Konstantin Grcic ou o design industrial indie
Cadeiras, cabides, electrodomésticos, candeeiros.
O designer alemão esteve em Lisboa na Experimenta Design e falou sobre design real, contra o design democrático e a favor da inteligência da indústria
a Konstantin Grcic tem vários cognomes: o impronunciável (pelo apelido); o formalista (assim visto pelos seus colegas, apesar de não concordar muito com a definição); o mais importante da sua geração (para Guta Moura Guedes, presidente da ExperimentaDesign). Pausado e algo tímido, Grcic desenha mobiliário para a indústria, que defende com unhas e dentes, mas é um autor independente com um "pequeno estúdio" em Munique. Autor de peças famosas e infames como a cadeira 360º, ré num recente julgamento de design, não procura o consenso nem a perfeição - apesar de a curadora de design do Museum of Modern Art de Nova Iorque, Paola Antonelli, acreditar que sim, que é um perfeccionista.Discípulo de Jasper Morrison, de quem foi aluno no Royal College of Art de Londres, foi seu aprendiz e agora é Morrison que não lhe poupa elogios. "Ele está na vanguarda da busca por uma nova linguagem no design - na verdade, está à frente de toda a gente", comentava Morrison ao New York Times há três anos.
Mas como o tempo já não é o que era - permite a um designer trabalhar para a indústria do mundo, mainstream ou independente, genérica ou especializada; avassala-nos com a overdose de informação que nos traz; mistura o global e o local no glocal - há que verificar se Grcic ainda é isso tudo. Entra em cena a cadeira 360º (de 2009) e a sua beleza austera. E os comentários, na Internet ou na Feira de Mobiliário de Milão (onde se realizou o tal julgamento de design, com Grcic e a fabricante Maggis como testemunhas, Paola Antonelli na defesa e o designer de mobiliário Jonathan Olivares na acusação), sobre o seu valor. "Instrumento de tortura" ou "muito inteligente" são os dois extremos do espectro de opiniões.
Muito estreita, rígida e costas curtíssimas, é mais uma que se junta à longa história visual do design em cadeiras. "Baseia-se na ideia de que é melhor ficarmos um pouco desconfortáveis. Ele [Grcic] tem razão - não devemos ficar sentados muito tempo para bem das nossas costas e musculatura e a ideia de fazer algo ligeiramente desconfortável em que nos podemos sentar de várias maneiras é muito inteligente", comenta ao P2 Paola Antonelli, do MoMA.
Indústria inteligente
A 360º é controversa, portanto. Konstantin Grcic, sentado frente ao Palácio Braancamp na véspera da Conferência de Lisboa em que participou a convite da Experimenta, diz ao P2 que não gosta da palavra controvérsia. "Nunca penso nisso quando trabalho. Nunca quereria ser controverso, mas acontece-me. A ideia de fazer algo de que todos gostam é uma ilusão, uma falsa ideia. É impossível. Por isso, penso que é melhor tentar fazer uma coisa de que apenas algumas pessoas gostem mesmo."
Quanto aos elogios que o rodeiam - "Tudo o que ele faz é espantoso e uma boa adição para o mundo, não é supérfluo", diz Antonelli ao P2; "o mais importante designer da sua geração", disse Guta Moura Guedes na apresentação da Experimenta -, reage com sorrisos envergonhados. De olhos na mesa, conjectura. "Sou totalmente anónimo para o público mainstream, mas no círculo do design toda a gente se conhece. O que é que nos faz sair do anonimato? Atitude." Isso é algo que quer imprimir no seu trabalho e recorda o antigo mestre para se definir: "O Jasper provavelmente diria que um produto que é tão genérico e tão arquetípico que é anónimo é o melhor. Eu penso de maneira ligeiramente diferente. A autoria é uma coisa importante para mim."
Currículo em corrida: não sabia que queria ser designer de mobiliário, mas depois do estudo e trabalho de fabrico de mobiliário passou ao Royal College of Art e cruzou-se com Morrison; já nos anos 1990, funda o seu estúdio, Konstantin Grcic Industrial Design (KGID); é distinguido com o mais importante prémio de design industrial, o Compasso d'Oro, em 2001, pela sua peça "favorita" - o candeeiro Mayday, para a Flos. "Em retrospectiva foi interessante e foi um marco, não comercialmente, mas porque me permitiu evoluir", explica ao P2. Também menciona a Chair_One para a Maggis (2004) como projecto importante, com ênfase no "projecto".
Mais do que o resultado final ou o fabrico, Grcic gosta é do processo, da parte "método científico" do design. Aos 44 anos, recorda a aprendizagem sobre feitura de mobiliário. Aí, "interessei-me pelo processo, pelo planeamento, e o design é exactamente essa fase. O fabrico torna-se repetitivo, há uma ideia de perfeição", diz, abanando a cabeça. "Não estou a tentar ficar melhor no design porque acho que isso não existe. O desafio é não ter respostas. Se fosse um artífice é possível que chegasse ao ponto de saber como funciona a actividade. [Como designer] acho que não vou consegui-lo e isso deixa um fascínio..."
Ao longo de mais de uma década de trabalho em nome próprio, Grcic já correu o sector. Do colar-caneta para a japonesa Muji (ainda sem loja em Portugal) ao banco Miura (2005, integrado na colecção do MoMA), passando por várias peças para a Authentics e electrodomésticos para a Krups, Grcic representa a independência do designer perante a utilidade da indústria.
Numa bienal marcada também pelo debate entre independência e briefings, pensamento e indústria, Konstantin Grcic, o Formalista, defende a indústria e a existência de uma elite do design. E está, de certa maneira, no pólo anti-Ikea. Não no sentido literal, mas porque não acredita nessa coisa do design democrático, não só acessível a todos mas de feitura possível por todos. "Há uma ideia do design democrático ou que inclui toda a gente - não acredito nisso", frisa. "O design tem de ser concreto. É algo muito real, é uma cadeia de decisões que temos de tomar ao longo do processo criativo. O resultado final às vezes pode excluir as pessoas", admite.
"Penso que o design deve, pelo menos a um certo nível, ter um círculo fechado, uma avant-garde que tem de ser forte e exclusiva e que talvez muitas pessoas não percebam ainda. Talvez seja design para designers. As pessoas acham isso nojento, mas porque não? Isso significa que é design para uma nova geração de designers que irão mais adiante. É tudo parte de um ciclo dinâmico, progressivo. Tem sempre de haver alguém a empurrar."
Mas tudo de forma natural, advoga. "Sou um designer de mobiliário. Se olharmos para mobiliário de tubos de aço que a Bauhaus começou a fazer, era totalmente avant-garde e na época ninguém o queria. Mas alguns arquitectos e designers acreditaram piamente que estava ali uma ideia, novo material, a tecnologia, que ali estava o futuro. Hoje é algo que está por todo o lado e é barato." Touché?
Perante um mundo em mudança, ele é "um designer único. É o designer mais obsessivo que eu conheço no seu processo, o que não cancela o facto de ser extremamente criativo e muito surpreendente", elogia uma vez mais a comissária do MoMA. Descreve o seu trabalho, focado na pergunta "Como é que transformamos constrangimentos, limitações, em algo positivo?", como sendo "honesto, sério, severo", lidando com "muitas condições, muito reais, que decididamente pedem uma abordagem racional". Neo-racionalista em momentos, faz o elogio da indústria: "A indústria também pode produzir coisas muito estúpidas", admite, "mas produz coisas muito inteligentes."
O seu trabalho está, além de nas ruas, nas lojas e nas casas, no MoMA, no Centro Georges Pompidou e num livro da Phaidon dedicado ao seu KGID. Não se sente assoberbado pela crise nem pelo contexto 2.0. Prefere pensar o global, "incompreensível", a uma escala menor - a dos seus projectos. E repete: Design real - também título da exposição que comissaria na Serpentine Gallery de Londres para Novembro. Nela estarão 43 produtos contemporâneos e industriais. "A indústria produz coisas incríveis e é pena que ela seja por vezes menos considerada como sendo cheia de constrangimentos, de baixa qualidade ou capitalista. Há peças industriais belas, ricas e cheias de significado."