A saga de Harry Potter já vai longa e a energia inicial, incluindo a viragem para uma vertente mais negra e menos juvenil, parece ter-se esgotado: o actor Daniel Radcliffe (muito limitado no seu registo) perdeu o cariz ingénuo e esta sequela explora amores inconsequentes e o desenvolvimento hormonal de "teenagers" como os outros independentemente das suas características especiais de feiticeiros encartados.
Dito isto, resulta de toda justiça sublinhar o profissionalismo de uma realização segura e inteligente de David Yates, revelando uma compreensão da necessária visualidade expressionista, sobretudo na configuração dos "Death Eaters" e no seu ataque à casa da família Wheatley. As referências ao imaginário pictórico alemão, remetendo para Dürer, Grünewald, Böcklin ou Caspar David Friedrich, encaixam numa lógica de conferir à ficção uma sólida componente culturalista, que, se dispersa o olhar desprevenido do espectador comum, aspira a conquistar uma audiência mais adulta para as aventuras engendradas por J.K. Rowling. Resta saber se vale a pena tanto esforço.
Claro que as contrapartidas oferecidas, no âmbito de alargar horizontes icónicos, enfraquecem o consumo imediato do produto: a extrema extensão do filme (cerca de duas horas e meia), o cuidado posto na definição de personagens, o facto de se limitar a acção propriamente dita (um fã acrisolado da série poderá afirmar com propriedade que, basicamente, não se passa nada), tudo contribui para um certo cansaço, um excesso de pormenor a causar dificuldades acrescidas no que respeita, por exemplo, à condição de Alan Rickman, como super-vilão. Isto sem menosprezar os inevitáveis efeitos especiais de grande amplitude, nem a coerência mínima de objectivos. Para que serve, contudo, a sequência do jogo de "quiditsch"? E o ataque à ponte do Milénio? Mera decoração?
O argumento tenta condensar o livro, estruturando os múltiplos eventos segundo uma ordem plausível: Hogwarts deixou de funcionar como fortaleza indestrutível, um porto seguro de protecção para os aspirantes a feiticeiros; o inefável Dumbledore (Michael Gambon, a cumprir a sua rábula com a costumeira bonomia) morre, vítima das forças do Mal; Potter revela a sua paixão por Ginny e assume a sua qualidade de "ungido"; Draco Malfoy perde protagonismo e a Bellatrix de Helen Bonham-Carter (excelente, ainda que estereotipada) transporta consigo um desejável humor negro.
A questão essencial passa, no entanto, pelo lado descosido da narrativa, feita de estilhaços e de pirotecnias ocasionais. Em que medida contribui este sexto "episódio" para um real avanço da série? De que adianta, em termos globais, tão extenso "exercício de estilo"? Não se tratará, tão-só, de uma "brincadeira" intervalar, destinada a preparar o epílogo que, como já sabemos, desdobrará o livro final em dois filmes?
Entendamo-nos: as aventuras de Harry Potter possuem um público-alvo determinado que está aberto a todo e qualquer desvio, sem contestar a sua função. Mas e nós, os não iniciados, onde ficamos? Num limbo de indiferença perante algo que nos passa ao lado? Pela nossa parte, não negamos a proficiência da tentativa, mas reclamamos o direito ao bocejo militante. Recomendamos aos fãs (o que é de todo dispensável), mas permanecemos na expectativa de mais excitantes propostas, de mais cinema e menos "potterices".