"Can't get you out of my head", "In your eyes", "Slow", "On a night like this", "Kids", "In my arms" e "I should be so lucky" (já em encore) foram os pontos altos das quase duas horas de um concerto (discoteca?) muito quente – outra coisa não seria de esperar daquela a quem já chamaram "os 152 centímetros mais sexy da música".
Quem estava à espera de ver um espectáculo ao jeito de Madonna (que comecem as inevitáveis comparações), teve muito desse espectro: força visual, coreografias no ponto, músicas interpretadas sem falhas. É um espectáculo que tem, obviamente, uma grande dose de programação. No entanto, é menos plástico e mais orgânico.
O ecrã gigante ao fundo do palco, por exemplo, é usado menos como entretenimento gratuito e mais como contraponto estético do concerto, sem o substituir. Funciona como cenário, como "atiçador" ou como um piscar de olhos ao "glamour em câmara lenta" dos videoclips. Quanto à banda, está em palco o tempo todo, sem se esconder atrás da protagonista ou de adereços megalómanos. Os bailarinos são um punhado, mas têm acção marcada para o momento certo, sem excessos e sugerindo o acompanhamento instantâneo por parte do público. Por outro lado, não há (pseudo)mensagens de ordem política, espiritual ou humanitária para dar à coisa um ar de profundidade.
Se quisermos voltar às comparações, percebe-se que Kylie aprendeu muito com Madonna, mas não é um produto sucedâneo. As diferenças sobressaem. Surpreende a voz da australiana, que canta bem e, se for preciso, "a capella", como aconteceu no início de "Step back in time". A outra grande distinção é esta: tem a sua máquina de "show" bem oleada, mas não se deixa engolir por ela. Não se tem propriamente a sensação de que está em palco uma personagem. A imagem que fica no final é a de uma artista simpática e eficiente, a partilhar com os fãs a festa de fazer algo que visivelmente lhe dá gozo e que lhe assenta como uma luva.
Ver Kylie ao vivo obriga-nos a deixar de lado os títulos monárquicos da pop e a concentrarmo-nos naquela figura com ar tão frágil e ao mesmo tempo tão magnético, da qual sai uma voz simultaneamente infantil, doce e sensual. Do alto dos seus saltos-agulha, os movimentos de dança saem-lhe do corpo com fluidez. De dentro das roupas sugestivas (destaque para o "fato" de marinheira num guarda-roupa assinado por Jean Paul Gaultier), a elegância abafa a vulgaridade em que seria tão fácil cair.
A verdade é que, no mundo colorido em que Kylie se move, até seria fácil cair em exageros, mas o bom-gosto está presente em todos os detalhes. Kylie é uma "showgirl" com o pó das estrelas, que tem algo de inatingível, como todos os grandes vultos da pop. E encarna muito bem o seu papel enquanto ícone para todos os sexos e sexualidades. Mas Kylie não é uma boneca mecânica – é humana no sorriso, na entrega e na forma como se dirige aos seus fãs. Essa é a mais agradável das surpresas. Imparável e em grande forma, Kylie deu um espectáculo que, como ela disse, compensou a longa espera – e que merecia ter sido visto por mais gente.