Quase 150 mil hectares de montado de sobro serão afectados pela linha férrea Sines-Elvas
Nem o zoológico escapa à passagem do comboio de mercadorias projectado para levar contentadores
do porto do litoral alentejano para Madrid
a Bem no interior do segundo maior montado de sobro alentejano e ao longo da costa atlântica, nos concelhos de Santiago do Cacém e Grândola, está quase a arrancar a instalação de um ramal do caminho-de-ferro de mercadorias de alta velocidade projectado para levar contentores do porto de Sines para Madrid em apenas nove horas, contra as actuais 22. A construção da nova ferrovia, Sines-Elvas, vai exigir o derrube de cerca de sete mil sobreiros, muitos deles centenários, ao longo de uma linha com cerca de 40 quilómetros de comprimento por 400 metros de largura. Há muita gente inconformada com o facto.A criação deste corredor coloca até em causa o "jardim zoológico" alentejano do Badoca Park, "retalha aldeias e passa por cima de casas", para além implicar o abate de "milhares de sobreiros" adverte Vítor Proença, presidente da Câmara de Santiago do Cacém, que promoveu, na noite de quarta-
-feira, um debate para discutir a viabilidade do novo traçado ferroviário.
Mas é na área que vai ser sacrificada ao novo ramal que fermenta um inconformado movimento de contestação à nova ferrovia. Leonor Machado, presidente da Associação Protectora do Montado, formada para lutar contra a ferrovia Relvas Verdes-Grândola Norte, explica a razão das populações. O traçado "destruirá aldeias, montado, contaminará lençóis freáticos e zonas de abastecimento de água, quintas históricas e o turismo rural já existente na região", lembrando que os impactes não são apenas nas árvores e na cortiça, mas "no habitat que sustenta".
João Morais Sarmento, director geral do Ambiente da Refer, não refuta esta argumentação. "Temos de facto uma zona de montado que é a segunda maior do Alentejo, com 148 mil hectares de sobreiros, e vamos ter que minimizar os impactes numa paisagem que é marcante." "[Contudo], não conseguimos evitar, de todo, a afectação do montado de sobro, [apesar de a empresa que representa conhecer] perfeitamente a importância que ele tem para a economia nacional, como habitat", reconhece.
A reacção não se fez esperar e da parte de quem lá vive: "Para quê destruir uma paisagem do mais maravilhoso que há?", pergunta Lisete Helena Pereira, de 68 anos, que vive desde que nasceu no pequeno lugar de Figueira Preta, bem no interior de um esplendoroso bosque de montado e à sombra de um sobreiro com mais de 150 anos. "Eles [Refer] andaram fazendo tudo calados. Calhando, ninguém sabia desta doideira", protesta a senhora, deixando claro que a população que vive por aquelas aldeias "não sabe nada de computadores para se informar". Mas mesmos aqueles que os têm "também não sabem mais", porque não vem lá informação sobre o ramal ferroviário.
A mobilização contra o traçado começou há pouco mais de dois meses, quando a Associação Protectora do Montado bateu a todas as portas e distribuiu comunicados a dar conta do que a Refer pretendia instalar. "Por este sítio são mais de 90 casas que vão abaixo", prossegue Lisete Pereira, explicando como a Câmara de Grândola tem promovido a terra para o turismo que já começou a trazer gente de fora, para agora ser destruído por causa do comboio.
Valter Pimenta, o mais jovem residente no pequeno lugar com meia dúzia de casas muito antigas, diz que, em linha recta, a costa "está a a seis quilómetros" e que o sucesso do turismo "não tem discussão" devido ao número de pessoas que comprou ou está a construir casas para passar férias.
No debate foi discutida e apresentada um outra alternativa ao traçado da ferrovia aprovado pelo Governo. Costa Lobo, professor no Instituto Superior Técnico e especialista ligado às acessibilidades, deixou expressa a sua convicção que o traçado pelo interior da mancha de montado "não é o mais adequado", admitindo que talvez tenha havido "alguma imprevidência da Refer". Fazendo um pouco de história sobre esse projecto, Costa Lobo lembrou que há dois anos aquela empresa "não aceitou as ideias [do ISP]", alegando que o projecto, que "não é a solução mais conveniente", já estava concluído. E advertiu para o perigo que representa "desequilibrar" o Alentejo ao recusar a alternativa Sines-Beja aproveitando o ramal de Ermidas do Sado.
Este ramal implica a construção de um túnel sob a serra de Grândola com a extensão de 1,6 quilómetros de extensão, e poderia "vir a servir o novo aeroporto de Beja", argumentou Francisco Santos, presidente da Câmara de Beja, também ele opositor ao ramal aprovado pela Refer, embora por outras razões. O autarca bejense lembra que pelo Baixo Alentejo já circula cerca de 60% do transporte nacional de mercadorias por via férrea. Logo, a região tem condições para ser atravessada pelo novo transporte de alta velocidade, aproveitando os ramais já existentes. Francisco Santos diz ter dificuldade em perceber como é que se constrói um aeroporto em Beja, classificado como internacional pelo actual Governo e se projecta uma via férrea para transporte de carga "junto à linha de costa" com o impacte ambiental que se conhece, esquecendo a região onde está a ser instalado o projecto Alqueva.