Richard Yates (1926-1992) chegou tardiamente à edição portuguesa, na sequência da adaptação cinematográfica de "Revolutionary Road". Começámos bem, com o primeiro (e melhor) romance de Yates, datado de 1961. Agora, aparece o seu último (e mediano), de 1986, e já se anunciam outras traduções.
"Cold Spring Harbor" / "Perto da Felicidade" é um romance menor mas prova que Yates manteve uma inquebrantável fidelidade ao universo burguês e ao registo realista. Passado nas décadas de 1930/40, num subúrbio chamado precisamente Cold Spring Harbor, em Long Island, é a história de duas famílias, os Shepard e os Drake. Gente da classe média remediada, vivem todos numa tensão permanente com as suas fragilidades. Yates constrói o romance em cenas banais, muitas delas conversas em família, e acumula indícios de frustração social, vergonha, solidão, ressentimento, inveja e ternura.
Algumas personagens são claramente desequilibradas, e uma delas, Gloria Drake, é um caso quase patológico (os biógrafos dizem que se trata de um retrato impiedoso da mãe de Yates). Há longos monólogos embaraçosos, galanteios despropositados, tiradas alegres fora de contexto. Gloria, verbal e emocionalmente destravada, põe a nu aquilo que as outras personagens escondem. Quando um jovem casal tira fotografias para o álbum de família, estão sorridentes em quase todas, mas há uma em que aparecem "assustados e desesperados", como se fosse a única em que não estavam a fazer pose.
As duas personagens masculinas principais, o jovem Evan Shepard e o adolescente Phil Drake, mantêm uma fachada de contenção. Evan casou demasiado novo, divorciou-se, casou de novo, queria ter estudado engenharia mas trabalha numa fábrica. Phil tem pouco dinheiro e vive atormentado com a sua libido. Os dois homens (e isso vem desde "Revolutionary Road") são imaturos, inconstantes, andam à deriva. Há mundos que os tentam ou os afugentam (a escola, o exército), mas enquanto isso andam ali aos tombos, tentando pequenos rituais de convivência, quase sempre canhestros. Há uma aula de condução especialmente notável, porque sem explicar nada nos dá um diagnóstico daquelas duas criaturas frouxas.
Richard Yates vai saltando entre as suas personagens, completando o quadro de um "lar artificial" feito de pequenos prazeres e grandes enfados. Os Shepard e os Drake não controlam os seus destinos. Têm as suas responsabilidades familiares e sociais, que vão cumprindo como podem, mas chegam ao fim de cada dia decepcionados e vencidos. É arriscado escrever 200 páginas com meios-tons, mas se Yates sabia fazer alguma coisa era exactamente isso. A crítica, que sempre foi algo tépida, dizia que o romancista era demasiado extremado no desenho das personagens, alternando de forma incongruente entre e empatia e a repulsa. Mas esse é na verdade um dos méritos deste escritor, que passa sem esforço das amabilidades e banalidades burguesas para descargas de agressão irracional.
O dinheiro é pouco, os casamentos são maus, há uma guerra lá longe, e os Shepard e os Drake vivem de expedientes e fantasias. Nada lhes dá tanto prazer como os hábitos comezinhos. Dar uma volta de carro pelas redondezas. Sentarem-se em cubículos com sofá de napa e uma bebida fresca. Ou comprar um canivete ou uma bicicleta. Dar uma resposta bem esgalhada. Ou recomeçar aquilo que acabou, desejando um dia acabar com aquilo que recomeça.
A única experiência realmente significativa que coloca alguns deles "perto da felicidade" (o título português é bastante feliz) é a sexualidade. Mas o ambiente lascivo e sufocante deste romance, já com um vislumbre da mudança nos costumes, é mais uma promessa de felicidade do que a felicidade propriamente dita. Se a vida é má, o sexo não a faz boa. E a vida, escreve Yates, "era confusa e perigosamente incompleta". E acrescenta: "O terror nunca estaria longe de possuir o coração".