Basta vê-los para perceber que algo mudou. O cabelo curto, certinho, deu lugar, com a excepção do baterista Matt Helders, a barbas e melenas mais consentâneas com rock'n'roll de riffalhada monumental e psicadelismos avulsos. Claro que é um pouco, digamos, idiota analisar a evolução musical de uma banda tendo por base um corte de cabelo, mas não será isso a deter-nos. Pegamos no cacho capilar caindo-lhes sobre os ombros, juntamos-lhe uma estadia nos estúdios no deserto de Joshua Tree com Josh Homme, ele dos Queens Of The Stone Age, e chegamos aos "uh uhs" à "Sympathy for the devil" de "Potion approaching", uma das canções de "Humbug", o terceiro álbum dos Arctic Monkeys.Perspectivemos: chegaram como mais uma banda da fornada brit de início da década e houve quem lhes chamasse, pelas letras, "cronistas de uma geração", houve gente que, ao vê-los e ouvi-los em todo o lado, se irritou ao ponto de colocar um painel à entrada do seu estabelecimento comercial: "Proibida a entrada a fãs de Arctic Monkeys" - vimos um aviso desses, com estes olhos que a terra há-de comer, num pub londrino ali pelo ano de 2006.
Ora, depois de toda essa euforia, do "hype" e do "anti-hype", é que as coisas se tornaram realmente interessantes. Porque os frenéticos Arctic Monkeys aprimoraram a fórmula e, ao contrário da maioria dos seus companheiros de geração, editaram um bom segundo álbum. E porque, depois disso, o vocalista e guitarrista Alex Turner inventou uns magníficos Last Shadow Puppets, repletos de orquestrações denunciando audições atentas de Scott Walker, e mostrou que havia vida interessante na anémica cena pop britânica.
"Humbug" era, portanto, um álbum ansiado com curiosidade. Sabíamos que trabalharam com Josh Homme, sabíamos que andaram a ouvir Black Sabbath, Nick Cave e Creedence Clearwater Revival e que não havia hipótese de se repetirem. Estaria a melhor banda britânica do pós-Strokes e Franz Ferdinand prestes a entregar-se às delícias da catarse "caveana" e do peso "Sabbath"? Ouvido "Humbug", a resposta é sim - mas não propriamente.
No novo álbum, desaparecem os polaroids do quotidiano juvenil, desaparece a quase neurótica efervescência que lhes conhecíamos, substituídos por um sinistro psicadelismo de "road movie": guitarras reverberantes, teclados estelares, rock feito de mistério e cintilações - "My proppeler", a primeira canção, é de resto a introdução perfeita ao novo quadro mental da banda. Dito isto, é óbvio que eles não conseguem negar os genes. Para cada "Potion approaching", em que se imaginam em jam com os Queens Of The Stone Age, há algo como a precisão pop do refrão de "Crying lightning". Como contraponto à tensa paranóia de "Pretty visitors" - um surpreendente "vaudeville" hard-rock -, existe essa "Secret door" que, lá para o final, se transforma em cabaré pop que Jarvis Cocker adoraria cantar - "Fools on parade", afina Alex Turner.Concisos como deveria ser obrigatório por lei (dez canções, 39 minutos), os Arctic Monkeys fazem agora "voodoo love songs" ("Fire and the thud"), embrenham-se em psicadelismos que divagam sem alienar, cantam "tribal dances" com riffs bombásticos ("Dangerous animals"). Foram ao deserto em busca de um espaço que lhes servisse e transformaram-se sem negar aquilo que são. É oficial: as novas cabeleiras assentam-lhes bem.