Depois do sucesso da Corte-Real, a armada portuguesa regressa à Somália em Novembro
Partilhando um sentimento de impotência por libertarem piratas, os militares pedem a revisão urgente da legislação antipirataria
a Poderiam ser dois simples barcos de pescadores de Algés, mas entraram ontem no Tejo pela primeira vez, à boleia da fragata Corte-Real. As duas embarcações, uma com grandes remendos de fibra e cola, foram apreendidas, com algum armamento, pela força portuguesa que esteve em missão no golfo de Aden, junto à costa da Somália, desde o início de Março e que regressou ontem a casa. Em exposição no convés superior, pareciam mais frágeis que os botes do NRP Corte-Real. Mas as duas escadas, uma delas improvisada com canos da água e reforçada com barrinhas de ferro de meio centímetro de espessura, revelam a proveniência e uso. Pertenciam aos piratas que a força portuguesa deteve mas que acabaram por ter que ser libertados depois.
O episódio, que trouxe louros à guarnição portuguesa em Maio, acabou por deixar um travo amargo na boca dos militares. Essa insatisfação foi ontem reconhecida pelo chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, que remeteu as culpas para o "envelope político e jurídico": falta legislação para que possa de facto prender os piratas que operam na costa da Somália. O ministro da Defesa, de visita à fragata, mostrou-se favorável mas considera que a mudança legal deve primeiro ocorrer no plano internacional e só depois ser transposta.
Este vazio legal é, para o contra-
-almirante José Domingos Pereira da Cunha, o maior entrave a um combate mais eficaz. O militar português é durante este ano o comandante da força Standing NATO Maritime Group 1 (SNMG1), tendo a seu cargo as missões da força naval multinacional para responder a situações de crise em qualquer parte do mundo.
"A colaboração dos Estados é fundamental, sobretudo com enquadramento jurídico que permita acusar formalmente os suspeitos e penalizar a pirataria." É preciso que todos definam o que é acto de pirataria e do que os piratas são acusados. Esta sensação de impotência, reconhece, acaba por ser um pouco culpa de todos.
O contra-almirante não se queixa da falta de meios no golfo de Aden, mas o mesmo já não se passa com o resto da costa leste da Somália. "São 1300 milhões de milhas quadradas em que a razão entre a imensidão de água e o número de meios disponíveis é desfavorável para quem combate a pirataria. Os países devem pensar o que se vai fazer ali", avisa. "É muito importante ter cobertura aérea com aviões de vigilância marítima, que se deslocam rapidamente, identificam onde e quem está e orientam a frota."
A próxima campanha dos portugueses vai depender de reuniões na NATO que estão a decorrer, mas "está já assegurada a participação de um navio português, um alemão e outro dos Estados Unidos". O que significa que os portugueses voltam à Somália em Novembro, para nova missão. Menos tempo, mas abarcando o Natal.
Se agora a sargento Andreia Alves, electrotécnica de armamento, passou por momentos de solidão, é melhor nem pensar no futuro. Andreia é uma das 25 mulheres da guarnição de 200 militares da NRP Corte-Real. O que lhe valeu foi manter-se ocupada com o radar de superfície, que se avariou várias vezes - os mais de 40 graus que se faziam sentir desgastaram o material. "Andava exausta e angustiada", diz, agora com um largo sorriso num rosto bem bronzeado.
Com seis meses de missão cumprida na NATO, Pereira da Cunha tem razões para dizer que a presença da Aliança "contribuiu decididamente para que as acções bem sucedidas de pirataria diminuíssem significativamente". São suas as contas: "Em 2008, em cada três ataques, um era bem sucedido; nos últimos seis meses, em cada oito apenas um é bem sucedido"; e entre 4 de Maio, em que se registaram dois ataques com reféns, e 28 de Junho, houve apenas um assalto nas águas do sultanato de Omã.