Michael Jackson O "leite" que o adormecia desta vez foi fatal

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Visitantes do Grammy Museum, em Los Angeles, atentos a um vídeo de Michael Jackson, poucos dias depois da sua morte PHIL McCARTEN/REUTERS

Foram décadas em luta com o seu próprio corpo. Acabou branco, mas também deprimido e fragilizado. Já em meados da década de 1990 se contava que, durante uma tournée mundial, Michael Jackon levava consigo um anestesista que o "punha a dormir" à noite e o "trazia de volta" de manhã. Sabe-se agora que quando morreu, em Junho, tinha "níveis letais" do anestésico Propofol no organismo

a Naquele dia, Michael Jackson insistiu. Queria o seu "leite". Era assim que chamava ao anestésico Propofol, por causa do seu aspecto esbranquiçado e leitoso. O seu médico pessoal, o cardiologista Conrad Murray, ainda terá resistido. Já lhe tinha dado um cocktail de ansiolíticos e sedativos. Mas Jackson continuava sem dormir. Murray acabou por ceder. Às 10h40 do dia 25 de Junho de 2009, o clínico administrou-lhe o Propofol por via intravenosa. Pouco depois, o "Rei da Pop" estava morto.Os resultados toxicológicos preliminares da segunda autópsia foram agora conhecidos. Sem surpresas. Após várias semanas de especulações, ficou a saber-se aquilo que era já dado como certo: Jackson morreu com "níveis letais" de Propofol no sangue. E Conrad Murray está no centro das investigações.
Esta derradeira dose do potente anestésico, combinada com os restantes medicamentos ingeridos, fez transbordar o copo. A conclusão retira-se dos resultados obtidos com o selo do instituto médico-legal do condado de Los Angeles. O exame foi levado a cabo pelo médico-legista que chefia o departamento, Lakshmanan Sathyavagiswaran. A informação sobre as causas da morte consta do mandado de busca que autorizou a polícia a revistar os consultórios de Conrad Murray em Houston, no Texas. O mandado foi divulgado segunda-feira e, pouco depois, os media americanos filtravam para o exterior as causas da morte do artista.
Após meses de especulações e de uma primeira autópsia inconclusiva, é agora divulgado o que meio mundo já adivinhava: Jackson morreu com "níveis letais" de Propofol no sangue.
Viciado em Propofol
O Propofol, também conhecido pelo nome comercial de Diprivan, é um potente anestésico geral que deveria ser usado exclusivamente em ambiente clínico. É utilizado em situações de anestesia geral e, quando mal administrado ou quando surgem complicações médicas, pode dar origem a paragens cardio-respiratórias. Requer o uso de equipamento de suporte avançado de vida e só deverá ser manuseado por especialistas.
A pedido de Jackson, Murray andaria a fornecer-lhe, por via intravenosa, 50 miligramas diários de Propofol nas seis semanas anteriores à sua morte, avançam o Los Angeles Times e o site TMZ, o primeiro a noticiar a morte do cantor. Murray teria entretanto começado a retirar gradualmente o anestésico a Jackson. Nessa altura baixou a dosagem para 25 miligramas e passou a misturar o Propofol com outros sedativos.
No dia 23 de Junho, esta mistura resultou e Michael Jackson conseguiu dormir. Porém, no dia 25, não conseguia adormecer e suplicou pelo Propofol, mesmo depois de o médico lhe ter dado sedativos e ansiolíticos - incluindo Valium, lorazepam, midazolam e lidocaína - por cinco vezes no espaço de poucas horas (entre a 1h30 e as 7h30).
Finalmente, confrontado com a insistência de Jackson, Murray cedeu e administrou-lhe, por via intravenosa, 25 miligramas de Propofol. Esta dose, por si só, não seria em princípio suficiente para o matar, mas a combinação do anestésico com outros medicamentos acabou por ser fatal. Além disso, o médico pode estar a mentir em relação à dose administrada - é um dos pontos que estão a ser investigados.
Fina camada de gelo
O director do Serviço de Anestesiologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), José Martins Nunes, esclarece que um adulto deverá receber entre 2 e 2,5 miligramas de Propofol por quilograma de peso, em caso de anestesia geral; mas quando esse adulto tem uma saúde frágil e combina a toma de Propofol com outros medicamentos (nomeadamente relaxantes musculares, sedativos e analgésicos), como foi o caso, a dose tem de ser muito inferior - até porque em Michael Jackson estava a ser usado como indutor de sedação -, sob perigo de a pessoa entrar em depressão respiratória, o que acabou por acontecer.
John F. Dombrowski, director do Washington Pain Center, explicou ao New York Times que juntar ao Propofol drogas como o Valium ou o lorazepam é como "saltar em cima de uma fina camada de gelo".
Por outro lado, sempre que se administra o Propofol, ou qualquer outro anestésico, não se pode deixar o doente sem supervisão nem sequer um minuto, lembra ainda José Martins Nunes. "Os anestesistas não podem deixar o bloco operatório em nenhum momento." No caso de Michael Jackson, Murray ter-se-á ausentado durante dois minutos, o tempo suficiente para o artista entrar em paragem cardio-respiratória.
José Martins Nunes esclarece ainda que, em Portugal, o Propofol é apenas usado em ambiente cirúrgico e em unidades de Cuidados Intensivos. Qualquer outra utilização - nomeadamente uso privado - "vai contra a legis artis, ou seja, contra a boa prática médica".
Ao que tudo indica, dez minutos depois de Murray ter administrado o anestésico ao "Rei da Pop", ausentou-se do quarto para ir à casa de banho. Quando voltou, escassos dois minutos depois, Jackson já não respirava. O médico ainda tentou reanimá-lo - dando-lhe flumazenil, que contraria os efeitos do Propofol -, mas sem sucesso. Estas informações terão sido prestadas pelo próprio Murray durante um interrogatório policial levado a cabo nas últimas semanas. Desconhecem-se ainda pormenores importantes do processo, nomeadamente como é que Murray e Jackson obtiveram o Propofol e exactamente a que horas é que Jackson deixou de respirar.
Sob os holofotes
Michael Jackson cresceu diante de uma América hipnotizada pelo seu talento. Poucas crianças negras ocupavam um palco aos cinco anos, e muito menos à frente de quatro irmãos mais velhos. Michael foi crescendo sob os holofotes. À medida que crescia, a pele foi-se tornando gradualmente mais clara, as maçãs do rosto tornaram-se mais delineadas e - como não reparar? - o nariz estava afunilado e arrebitado. Paralelamente, o seu comportamento ia-se tornando cada vez mais excêntrico e bizarro.
Durante grande parte da vida, Michael lutou contra o seu corpo. Vitiligo, lúpus, operações plásticas e um acidente que lhe deixou o escalpe queimado. Jackson passou por tudo isto. No final, estava desgastado, débil, disforme e de outra cor.
A dependência de Michael Jackson em relação a analgésicos, tranquilizantes e sedativos vinha de há muito. Em 1984, Michael Jackson sofreu um acidente durante as filmagens de um anúncio da Pepsi. O seu cabelo pegou fogo e o cantor teve queimaduras de segundo grau no couro cabeludo. Terá sido na sequência desse episódio que se tornou dependente de analgésicos.
Foi igualmente na década de 1980 que lhe foi diagnosticada vitiligo, uma doença em que o sistema imunitário ataca as células que produzem melanina, deixando a pele como uma manta de retalhos: uns pedaços com a cor original e outros despigmentados. Por causa deste problema, Jackson começou a aplicar um cocktail de produtos de despigmentação total, incluindo loções com monobenzona - éter monobenzílico de hidroquinona -, uma substância que, em altas concentrações, pode induzir efeitos colaterais importantes. Acabou branco, mas também deprimido e fragilizado. O facto de passar a ter de usar máscaras, óculos e chapéus em público, para proteger a pele dos raios solares, só fez aumentar o seu aspecto bizarro.
Em 1993, a situação piorou, por altura das primeiras alegações de abuso sexual de menores. O cantor admitiu ter começado a tomar diversos ansiolíticos e sedativos. Também por essa época começou a perder muito peso e a apresentar um quadro de confusão mental. Era frequente pedir aos seus funcionários do rancho de Neverland que lhe fossem buscar os medicamentos à farmácia. Quando os farmacêuticos se negavam a entregá-los aos intermediários, Jackson ligava para os seus contactos médicos, pedindo-lhes que alterassem o nome da receita para a identificação do portador.
Chegou a passar por uma clínica de desintoxicação em 1993 - durante esse período, contou com o apoio da sua grande amiga Elizabeth Taylor -, mas nunca conseguiu livrar-se dos medicamentos.
Em meados da década de 1990, várias pessoas relatavam que, durante a tournée mundial do álbum HIStory, Michael Jackson já levava consigo um anestesista que o "punha a dormir" à noite e o "trazia de volta" de manhã, relata a CNN.
Aos 50 anos, a idade com que morreu, Michael Jackson tinha uma rede de contactos médicos, de Las Vegas à Alemanha, a quem pedia receitas de anestésicos, relaxantes musculares e toda a espécie de sedativos.
Uso de medicamentos
O advogado da família Jackson, Brian Oxman, disse recentemente, citado pelo Daily Telegraph, que nos últimos tempos a estrela lidava com uma série de lesões físicas, incluindo a fractura de uma vértebra, sofridas durante uma queda em palco, nos ensaios para uma série de concertos em Londres que marcariam o seu regresso às actuações ao vivo ( o que não chegou a acontecer). Nesta fase, andaria a tomar diariamente - para além do Propofol - um potente medicamento semelhante à morfina, o Demerol.
Outra fonte próxima do caso, citada pela CNN, indicou que, antes de morrer, as veias de Michael Jackson estariam à beira do colapso, devido ao constante uso de medicamentos intravenosos. O fim chegou na manhã do dia 25 de Junho. Quando foi levado para o Centro Médico da Universidade de Los Angeles, o "Rei da Pop" já estava para lá da fronteira da Medicina.

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