Jarvis Cocker espalhou classe no último dia de Paredes de Coura

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A noite ia avançada quando ele apareceu. O público parecia completamente entorpecido, cansado de quatro dias de música e de um cartaz pouco ambicioso na última noite, quando o britânico Jarvis Cocker mostrou que é possível fazer um concerto subtil e adulto em contexto de festival e triunfar.

Não foi levado em ombros, como os Franz Ferdinand e os Nine Inch Nails, nos dois dias anteriores, mas foi, de longe, o melhor que aconteceu na derradeira noite do festival Paredes de Coura. Não foram necessários ritmos trepidantes, guitarras furiosas e vozes esganiçadas. Apenas saber estar em palco, interagir com a assistência de forma inteligente, ter um bom naipe de músicos a acompanhá-lo, uma excelente voz e algumas canções pop de letras penetrantes e irónicas, que interpreta com nuances, sentido lúdico e empenho.

O conquistador

Desde que acabou o grupo que lhe deu fama na década de 90, os Pulp, o cantor inglês tem tentado impor uma carreira a solo. Os dois álbuns lançados - o último, deste ano, é Further Complications - são apenas razoáveis. Não têm nada que os distinga na imensidão da pop literata. Ao vivo, no entanto, canções como You're in my eyes, Don't let them waste your time ou I never said I was deep, ganham pertinência na voz e nos gestos geométricos de Jarvis, capaz da provocação calorosa - "ainda estão aqui, não vão dormir?", lança às tantas - ou do gesto arrebatador, quando lhe lançam umas cuecas do público, e ele não desarma, colocando-as à lapela. Um verdadeiro cavalheiro.

Ao longo de uma hora foi quase sempre assim, elegante, mesmo num contexto adverso, com a maior parte do público desconhecedor das suas canções, esperando pela adrenalina dos Hives, aparentemente pouco disponível para jogos florais. Mas Jarvis Cocker deu-lhes a volta, fazendo o tipo de papel onde se sente verdadeiramente à vontade: o de conquistador. E conquistou mesmo.

Ter classe, sentido das proporções, ser capaz da provocação mordaz mas ser elegante em simultâneo, era a ambição maior do vocalista (Pelle Almqvist) dos suecos The Hives, que encerraram o festival. Ele bem se esforça, pratica a toda a hora, incitando continuamente o público, mas fá-lo repetindo, pela enésima vez, todos os clichés do rock & roll. Mas há quem se reveja nos seus gestos. A esmagadora maioria dos presentes no anfiteatro natural de Coura, por exemplo. Na zona da frente do palco, principalmente, euforia foi coisa que não faltou.

Nós, que já os vimos por três vezes, não percebemos. A música é adolescente, não no sentido jovial como podem ser grupos tão diferentes como os Arctic Monkeys ou os Pains Of Being Pure At Heart, mas no sentido da infantilização de uma memória, a do rock precisamente. As palavras de ordem são sempre as mesmas, até os números de desafio se repetem. O ano passado, em Lisboa, aludiram à rivalidade Portugal-Espanha, começando a cantar em castelhano.

Desta feita repetiram-no. Por falar em duplicação, a sua música é um tratado de reprodução de fórmulas: os mesmos acordes cortantes de guitarra, a mesma precisão da bateria, a mesma voz estridente. Energia pela energia. Um vazio. Os Ramones faziam algo parecido, mas tinham canções. Os Hives não.

Festival equilibrado

Antes, ao final do dia, já tinham actuado os portugueses Foge Foge Bandido, os espanhóis Right Ons e os australianos Howling Bells. O projecto de Manuel Cruz, a jogar em casa, ainda conseguiu criar cumplicidade com o público, mas os outros dois grupos nem isso. Os Right Ons mostraram um rock rude muito gasto e os Howling Bells, sobre os quais recaía curiosidade, com excepção da simpatia da vocalista Juanita Stein não conseguiram passar grande coisa, com uma música amena, entre o apelo melódico da pop e algumas investidas rock.
No próximo ano o festival regressa, segundo a organização, entre 28 e 31 de Julho. Na edição deste ano terão estado, em média, entre 22 a 23 mil pessoas por noite em Coura. Na memória fica a exaltação em torno dos Nine Inch Nails e dos Franz Ferdinand. As boas estreias dos Horrors e dos Pains Of Being Pure At Heart. E o concerto de Jarvis Cocker na última noite, que acabou por ser a mais débil de um festival que decorreu com equilíbrio, apesar da crise.

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