1924-2009

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A historiadora, arqueóloga e museóloga Irisalva Moita, figura de referência da olisipografia e responsável, durante anos, pelos museus municipais de Lisboa, morreu no dia 13, aos 85 anos. Deixou instruções à família para que a sua morte só agora fosse divulgada

a Investigadora do culto antoniano e responsável, enquanto conservadora-chefe dos museus municipais de Lisboa, pelo Museu Antoniano, a olisipógrafa e arqueóloga Irisalva Moita morreu no dia de Santo António, a 13 deste mês, mas a sua morte só agora foi divulgada, de acordo com as indicações que deixara à família. Pioneira dos trabalhos arqueológicos em contexto urbano, autora de estudos fundamentais sobre várias épocas da história de Lisboa, grande dinamizadora do Museu da Cidade, Irisalva Moita deixou uma obra vastíssima, mas quase inteiramente dispersa por separatas de revistas, actas de congressos e catálogos de exposições.
"Irisalva Moita manteve viva a grande tradição da olisipografia", diz o historiador José Sarmento de Matos, destacando o seu trabalho sobre a Lisboa do período romano, que considera "um texto de referência", mas lembrando, também, as muitas campanhas arqueológicas em que esta participou, como a do Teatro Romano ou a do Hospital Real de Todos-os-Santos, e ainda o seu papel como dinamizadora do Museu da Cidade.
José Meco, especialista da história da azulejaria portuguesa, que não hesita em afirmar que Irisalva Moita foi "o grande modelo" da sua própria carreira de investigador, acrescenta que a amiga "foi uma mulher de grande frontalidade, que dizia sempre o que tinha a dizer, nem que fosse na cara do engenheiro [Krus] Abecasis, quando este era presidente da câmara, o que às vezes a tornava um pouco mal-amada". Até mesmo entre os seus pares, nos meios da museologia, "era um bocadinho temida", diz José Meco.
Reformada há mais de uma década, continuava a indignar-se com quaisquer agressões ao património da cidade onde viveu quase toda a sua vida, embora tenha nascido em Angola, na então Sá da Bandeira (Lubango). Raul Moreira, autor do blogue Correio-Mor, conta que Irisalva Moita continuava, já aposentada, a percorrer Lisboa a pé, apoiada numa bengala e "denunciando qualquer desmando que presenciasse" contra o património da cidade. "Era conhecida", acrescenta, "como o terror dos construtores civis, tal o número de demolições de azulejos antigos ou de cantarias classificadas que pararam por seu intermédio."
Homenageada em 2008 pela Câmara de Lisboa, que lhe atribuiu, pelas mãos de António Costa, a medalha de honra da cidade, em reconhecimento pelos trabalho desenvolvido nos museus municipais, que dirigiu durante mais de 20 anos, tinha já sido agraciada, em 2005, com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República.
A primeira instituição a reagir à tardia notícia da sua morte foi a Academia Nacional de Belas-Artes, que a historiadora integrava desde os anos 70. "Foi uma das mais notáveis personalidade no domínio dos estudos olisiponenses", diz o presidente da academia, António Valdemar, sublinhando ainda que Irisalva Moita "formou várias gerações na área da museologia e da investigação histórica" e "deixou uma vasta obra de erudição e crítica".
Obra inédita
Nascida em Angola no dia 21 de Maio de 1924, Irisalva Moita vivia desde muito nova em Lisboa, onde se licenciou, em 1949, em Ciências Históricas e Filosóficas. Um dos seus primeiros interesses foi a arqueologia e, durante quase vinte anos, desde o início da década de 50, foi bolseira do Instituto de Alta Cultura, na secção de Arqueologia, tendo sido responsável por diversas escavações, como as de Moura e Pavia, no Alentejo.
Ao longo dos anos 50, enquanto trabalhava no terreno, deu também aulas na Faculdade de Letras de Lisboa e fez o curso de Conservador de Museus. É sobretudo a partir de 1958, quando ingressa no quadro dos Museus Municipais de Lisboa - foi conservadora-chefe desde 1970 a 1994 -, que os interesses de Irisalva Moita se vão centrar mais decisivamente na história e no património da capital. Ainda assim, deve-se-lhe um trabalho sobre o culto de S. Vicente em todo o território nacional, e deixou ainda muito material para um levantamento dos castros portugueses, que, diz José Meco, não chegou a terminar.
Meco lamenta também que Irisalva Moita se tenha reformado sem ter conseguido, como pretendia, dotar o Museu da Cidade de uma secção de azulejaria, projecto que se justificaria, dada a importância da colecção, que é a segunda maior do país, a seguir à do próprio Museu do Azulejo. Muitos destes azulejos estiveram expostos na grande exposição sobre a Lisboa pombalina, que Irisalva Moita organizou em 1982, no bicentenário da morte do Marquês de Pombal.
Para Sarmento de Matos, esta foi, juntamente com a exposição sobre a Lisboa quinhentista, de 1984, uma das mais relevantes iniciativas que se ficaram a dever ao empenho da museóloga, que, no âmbito das suas funções como conservadora-chefe dos Museus Municipais, promoveu muitas outras mostras, redigindo também os textos para os respectivos catálogos.
Directora dos museus da Cidade, Antoniano e de Rafael Bordalo Pinheiro, ainda que sem essa função formal, que só seria criada mais tarde, foi Irisalva Moita quem concebeu o programa do Museu da Cidade e transformou o modesto museu que existia no Palácio da Mitra na instituição que hoje funciona no Campo Grande.
Uma forma de homenagear devidamente esta historiadora que dedicou o essencial da sua vida a estudar e proteger o património de Lisboa seria reunir a sua obra dispersa e editar os muitos trabalhos que, segundo José Meco, Irisalva Moita deixou inéditos.

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