Entrevista David Mixner

Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria

David Mixner, um dos mais antigos activistas gay americanos, avalia a forma controversa como Barack Obama está a lidar com os homossexuais. E conta onde estava a 28 de Junho de 1969 -
agora que passaram quarenta anos sobre a Revolta de Stonewall, em Nova Iorque, momento fundador do movimento gay

a É um homem de bastidores. Angaria fundos para candidatos a cargos públicos, Obama incluído. Amigo íntimo do ex-Presidente Bill Clinton e militante filiado do partido democrata, é um dos mais eficazes lobistas gay - embora recuse a etiqueta. David Mixner, 62 anos, nasceu numa pequena cidade do estado de New Jersey. Lutou pelos direitos cívicos dos negros e envolveu-se em campanhas contra a Guerra do Vietname e a proliferação nuclear. Ao sair do armário, em 1977, tornou-se militante da causa lésbica, gay, bissexual e transgénero (LGBT). Nesta entrevista - feita por telefone, a partir da sua quinta em Turkey Hollow (estado de Nova Iorque) - critica o Presidente americano por este não agir na questão LGBT, admitindo embora que é preciso dar-lhe mais tempo.
Nos últimos meses, Obama tornou-se uma pedra no sapato para os activistas gay. Por duas razões principais. Não pôs fim à política Don't Ask, Don't Tell (DADT), que estabelece que os militares homossexuais têm de permanecer abstinentes e não podem revelar a sua orientação sexual, sob pena de expulsão - o que já aconteceu a 12.342 militares entre 1994 e 2007, segundo dados do livro Unfriendly Fire, do historiador Nathaniel Frank (2009). E não revoga a Defense of Marriage Act (DOMA - lei da defesa do casamento), segundo a qual os casamentos gay celebrados num estado não têm de ser reconhecidos em todo o país.
O New York Times escreve que Obama "está sob pressão" do lobby gay e que "precisa de um novo rumo". O Presidente decretou Junho como "o mês do Orgulho LGBT" e alargou os benefícios sociais aos companheiros do mesmo sexo de trabalhadores do Estado. Mas os activistas como David Mixner estão cada vez mais impacientes.

A Newsweek já lhe chamou "o gay mais poderoso da América". É verdade?Acho que dizem isso porque já cá ando há muitos anos e faço parte da história desta comunidade. Trabalho nisto há 50 anos, penso que não há ninguém nesta área há tanto tempo.
Considera-se uma pessoa poderosa?
Considero-me uma pessoa com opiniões muito fortes. Acho que nos podemos tornar reféns desses títulos, porque passamos a viver de acordo com as expectativas que eles criam. É preferível viver de acordo com os meus próprios valores, sejam eles populares ou não.
Dizer que é um lobista é correcto?
Não sou lobista, nunca fiz lobby. Sou activista e escritor [a sua obra mais conhecida é o livro de memórias Stranger Among Friends, 1996]. A minha vida foi juntar pessoas que queriam mudar a sociedade no sentido da paz e da igualdade.
Mas é angariador de fundos.
Sim, já angariei mais de 30 milhões de dólares americanos para candidatos a cargos públicos, incluindo cerca de dois milhões para candidatos assumidamente homossexuais.
Isso não é fazer lobby?
Não, é uma maneira de conseguir que as pessoas sejam eleitas. Sei que muitos lobistas também são angariadoras de fundos, mas não é o meu caso.
Lembra-se onde estava a 28 de Junho de 1969?
Estava a organizar uma enorme marcha em Washington contra a Guerra do Vietname. Li sobre o que se tinha passado em Stonewall no New York Times, recortei a notícia e guardei-a na minha mala. Nessa altura ainda não me tinha assumido.
E o que pensou na altura?
Fiquei impressionado por perceber que, afinal, podíamos ripostar. Foi uma coisa extraordinária. Acho que é um dos mais importantes acontecimentos da história do movimento LGBT na América.
Stonewall ajudou-o a sair do armário?
Foi o sinal de que havia pessoas como eu que estavam dispostas a não se acomodar.
Considera-se hoje que foi esse o momento fundador do movimento gay...
Do movimento gay moderno, digamos assim, porque antes de Stonewall também houve pessoas heróicas que tentaram mudar as coisas. Mas é sem dúvida um momento fundador. Acho que na história moderna nunca houve um acontecimento que influenciasse tanto a forma como olhamos o mundo.
De forma resumida, como era a América pré-Stonewall e o que mudou depois?
É a noite ao pé do dia. Antes, as pessoas eram presas por serem homossexuais, faziam-lhes lobotomias, eram internadas compulsivamente pelos familiares para se curarem da homossexualidade E depois de Stonewall isso acabou, as pessoas recusavam-se a pactuar com isso. Mudou para sempre.
Circulou nos corredores do poder quando Clinton era Presidente. Continua por dentro do que acontece na alta política?
Provavelmente sou o outsider com melhores ligações a tudo o que se passa lá dentro. Tenho acesso às mais proeminentes figuras políticas da América. E de outros países.
Conhece bem o Presidente Obama?
Estive envolvido na campanha, trabalhei muito para que ele fosse eleito. Pessoalmente, não temos os mesmos laços que eu tinha com o Presidente Clinton, mas conheço bem muitas pessoas da Administração, que trabalham directamente com ele. Falamos muito.
Sobre quê?
Tenho-lhes dito que precisam de andar mais depressa para resolver os problemas dos LGBT, que temos de encontrar uma solução para a proibição da presença de homossexuais nas Forças Armadas e que a nossa luta pela igualdade no acesso ao casamento não é negociável.
Não se pode negociar uma questão de direitos humanos e não se pode ponderar sobre qual a altura certa para agir. Todos os movimentos de direitos humanos criam desconforto social, porque a maior parte das pessoas não quer discutir certos assuntos. Mas têm de discutir.
Que diferenças encontra entre as promessas eleitorais de Clinton e as de Obama?
Penso que Clinton foi o primeiro Presidente na história da América a abrir os braços de forma assumida à comunidade gay e lésbica. Fez grandes mudanças a nosso favor, que devemos agradecer para sempre.
No entanto, foi responsável por dois diplomas terríveis: a política Don't Ask, Don't Tell e a lei Defense of Marriage Act. Se não fosse isso, Clinton teria tido uma folha de serviço limpa. Obama está a tentar levar-nos mais longe. Não apoia o casamento civil, mas apoia as uniões civis, o que não sendo bom já é um progresso, e promete eliminar a política Don't Ask, Don't Tell. Vamos ver. Até agora as coisas têm andado muito pouco.
Como se explica isso?
Acho que Obama julga que ao abordar a questão LGBT estaria a desviar-se do que é realmente importante. Mas eu, que já trabalhei com gente como Martin Luther King e Robert Kennedy, aprendi há muito tempo que os direitos civis e a dignidade humana não se podem agendar para daqui a seis meses. É para agora. As pessoas têm de ter plena igualdade na América e isso ainda não existe. Obama vai ter de lidar com o assunto, quer queira quer não. Neste momento, o vento da História sopra do lado da comunidade gay e lésbica.
Está desiludido com Obama?
Acho que ele ainda não está a caminhar no sentido certo, mas também ainda não fez nada propriamente negativo. Ainda não estou desiludido.
Pelo que se vai lendo na imprensa activista há um sentimento de desilusão a tomar conta dos LGBT americanos?
Esperávamos mais do que aquilo que temos recebido até agora.
Esperavam o quê?
A eliminação da DADT, maior visibilidade, que ele exercesse a sua liderança... Mas ainda temos tempo, tenho esperança.
Neste momento, o casamento gay é legal em seis estados. Algum dia será legal em toda a América?
Claramente sim, só não sei quando. Nova Iorque, que é um dos maiores estados, pode aprovar o casamento nas próximas semanas. Se isso acontecer, 13 por cento da população [gay e lésbica] dos EUA pode agora casar-se. É um avanço fenomenal em tão curto espaço de tempo [o primeiro estado americano a permitir o casamento foi o Massachusetts, em 2004].
Esse avanço rápido deve-se a quê?
É uma conquista do movimento dos direitos civis, em geral. Trabalhámos durante anos e anos para chegar aqui.
Alguma vez imaginou que o casamento gay fosse possível nos EUA?
Não [ri-se]. Nunca pensei que chegássemos tão longe e tão depressa. Às vezes ainda parece mentira.
Quando é que percebeu que era possível?
Quando no Massachusetts se avançou para tribunal [num processo semelhante ao do casal português Helena e Teresa, Hillary e Julie Goodridge requereram em 2001 ao Supremo Tribunal do Massachusetts o direito ao casamento, o que só foi possível em 2004].
O casamento gay pode ser visto como a última moda das sociedades democráticas?
De maneira nenhuma. É realmente uma questão de direitos humanos. Sem o casamento estima-se que mais de mil direitos e vantagens legais estejam a ser negados à população LGBT. Isso não é uma questão menor.
Como responde a quem entende que o casamento gay é uma cedência ao modelo familiar heterossexual que sempre terá oprimido os homossexuais?
Há tantos direitos e privilégios legais que dependem da figura do casamento, é apenas disso que se trata.
E por que não chamar-lhe união civil registada, como em Inglaterra?
Se não se chamar casamento, os gays e as lésbicas não conseguem aceder aos mesmos direitos e benefícios que os outros casais, pelo menos nos EUA. Devo confessar que, pessoalmente, não me quereria casar, não é uma instituição que me seja apelativa. Mas quero que toda a gente possa fazer a sua escolha, casar ou não casar, ter ou não ter filhos. Não devemos aplicar as nossas convicções pessoais a este assunto, não se pode dizer a alguém para desistir dos seus direitos como ser humano.
É sabido que o seu companheiro de muitos anos morreu com sida em 1989. Se nessa altura fosse possível teriam casado?
Não faço ideia, nessa altura nem sonhávamos com isso.
A seguir ao casamento e à adopção que caminho poderá o movimento gay seguir?
Quem tem capacidade e recursos para lutar tem a obrigação moral de ajudar os que vivem em países do Médio Oriente e nalgumas zonas de África - portanto, o caminho é dar a mão aos nossos irmãos e irmãs desses países.
E na América, o que falta fazer?
Eleger um Presidente gay.
Um presidente gay?
Claro, se já temos Obama, por que não nós?
Acha que ainda vai ser vivo para assistir a isso?
Talvez. Também nunca pensei estar vivo para assistir ao casamento gay. Por que não pensar em grande?
Democrata, homem, mulher?
Não faço ideia, mas um Presidente gay, só isso.
Documentos inéditos da época, onde constam nomes de alguns dos detidos pela polícia, foram recentemente publicados pelo site outhistory.org, da City University de Nova Iorque. Não acrescentam nada ao que se já sabe sobre os acontecimentos da madrugada de 28 de Junho de 1969 na discoteca Stonewall Inn, em Greenwich Village, Nova Iorque. Mas deixam perceber, segundo a interpretação daquele site, que a polícia americana teve plena noção de que estava perante uma revolta com significado. "Ocorrência invulgar", escreveram os agentes num relatório, no dia seguinte.
O motim de há 40 anos durou vários dias e passou à História como a Revolta de Stonewall. "Um acto espontâneo de resistência da comunidade homossexual à violência que a polícia exercia sobre ela", lê-se na Encyclopedia of Homossexuality (1990). Alegando que as bebidas estavam a ser vendidas sem licença, a polícia irrompeu pela discoteca com o objectivo de prender e intimidar os homossexuais e travestis que aí se divertiam - prática comum na época, bem ilustrada pelas imagens de arquivo utilizados no filme Milk, de Gus Van Sant. Desta vez, as pessoas responderam, atirando garrafas aos agentes e sitiando-os no interior do espaço.
"A Revolta de Stonewall foi iniciada por travestis, prostitutos e jovens vadios agarrados à droga. Ou seja, pessoas à margem da sociedade que não tinham nada a perder", escrevia o mês passado no Guardian o escritor gay Mark Simpson. 28 de Junho é hoje o Dia Internacional do Orgulho Gay e data de referência para manifestações e festas em dezenas de países.

Sugerir correcção