A guerra da Geórgia não acabou, continua por outros meios
A Geórgia perdeu irremediavelmente a Ossétia do Sul e a Abkházia, cuja "independência" foi reconhecida por Moscovo a 26 de Agosto. E, um ano depois, as tropas russas permanecem nas duas províncias.
O Presidente georgiano, Mikhail Saakachvili, fez uma "jogada de póquer" que redundou num "suicídio estratégico", escreveu-se na altura. Analistas militares russos frisaram que Moscovo tinha há meses planos para o ataque à Geórgia, aguardando um pretexto. Segundo relatórios europeus, também Saakachvili preparava a ofensiva há meses, confiando na protecção americana.
Nas semanas que precederam o aniversário voltaram a soprar "ventos de guerra", com a multiplicação de incidentes fronteiriços e declarações hostis. Tbilissi acusou Moscovo de preparar nova ofensiva, enquanto Moscovo acusava os EUA de armar a Geórgia para permitir um novo ataque à Ossétia do Sul. Raros analistas crêem numa guerra este ano, mas muitos temem que "uma escaramuça possa degenerar em confronto".
O vice-presidente americano, Joe Biden, visitou Tbilissi em Julho e advertiu que uma tentativa de recuperação das repúblicas secessionistas por via militar estava fora de causa. Obama telefonou a Dmitri Medvedev, acordando ambos na necessidade de baixar a tensão na Geórgia.
A analista Sabine Freizer, do International Crisis Group, declarou à Reuters: "A Rússia quer manter instáveis algumas destas áreas mas isso não é a mesma coisa que intervir militarmente".
Raros ganharam. A Geórgia perdeu quase tudo. A províncias rebeldes, declaradas "independentes", foram de facto integradas na Rússia. A maior desilusão foi geopolítica. A Administração Bush, que patrocinara o processo de adesão da Geórgia e da Ucrânia à NATO, não mexeu um dedo, limitando-se a sanções simbólicas contra Moscovo. Hoje, a adesão à NATO foi de facto afastada da agenda americana. O pouco que Tbilissi ganhou terá sido exactamente a passagem do dossier para a UE, com a expectativa de maior cooperação económica.
Os EUA tiveram de reconhecer que não têm meios de pressão contra a Rússia na região vital do Cáucaso e que a extensão da NATO é "irrealista", resume Daniel Korski, do European Council on Foreign Relations. Mais vale apostar na aproximação económica e política à UE.
Energia e "império"Que ganhou Moscovo? Putin obteve um sucesso de popularidade: a guerra foi apoiada pelos russos como uma desforra da humilhação das "revoluções coloridas" na Geórgia e na Ucrânia. Travou a expansão da NATO e mostrou aos vizinhos que podia usar a força em certas circunstâncias. Mas Moscovo começa hoje a compreender que "ser temida pelos vizinhos não é necessariamente a melhor base para atingir os seus objectivos políticos", observou Ed Lucas, correspondente da Economist. Assustou a Ucrânia e a própria Bielorrússia. Provocou uma enérgica reacção da Polónia, que se mostrava renitente ao "escudo antimísseis" americano e imediatamente assinou o acordo com Washington.
Perdeu na frente diplomática. Viu a China recusar o reconhecimento da independência das repúblicas secessionistas e incentivar, indirectamente, os países da Ásia Central a serem menos dependentes da Rússia. Viu ainda a Turquia crescer no plano regional. A vitória militar "foi um desastre de relações públicas".
Mudou entretanto o quadro internacional. A crise financeira mundial travou a perigosa degradação das relações russo-americanas e a Administração Obama voltou a elevar o estatuto da Rússia, ao mesmo tempo que o regresso do soft power americano privou Moscovo de uma poderosa arma diplomática: a impopularidade da América de Bush.
Os riscos permanecem: o de uma "uma escaramuça degenerar"; o de Saakachvili voltar a jogar póquer; e, sobretudo, porque Moscovo não desistirá de desestabilizar a Geórgia.
A Geórgia é a chave das rotas do gás e do petróleo que podem diminuir a dependência energética da Europa em relação à Rússia. Bloquear o projecto do oleoduto Nabucco e neutralizar a Geórgia são um desígnio estratégico russo.
Em segundo lugar, é "impossível" um acordo com o Ocidente, e sobretudo com os EUA, sobre o espaço pós-soviético, escreve o analista russo Fedor Lukianov. "Mesmo que a crise económica se agrave, em nenhuma circunstância Moscovo abandonará o antigo território soviético como sua zona de interesse vital. (...) A crença popular é que a Rússia não pode assumir um verdadeiro papel global no século XXI se não mantiver uma influência predominante no antigo território soviético." Washington pensa o inverso, visando "desamarrar" da Rússia o Cáucaso do Sul e a Ásia Central.