Assassinaram o perfeito Brian?

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Brian Jones fotografado em 1965 Michael Ochs Archives/Corbis

A 3 de Julho de 1969, Brian Jones, guitarrista dos Rolling Stones, foi encontrado morto na piscina de sua casa. O relatório policial concluiu pela morte acidental, mas a versão alternativa, a de homicídio, surgiu desde logo. Segunda-feira, a polícia de Sussex confirmou que o processo poderá ser reaberto. 40 anos depois, a saga continua

a "Podemos confirmar que a polícia do Sussex recebeu documentos, fornecidos por um jornalista de investigação, relativos à morte de Brian Jones. Esses papéis serão examinados pela polícia do Sussex, mas neste momento é ainda cedo para comentar quais serão as consequências". Foi assim, noticiou a France Presse a 31 de Agosto, que um porta-voz policial, de forma seca, anunciou uma possível reabertura da investigação da morte de Brian Jones, o mítico guitarrista dos Rolling Stones encontrado sem vida, afogado na piscina da sua mansão em East Sussex, na madrugada de 3 de Julho de 1969, menos de um mês depois de ser despedido da banda que fundara e baptizara sete anos antes.À época, a investigação classificou a morte como acidental: álcool, xanax e um mergulho na água que correu terrivelmente mal. Contudo, os rumores de que o acidente teria sido, na verdade, um homicídio, não demoraram a surgir. Alimentadas por uma série de estranho factos - os móveis e instrumentos roubados da mansão, a roupa de Brian empilhada e queimada, as contradições entre os depoimentos das testemunhas -, começaram a correr as mais diversas teorias. Das delirantes, que implicavam os próprios Rolling Stones, àquelas que se mantém ainda hoje como base para os investigadores pop que se recusam a aceitar a tese oficial do acidente.
Dois livros editados em 1994, Paint it Black: The Murder Of Brian Jones, de Geoffrey Guiliano, e Who Killed Christopher Robin?, de Terry Rawlings, defendiam que Jones teria sido assassinado por Frank Thorogood, empreiteiro encarregue pela remodelação da mansão do guitarrista. Segundo os autores, no seu leito de morte, aquele teria chegado mesmo a confessar o crime ao antigo motorista de Brian Jones, Tom Keylock. Dificuldades acrescidas para uma futura investigação. Isto porque Keylock e Thorogood morreram entretanto, isto porque os documentos entregues à polícia (cerca de 600 páginas compiladas pelo jornalista de investigação Scott Jones, sem laços familiares com Brian), terão como ponto central uma entrevista a Janet Lawson, falecida em 2008 e à altura do suposto crime namorada de Keylock.
Segundo o Guardian, o motorista ter-lhe-á pedido que visitasse Brian Jones, por receio que a tensão entre os dois descambasse em algo de grave. Lawson assim fez e, na noite de 3 de Julho de 1969, conta ter visto Brian Jones e Thorogood brincando junto à piscina - na versão oficial, o músico estaria sozinho. Pouco depois, terá surpreendido Thorogood, trémulo e extremamente nervoso, de regresso a casa. Dirigindo-se à piscina, descobriu o corpo de Jones flutuando na piscina. Os seus gritos de ajuda, assegura, foram inicialmente ignorados por Thorogood. Nada disto está descrito nos relatórios policiais: "[Durante os interrogatórios], a polícia estava a pôr-me palavras na boca" foi a justificação dada por Janet a Scott Jones - como curiosidade, refira-se que esta a versão dos acontecimentos é a seguida em Stoned, filme biográfico realizado por Stephen Wooley em 2006.
A discussão em relação à polémica morte do fundador dos Stones está assim relançada. Curiosamente, meses depois de ter sido noticiado que Jimi Hendrix, morto em 1970, sufocado no seu próprio vómito, poderá afinal ter sido assassinado a mando do seu próprio manager.
Para os Rolling Stones, tudo isto, será o prolongar de um pesadelo. Mick Jagger, Keith Richards, Bill Wyman e Charlie Watts são unânimes. Brian Jones foi vítima de um estúpido acidente. Mais: Brian Jones, frágil e desequilibrado como estava, era um acidente à espera de acontecer. Watts afirmou-o à revista Mojo, numa edição comemorativa das quatro décadas dos Rolling Stones publicada em 2003: "Em Inglaterra é muito raro ver-se uma piscina ao ar livre. O vapor estaria a erguer-se e penso que ele tomou uma série de sedativos, que era aquilo de que gostava, bebeu, coisa que costumava fazer e não deveria ter feito, porque não era forte o suficiente para beber. E acho que foi nadar num banho muito quente. [...] Muito honestamente, não penso que valesse a pena matá-lo. E não o digo de uma forma maldosa. Não era importante o suficiente para um homicídio. Particularmente naquela altura. Estava verdadeiramente uma triste figura".
Uma morte anunciada
Brian Jones foi a primeira vítima do tétrico "Clube dos 27", o de Jim Morrison, de Janis Joplin ou de Jimi Hendrix; essa trágica dinastia iniciada pelo Rolling Stone e que teve em Kurt Cobain o último membro - todos estrelas rock, todos mortos aos 27 anos de idade. Brian Jones foi, também, o fundador dos Stones, o seu líder nos primeiros anos e a face mais exuberante da banda. "Brian Jones, com os seus inchados, que tudo sabem, sofridos olhos de peixe. Brian sempre à frente da moda. Brian perfeito" - assim o descreveu Lou Reed em Fallen Knights And Fallen Ladies, ensaio sobre as mortes do rock'n'roll publicado em 1972.
Com o seu cabelo louríssimo, as suas roupas e chapéus de dandy, foi o símbolo máximo do cool na década de 1960. Havia a imagem e havia aquilo que a alimentava: os romances com Nico ou Anita Pallenberg, as amizades com Jimi Hendrix, Bob Dylan, Kenneth Anger ou Arthur C Clarke.
Perfeito Brian, portanto. O mestre em mil instrumentos, da guitarra slide à harmónica, apuradas enquanto jovem purista do blues, e do saxofone ao clarinete, aprendidos na infância, até aos mellotrons, dulcimers, cítaras, flautas e marimbas a que fora conduzida pela sua imensa curiosidade musical.
Perfeito Brian? Não o era certamente na madrugada de 1969 em que decidiu tomar um banho nocturno na piscina da sua mansão, antiga propriedade de AA Milne, autor do conto infantil Winnie-the-Pooh. Errático e alienado, ostracizado pelos companheiros de banda, tinha sido despedido dos seus Rolling Stones. De saúde frágil por constituição, estava reduzido a um farrapo humano pelo excessivo consumo de drogas e álcool - a autópsia revelou um coração e fígado grotescamente dilatados para alguém que não atingira ainda os trinta anos de idade.
Descrito por todos os que com ele conviveram intimamente como bipolar - num momento terno e amigável, no outro violento e manipulador -, tornara-se nos últimos meses de vida, distante da banda e do mundo exterior, um eremita nos seus domínios. Convivia com as groupies que lhe enchiam diariamente a casa, com miúdos fascinados com o circo rock'n'roll de excessos e deboche que era o quotidiano de um Rolling Stone, com os operários que contratara para remodelar a casa e que, ainda que apreciassem a possibilidade de pegar no seu Rolls Royce e passear pelas redondezas, desdenhavam aquele privilegiado dado a transformar-se em pequeno "tiranete".
Naquele último mês, congeminava uma nova banda, para a qual convocou Mitch Mitchell, baterista de Jimi Hendrix, Steve Winwood, dos Traffic, Alexis Korner e John Mayall, seus antigos mentores na cena blues londrina. Era contudo, mais manifestação de intenções que projecto sério - tal como as canções que dizia compor mas que os seus companheiros nos Stones nunca chegaram a ouvir.
Brian Jones, ele que foi líder na primeira fase dos Rolling Stones, ele que se viu rapidamente eclipsado pela dupla Jagger/Richards, não era cantor, não era compositor, não era líder. Era um músico inteligente e curioso que marcou decisivamente a fase mais luminosa da carreira da banda, atraindo-a para outras dimensões: é dele a cítara de Paint it black, são dele as marimbas de Under my thumb, é em grande parte da sua responsabilidade a viragem a Oriente (e ao espaço sideral) no psicadélico Their Satanic Majesties Request, marcado pelas divagações do Mellotron e pelas sonoridades magrebinas que Brian resgatara de Marrocos - ali gravara Brian Jones Presents The Pipes Of Pan Of Joujouka, primeira investida de um músico rock por aquilo que se viria a convencionar como músicas do mundo.
Contraditório e inseguro, Brian Jones, o aluno brilhante que abandonou a escola, preferindo a rebeldia do blues, o sedutor misógino que, aos 18 anos, tinha sido pai por três vezes, de mulheres diferentes, esse Brian Jones que foi, de certa forma, a mais faiscante e inspiradora imagem dos anos 1960, como que falhou em sobreviver ao seu declínio (o seu mesmo e o das esperanças da década).
Nesse contexto, saber se a sua morte foi um homicídio ou um trágico acidente é quase irrelevante. Vejamo-lo no Rolling Stones Rock'n'Roll Circus. Os Stones tocando Sympathy for the devil: monstros de sensualidade rock'n'roll, agitadores andróginos armados de guitarras. Também lá está Brian Jones, mas o seu olhar está perdido sob os papos das pálpebras e é um corpo abandonado, nada mais. Já estava morto há muito.

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