está tudo cheio de actores, as pessoas não se impressionam tanto".
A poucos dias da estreia, está calma. O resto do elenco também, garante. "Adoramos ver a publicidade. Aqui há publicidade do NCIS: LA em todo o lado". "Camionetas, paragens de autocarro, lados de prédios inteiros com a cara do Chris e do LL Cool J. Todos sentimos uma excitação maior quando vemos os posters do que quando vemos a data de estreia a aproximar-se".
A agente Kensi Blye
Mas conta uma actividade desaconselhável a egos menores (ou maiores): googla de vez em quando para ver o que pensam os espectadores da série que aí vem. "Já li um pouco de tudo". Acredita que a série vai ter os seus próprios fãs, alguns da série-mãe e novos aderentes. "Sinceramente, agora é importante agradarmos aos fãs do NCIS", assume, focada na sua Kensi Blye, agente especial da investigação naval que trabalha infiltrada. "O pai dela era fuzileiro, julgo que foi assassinado - foi o que me contaram, não há detalhes - e sei que isso poderá ter algum peso no futuro. Ela motiva-se porque quer fazer o bem, é super inteligente e fala várias línguas porque cresceu em muitos países. É uma personagem muito completa e tenho a vantagem de ser a única rapariga na equipa, o elemento mais novo da equipa".
Daniela Ruah considera a série um "desafio enorme" porque nunca tinha feito nada com acção, com uso de armas e tecnologias super-avançadas. Os horários são puxados, mas cumpridos. "Habituei-me ao mais complicado de tudo, que é fazer uma novela, onde tudo se faz com muito menos antecedência, com um elenco muito maior, com mais stress e nervosismo. Aqui são super-organizados", explica.
Está convencida de que tem de ler mais em português, para não andar à procura de algumas palavras. E mantém a intenção de fazer mais: "Antes de assinar com a CBS a minha agente avisou logo que seria difícil fazer outros trabalhos. Mas por sorte gravamos de seguida os episódios e acabo em Março. Tenho até Junho ou Julho de férias", o que pode servir de janela temporal para fazer mais cinema, por exemplo.
Nascida em Boston e migrada para Portugal aos cinco anos, Los Angeles dá-lhe o clima mais parecido com o de Portugal, dá-lhe a sensação de plano cumprido. E dá-lhe muito trabalho. a
jcardoso@publico.pt