Este ayatollah é o cérebro da "revolução verde"

A cara barbuda e sorridente de Mir-Hossein Mousavi pode ser a bandeira dos manifestantes que desafiam o regime, das ruas de Teerão a Tabriz. Mas o arquitecto da revolta é um ayatollah de rosto imberbe que convenceu Khomeini a beber "um cálice de veneno" e a quem Reagan ofereceu uma Bíblia autografada.

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A palavra persa kusseh, com o duplo significado de imberbe e tubarão, tem sido frequentemente usada para caracterizar Ali Akbar Hashemi Rafsanjani. Num país onde mullahs e "bons revolucionários" têm barba, para imitar a piedade do profeta Maomé, o ayatollah que provocou a maior crise de liderança no Irão nos últimos 30 anos tem apenas alguns pelinhos no rosto, talvez devido à sua ascendência mongol.

Pode parecer insignificante, mas não é. O intrigante aspecto físico, o facto de usar um turbante branco e não negro (sinal de descendência do mensageiro de Alá), a enorme fortuna e uma ambição ainda maior fazem dele uma figura temida e odiada.

Rafsanjani, 75 anos, não é visto em público desde as eleições presidenciais do dia 12, mas os que conhecem o seu estilo dizem: se está em silêncio, está a conspirar. O homem que deve a sua sobrevivência política à prática xiita de takiya (dissimulação) só revela e joga os trunfos no momento certo.

Informações recentes indicam que Rafsanjani se encontra na cidade santa de Qom - centro religioso do Irão -, onde recolheu já o apoio "da maioria" dos 88 membros da Assembleia dos Peritos, de que é presidente, para afastar o Supremo Líder, ayatollah Ali Khamenei. Algumas fontes dizem que uma decisão ainda não foi tomada porque persistem divergências sobre quem deve ser o sucessor, outras admitem que estará a ser negociada uma solução de compromisso para que nenhum dos campos perca a face.

Como é que o discípulo mais fiel e confidente do ayatollah Khomeini se tornou na maior ameaça ao regime que ele ajudou a estabelecer em 1979? Comecemos por descodificar o seu nome. Ali Akbar é um dos primeiros mártires do xiismo. Hashemi é o apelido de família e Rafsanjani deriva da província de Rafsajan a que pertence a aldeia onde nasceu em 1934, no Sudeste desértico do Irão.

Um dos nove filhos de uma família de cultivadores de pistáchios, moderadamente abastada, Rafsanjani foi para Qom, aos 14 anos, influenciado pelo futuro sogro, um mullah. Deixou para trás a paixão pelo futebol e, sob a orientação de Khomeini, dedicou-se ao estudo da jurisprudência. Foi um dos primeiros a adoptar o conceito de velayat-e faqhi ("um regime islâmico para substituir um monarca injusto"), que rompeu o dogma xiita de que "todo o poder temporal é profano até à chegada do 12.º imã".

Rafsanjani adorava fazer sermões e quando não tinha audiência no seminário pregava para si próprio. Amigos e adversários descrevem-no como um bem-humorado contador de histórias. Até conseguia fazer rir o mestre sisudo. Os seus discursos estão mais próximos do povo do que da aristocracia religiosa. Quando fala, ora puxa o turbante para a nuca, ora arregaça as mangas do longo robe, como se a indumentária o incomodasse.

A carreira política de Rafsanjani arrancou no princípio dos anos 1960, como activista contra a "revolução branca" do Xá Mohammad Reza Pahlavi. O projecto de modernização do imperador foi um duro ataque aos mullahs, porque abalava velhos privilégios. A reforma agrária, por exemplo, retirava-lhes a propriedade de grandes latifúndios de onde obtinham grandes recursos.

Obrigado a cumprir serviço militar do qual estavam anteriormente isentos os seminaristas, Rafsanjani aproveitou a oportunidade para pregar aos seus colegas soldados. O Exército, inquieto com estas prédicas, afastou-o das suas fileiras, e enviou-o de volta a Qom, na convicção de que ali causaria menos sarilhos. Enganou-se. Khomeini havia sido enviado para o exílio no Iraque mas deixara organizações religiosas no Irão e foi como membro de uma delas que, em 1964, Rafsanjani forneceu a arma usada no assassínio do primeiro-ministro Hassan Ali Mansour. Foi preso pelo menos dez vezes. A sua biografia oficial salienta que foi "desumanamente torturado" pela polícia secreta Savak.

O exemplo do vizir

Qom e Khomeini permaneceram influências determinantes na vida de Rafsanjani – mas não as únicas. Em 1967, ainda na prisão, publicou uma biografia de Amir Kabir (1807-1852), o grande vizir reformista do século XIX, que ele admira por ter usado o Ocidente para modernizar a Pérsia. Estranha escolha, para um mullah.

Representante nas negociações para pôr fim a 100 anos de guerra entre os persas e o Império Otomano, Amir Kabir ajudou o Xá Nasrudin (da dinastia Qajar) a subir ao trono e este, agradecido, ofereceu-lhe uma irmã em casamento e o cargo de primeiro-ministro. Nestas funções, reduziu a influência estrangeira nos assuntos iranianos, criou um sofisticado serviço de espionagem, fundou a Darolfonoon, a primeira universidade de estilo europeu, em 1848, apoiou a criação do primeiro jornal persa, Vaghaye al Etefaghiyeh, e tentou abrir no Irão todas as indústrias que então existiam pelo mundo. Por exemplo, fábricas de aço, de armas, de açúcar, de vidro, de chá, de cerâmica, além de estaleiros navais.

Era também o vizir quem definia o salário do Xá. No entanto, quando ousou cortar nas finanças da família imperial, para reduzir as despesas públicas e no âmbito de uma campanha contra a corrupção, Amir Kabir enfrentou a fúria de toda a nobreza. Demitido e forçado a um exílio interno, em Kashan, foi executado por uma ordem que Nasrudin não se lembra de ter assinado porque estava embriagado.

Este foi o destino que teve Siyyid 'Alí-Muhammad ou Bab, o fundador da religião Babí (actual Baha'i), que Amir Kabir mandou matar em 1850. Mas este não é certamente o destino que Rafsanjani quer para si, por muito que admire o vizir reformista.

Um executivo implacável

Em 1978, quando saiu da prisão, Rafsanjani tornou-se membro de um comité secreto, criado pelo exilado Khomeini, para organizar uma sublevação contra o Xá. O comité só emergiu da clandestinidade quando teve a certeza absoluta de que a revolução triunfaria. Em Fevereiro de 1979, quando Khomeini regressou do exílio, o então hojatoleslam (um grau abaixo de ayatollah no escalão dos mujtahids, ou jurisconsultos) rapidamente deu provas de ser dos mais competentes e implacáveis executivos.

Como ministro interino do Interior, Rafsanjani foi o elemento central de uma campanha feroz dirigida contra nacionalistas e comunistas, que contribuíram para a destruição da monarquia mas ameaçavam o poder de um novo déspota. Os tribunais revolucionários enviavam um número indeterminado de críticos dos mullahs para os pelotões de fuzilamento, e Rafsanjani declarava: "A revolução islâmica não tem alternativa às depurações violentas e sangrentas."

Alvo de várias tentativas de assassínio, Rafsanjani sobreviveu à mais aparatosa de todas, em Outubro de 1981, quando as depurações atingiam o auge. Tinha deixado a sede do entretanto extinto Partido Islâmico Revolucionário (PRI), de que foi fundador, cinco minutos antes de uma gigantesca explosão ter soterrado um grupo de dirigentes.

O ataque, que causou mais de 100 mortos, entre eles o Presidente da República, Mohammed Ali Rajaii, foi reivindicado pelos Mujahedin-e Khalq (Combatentes do Povo, MKO), organização que ajudou Khomeini a derrubar o Xá e depois foi marginalizada, tal como os comunistas, sociais-democratas e nacionais, que lutavam por uma democracia.

Foi por esta altura que um relutante Khamenei, aos 42 anos, aceitou suceder a Rajaii. Venceu duas eleições e exerceu o cargo até 1989, ano em que voltaram a chamá-lo para ser Supremo Líder. Khomeini tinha um sucessor designado, o ayatollah Ali Montazeri, mas este tornou-se demasiado crítico do rumo que o país levava e caiu em desgraça. É hoje um dos mais proeminentes dissidentes.

Como a Constituição da República exigia que o Supremo Líder fosse um grande ayatollah, Khomeini ordenara uma revisão do texto, em Abril de 1989, três meses antes de morrer, definindo para o seu herdeiro o único requisito de ter "competências políticas e de gestão adequadas".

Quem mais contribuiu para a ascensão de Khamenei foi Rafsanjani, então presidente do Majlis (Parlamento). Em Junho de 1989, convenceu a Assembleia de Peritos a aprovar, por 60 votos a favor contra 14, aquele obscuro hojatoleslam, apesar de as elites religiosas em Qom (e os líderes xiitas no Líbano e no Iraque) se terem sentido ultrajadas com a sua súbita promoção a ayatollah.

O rival Ali Khamenei

Rafsanjani fez de Khamenei Supremo Líder porque acreditava que o podia controlar. Khamenei sabia disso e, uma vez ao leme da mais importante instituição iraniana, começou lenta e metodicamente a consolidar o seu poder. Ele passou a dominar tudo, desde os Pasdaran (Guardas da Revolução) aos serviços secretos, das bonyads (fundações de "caridade" que gerem milhões de dólares) aos imãs das orações de sexta-feira, da milícia Bassiji aos tribunais. Tornou-se intocável, o único líder que não podia ser criticado. Um dos seus irmãos foi brutalmente espancado por ter constatado que "o guia tem demasiado poder".

Com Khamenei e Rafsanjani a ocuparem os dois mais importantes postos da hierarquia, as diferentes visões políticas de ambos ficaram em evidência. Observou Christopher Dickey, na Newsweek: "A base de poder de Rafsanjani encontra-se entre as classes comerciantes – 'o bazar'. Se ele não diz bem, como algumas personagens de Wall Street, que 'a ganância é boa', tem frequentemente dado a impressão de que acredita nisso. Colocou o crescimento económico e o desenvolvimento no centro das suas políticas, e a sua família cresceu conspicuamente rica."

Khamenei, pelo contrário, "construiu a sua base de apoio entre os religiosos, os militares e o aparelho burocrático – onde a lealdade e a obediência ofereciam uma saída para a pobreza", acrescentou Dickey. A partir da guerra com o Iraque (1980-88), o Supremo Líder também "forjou laços estreitos com os serviços de segurança, talvez convencido de que a melhor maneira de evitar a opressão é eliminar os inimigos".

A Bíblia e o cálice de veneno

Talentoso, perspicaz, inteligente e hábil manobrador, Rafsanjani tem procurado passar a imagem de um conservador pragmático. Apoiou a ocupação da Embaixada dos Estados Unidos, em 1979, mas quando os que tomaram de assalto o "ninho de espiões" em Teerão exigiam o regresso de Mohammad Reza Pahlavi, como moeda de troca pelos funcionários americanos sequestrados, o orador eloquente que atraía mulheres de chador às portas do Parlamento, aos gritos de "Queremos Hashemi", terá oferecido uma "solução interessante" a um jornalista: "Se o Xá morresse, ajudava muito." A 27 de Julho de 1980, o imperador morria de cancro, no Cairo.

Em 1980, como representante pessoal de Khomeini no Conselho Supremo de Defesa, Rafsanjani teve responsabilidades especiais na condução da guerra contra o Iraque, o que terá fortalecido a sua "moderação". Opunha-se à integração mal preparada de vagas de mártires contra os tanques e artilharia do inimigo. Dizia que os combates deviam ser travados com o menor número de baixas possível, mas não conseguiu evitar três fúteis ofensivas finais.

Em 1986, cinco anos depois do atentado que quase o matou, Rafsanjani entrou num outro campo minado: contactos secretos com os EUA, que venderam armas ao Irão, apesar de um embargo, para libertar reféns estrangeiros no Líbano e financiar a guerrilha dos Contra na Nicarágua. Foi quase o seu fim.

Quando a ala dura do regime expôs o escândalo, Rafsanjani insurgiu-se contra eles nas orações de sexta-feira. Relato no diário britânico The Guardian de David Hirst, um dos mais veteranos correspondentes no Médio Oriente: "Sim, admitiu ele aos fiéis, o Irão recebeu o conselheiro nacional de segurança Robert McFarlane e o coronel Oliver North. Mas eles foram rejeitados e humilhados. Tinham trazido um bolo em forma de chave para simbolizar 'a nova abertura', mas agentes iranianos 'ficaram com fome e comeram o bolo'. Num grande final, mostrou o exemplar da Bíblia, autografado pelo Presidente Ronald Reagan, que os ingénuos emissários tinham trazido. Os fiéis riram-se. Estavam de novo a seu lado."

Em Junho de 1988, surgiu um ponto de viragem na história da República Islâmica: o cessar-fogo na guerra com o Iraque sem ter conseguido derrubar Saddam Hussein foi uma terrível admissão de fracasso. Rafsanjani persuadiu Khomeini de que o Irão tinha de beber este "cálice de veneno".

Um clã de milionários

Em 1989, Khomeini morreu, não antes de proclamar que "a revolução viverá enquanto Hashemi viver", e Rafsanjani chegou à Presidência da República com 95 por cento dos votos. Com ele, a sociedade começou lentamente a abrir-se. A sua mulher, Effat Marashi, deu o exemplo, emergindo como uma figura pública e uma primeira-dama moderna.

Ao lado do marido, Effat aparecia por vezes de calças de ganga e blusas de manga curta, é certo que debaixo do chador, mas em recepções a visitantes estrangeiros chegaram a vê-la com fatos ocidentais, bem penteada e maquilhada. Rafsanjani encorajou outras mulheres a vestirem-se com menos rigor, embora todo este esforço de abertura tenha fracassado quando os preços do petróleo começaram a cair fazendo subir a força dos radicais.

Homem de negócios interessado na globalização, Rafsanjani quebrou o isolamento do Irão ao estabelecer relações comerciais com a Rússia, a China, a Arábia Saudita e os Emirados. Nos anos 1990, recomeçou o programa nuclear, lançou a privatização de empresas estatais e liberalizou o comércio externo. Neste processo, os melhores contratos foram parar às mãos dos seus aliados e familiares.

A era de reconstrução pós-guerra de Rafsanjani (1989-1997) contribuiu para a prosperidade de uma classe de oligarcas e dos seus filhos, os chamados aqazadeh, em detrimento dos mais desfavorecidos, que permaneceram ignorados. "Um clã de paxás comerciais", foi assim que a revista Forbes, num artigo intitulado Millionaire Mullahs, descreveu a família de Rafsanjani.
Um irmão dirige a maior mina de cobre do país; outro controla a rede de televisão estatal; um cunhado tornou-se governador da província de Kerman, enquanto um primo gere a exportação de pistáchios, no valor de 400 milhões de dólares; um sobrinho e um filho exercem cargos de chefia no Ministério do Petróleo; um outro filho é responsável pela construção do metro de Teerão. Operando através de várias fundações e companhias testas-de-ferro, a família Rafsanjani controla, aparentemente, um dos maiores grupos de engenharia do Irão, uma fábrica de produção de automóveis e a melhor companhia aérea do país.

Nas ruas, comenta-se que Rafsanjani detém contas bancárias de milhões de dólares na Suíça e no Luxemburgo, é proprietário dos melhores terrenos nas zonas económicas livres do Golfo Pérsico e possui residências de veraneio em "praias idílicas do Dubai, de Goa e da Tailândia".
A riqueza sob suspeita de Rafsanjani levou Ahmadinejad – o autoproclamado guardião dos mostazafin (deserdados) – a acusá-lo publicamente de corrupção, num frente-a-frente televisivo com Mir-Hossein Mousavi, durante a campanha para as presidenciais do dia 12. O facto de Khamenei não ter vindo imediatamente a público em defesa da sua dignidade, azedou ainda mais as relações entre os dois ayatollahs.

Rafsanjani, derrotado (e humilhado) por Ahmadinejad na segunda volta das presidenciais de 2005, decidiu este ano, depois de reeleito para a presidência da Assembleia de Peritos, oferecer a Mousavi fundos e conselheiros para afastar da chefia de Estado o ultraconservador que tem vindo a marginalizar a "velha guarda" dos mullahs para a substituir por uma nova geração de guardas da revolução e bassijis. Ao ver Khamenei alinhar abertamente com o Presidente, abandonando o dever de manter um equilíbrio entre facções, Rafsanjani começou a "conspirar" para afastar o Vali-e Faqhi (Supremo Líder), que, por sua vez, estaria a preparar o seu filho, Mojtaba, para lhe suceder.

Conseguirá Rafsanjani, cognominado "o Maquiavel persa" e "fazedor de reis", sobreviver a mais um desafio? Como dizem os iranianos: "Só Deus todo-poderoso saberá."

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