Uma progressão lógica, com princípio, meio e fim. É assim que gostamos de pensar a nossa vida. É assim que funciona a maior parte das canções. No caso dos ingleses The xx é isso que acontece. Mas com nuances: algures, pelo meio, deixamo-nos imergir, como se cada canção pudesse começar num ponto infinito antes do tempo e terminar num ponto infinito do futuro. As palavras ajudam, obsessivas, assinalando um lugar íntimo.
As canções de "xx", o soberbo álbum de estreia dos The xx, são simples. Mas é uma simplicidade que surge depois da complexidade. É uma naturalidade que surge depois de todo o entulho da casa ter sido enviado para o lixo. São gestos espontâneos que ficam depois de se ter compreendido o que está a mais. Fica o indispensável, as estruturas, o que suspende o caos.
Já o ouvimos as mais diversas vezes, mas convém repeti-lo num tempo em que o ornamento substitui a procura de novas concepções: as melhores ideias são quase sempre as mais simples. No caso da música, às vezes basta uma caixa de ritmos mecânica, um ligeiro balanço sonâmbulo, duas vozes lacónicas, um sopro melódico, uma guitarra trémula ou uma linha de baixo repetitiva.
As letras dos xx falam de sexo e de relações interpessoais. Às vezes de forma cândida, outras numa perspectiva mais abstracta, criando um lugar de privacidade, como se fôssemos convidados a ler cartas de amor de dois adolescentes que ainda não perceberam que se amam. O resto é com a instrumentação, mínima. E daqui nasce, como por encantamento, uma música narcótica, sensual, delicada, solene, imensamente leve. Um daqueles fenómenos que acontecem de tempos a tempos, anulando fossos geracionais.
Nas entrevistas, os xx são lacónicos. Não por afectação. Mas porque parecem acreditar mesmo que as coisas são assim porque são assim, adensando ainda mais o mistério. "Ao princípio, começámos por trabalhar com vários produtores [entre eles o americano Diplo, habitual cúmplice de M.I.A.]. Aprendemos imenso com eles, mas durante o processo fomos compreendendo que aquilo parecia mais uma colaboração. Estávamos a afastar-nos do que queríamos e resolvemos ser nós a produzir o disco. Muitas bandas, ao entrarem em estúdio caem na tentação de colocar mais elementos. Evitámos isso. Queríamos simplicidade."
Quem fala assim é Oliver Sim, a voz e o baixo dos The xx (diz-se "ex ex", apesar de os próprios não desvendarem se o nome tem origem numa referência numérica, pornográfica ou outra). Os restantes são Romy Madley Croft, a outra voz e guitarra, Jamie Smith, o homem das programações, e Baria Qureshi, teclas e guitarra. São londrinos e acabaram todos de fazer 20 anos.
Conhecem-se há muito. Oliver e Romy, os nucleares, são amigos de infância. Os outros conheceram-se na instituição que todos frequentaram, a Elliott School, sudoeste de Londres, um liceu que começa a ficar conhecido por ser viveiro de agentes da pop. Foi ali que os Hot Chip, Kieran Hebden (Four Tet) e Burial, todos eles conhecidos dos melómanos mais curiosos, deram os primeiros passos. "Conhecermo-nos há muitos anos ajuda" admite Oliver. "Às vezes, em estúdio, quase não é preciso comunicarmos. Intuitivamente, sabemos o que cada um de nós pretende."
Um mundo deles (mas com fantasmas dos outros)
Como a maior parte dos músicos da sua idade, os quatro xx já cresceram imbuídos de um espírito ecléctico. Ao contrário de gerações anteriores, não possuem estigmas em relação a tipologias musicais. A sua forma de relacionamento, e de avaliação, é outra. "Existe música boa em todos os géneros. Não temos esse filtro. Temos gostos desiguais, mas simpatizamos todos com música capaz de nos transportar para um ambiente qualquer. Normalmente é música simples, com a qual conseguimos conectar-nos de forma imediata, seja pop ou outra coisa qualquer."
Aos 16 anos, começaram por fazer versões de grupos que admiravam, dos Wham! aos Pixies. Um prazer que ficou até aos dias de hoje, de tal forma que a edição especial do álbum de estreia contém três magníficas versões de temas da soul e do R&B - "Do you mind?" de Kyla, "Teardrops" de Womack and Womack, e "Hot like fire" de Aaliyah. Esta última, falecida em 2001, é uma das favoritas de Oliver. Não espanta. Por trás das suas canções estava um dos produtores mais importantes da última década e meia, Timbaland.
Foi ele que transportou noções como "espaço" e "tempo" para as canções de R&B que pulularam nos topes de vendas, personificadas por nomes como Missy Elliott, TLC ou Aaliyah, transformando um género desacreditado num dos campos mais criativos da música moderna. Há qualquer coisa de Timbaland nos movimentos rítmicos esqueléticos dos xx. Mas essa é apenas uma das inúmeras aproximações possíveis e Oliver, ao contrário de tantos outros agentes criativos, parece ter essa consciência.
Encontrar uma voz singular implica adoptar filiações. Ninguém é capaz de criar a partir do vazio, mas sim da desordem. "Temos inúmeras influências como toda a gente" reconhece Oliver, "mas na hora de criarmos música não pensamos nisso. Não estamos a pensar que vamos fazer esta canção à maneira deste ou daquele."
Nas suas canções encontramo-nos com o minimalismo extremo dos Young Marble Giants, com a forma de produzir de Martin Hannett (Joy Division, New Order), com a estrutura descarnada de algumas canções dos Pixies, com o ruído atmosférico dos My Bloody Valentine, com a sensualidade furtiva dos Chromatics, com o rock carnal dos The Kills ou com o dubstep nocturno segundo Burial. Mas, quando se chega ao fim, nunca percebemos se esses encontros aconteceram mesmo ou foram fantasmas que se cruzaram connosco, no meio daquele universo tão singular.
Percebe-se que é um mundo deles. Com regras próprias. Mas não vale a pena tentar perceber se existiu uma decisão intencional para produzirem um tipo de som tão exclusivo. "Nunca fizemos questão em fazer música barulhenta, não sei muito bem porquê. As coisas foram acontecendo, naturalmente. Eu e Romy temos um tom de voz baixo. Não fazia sentido criar uma música alta à qual não conseguiríamos adaptar-nos. O nosso som nasce daí."
Os xx parecem confirmar que, por vezes, as melhores ideias nascem da superação de eventuais fragilidades, depois de assumidas e adaptadas. No seu caso, a utilização da caixa de ritmos acontece simplesmente porque nenhum deles toca bateria.
O mesmo sucedendo com os diálogos entre Oliver e Romy, feitos numa entoação etérea, que atravessa todas as canções. Ambos estão longe de serem grandes cantores, e não estão preocupados com o assunto. "Temos uma entoação de voz muito parecida. O clima de intimidade surge daí. Romy é como se fosse uma irmã para mim, conhecemo-nos há muito. Mas aquilo que escrevemos é dirigido para uma realidade exterior."
A música dos xx é particular, mas inclusiva. Trouxeram para o nosso mundo de excessos tempo e espaço, gerando um clima onde nada parece acontecer e onde tudo tem extensão para acontecer - uma construção geográfica que pede que a povoemos.
Não são os melhores cantores, nem os instrumentistas mais dotados. Mas sabem manipular o espaço, provocar momentos de tensão e de distensão como poucos. Talvez seja instintivo. Talvez seja porque se conhecem muito bem. Seja o que for, conseguem criar canções que não se ouvem apenas. Absorvem-se, flutuantes e livres. Aos 20 anos acabam de lançar um álbum que até pode não passar de um golpe de sorte, por mais improvável que o pareça. Até podem não voltar a fazer nada de jeito. Não sabemos. Nunca sairemos da especulação. Neste momento, parece não existir outra música que faça tanto sentido. E é isso que interessa.