Que vos parece uma aventura adolescente sobre dois miúdos que procuram descobrir os segredos da cidade onde vivem? Contado assim, nada de novo, provavelmente mais uma fita para miúdos na linhagem dos velhos filmes de imagem real da Disney dos anos 1960 ou da linhagem das produções Spielberg dos anos 1980.
E se vos dissermos que essa cidade é um oásis de luz no meio de uma escuridão subterrânea para lá da qual nada parece existir, estabelecida como uma arca de Noé que permitiu à humanidade sobreviver a um apocalipse inexplicado, e que a saída que os miúdos procuram pode também ser a salvação de uma Ember que, pensada para sobreviver apenas 200 anos, está à beira do colapso? A tal fita para miúdos transforma-se noutra coisa - uma intrigante aventura distópica de ficção científica, ambientada num futuro decadente e retro-futurista misto de Revolução Industrial e anos 1950 ingleses, sobre a juventude como salvação do amanhã, dirigida com habilidade e economia pelo anglo-israelita Gil Kenan, revelado há três anos com a bem interessante animação "A Casa Fantasma". Em abono da verdade, "A Cidade das Sombras" parece mais interessado na sua prodigiosa cenografia de conto de fadas (cortesia do designer Martin Laing) do que nas suas personagens, reduzidas a arquétipos decalcados. Mas, paradoxalmente, esse funcionalismo acaba por emprestar ao filme um certo charme de série B clássica, muito sublinhado pelo luxuoso elenco de veteranos actores de composição (Bill Murray, Tim Robbins, Martin Landau, Toby Jones) convocados para preencher os papéis secundários do que não deixa por isso de ser uma peculiar variação sobre temas clássicos da ficção científica, feita com inteligência e alguma originalidade (o guião, adaptação de um romance juvenil, é de Caroline Thompson, a argumentista de "A Noiva Cadáver", "O Estranho Mundo de Jack" e "Eduardo Mãos de Tesoura" para Tim Burton). É mais uma das surpresas que têm andado a emergir pelo meio do refugo que anda a chegar às salas e que não merecia este lançamento meio desamparado.