Ruella Ramos, a morte de um homem da Imprensa
a Terei passado cerca de uma década no Diário de Lisboa. O seu director, António Pedro Ruella Ramos, era um homem cativante e afável, pouco apreciador de conflitos, hábil negociador em relações interpessoais, mais tarde um amigo: não um amigo íntimo, mas um aliado inteligente, franco e cordial, na definição da estratégia do jornal e da empresa que o editava: a redacção ficava por cima e a rotativa por baixo, na Luz Soriano. Nessa segunda metade dos anos 70, o Lisboa era o jornal de Fernando Assis Pacheco, Sttau Monteiro, Maria Judite de Carvalho e de mais uma trintena de jornalistas mais jovens, oriundos de diversas esquerdas. Ruella Ramos confiava a direcção editorial a Fernando Piteira Santos - o homem que escrevia diariamente editoriais de página inteira, aconselhando os socialistas, e designadamente Mário Soares, sobre a melhor maneira de conduzir a política - mas apoiou a criação e as metamorfoses de suplementos semanais como o Sete Ponto Sete e o Ler-Escrever, viabilizou a publicação em folhetim de O Imenso Adeus de Raymond Chandler, foi um entusiasta da publicação de banda desenhada no seu primeiro caderno, participava na escolha dos cartoons de última página, aceitava riscos e partilhava-os.
Informado e actualizado sobre a evolução do sector, era, como empresário, um "homem de imprensa", com a cultura própria de que esses homens são feitos, e não apenas um gestor polivalente que pode mudar de especialidade como muda de camisa. Quando o Lisboa fechou, em 1990 - já eu lá não estava há três anos - a sua ligação à imprensa continuou como gestor da Lisgráfica até ao fim.
Uma discussão de fundo que atravessou a primeira metade dessa minha colaboração com o Diário de Lisboa - onde fui chefe de redacção de 1977 e 1986 - dizia respeito à ideia de que os diários precisavam de superar a ditadura do acontecimento num distanciamento mais reflexivo, para ganharem espaço no confronto com a televisão e com a rádio. Com mais áreas de dossiês e de stories, bem como de jornalismo de investigação, caro e lento. Eu era ferozmente partidário desta opção, bem como de valorizar os exclusivos noticiosos, e não encontrei melhor interlocutor do que Ruella Ramos. Outra preocupação foi a de tornar mais intensa e afectiva a comunicação entre o jornal e os seus leitores. A solução encontrada foi a de ampliar o correio de leitores e abrir a opinião a um leque amplo de intervenientes. Ruella entendeu e apoiou a experiência quando ninguém antevia o on-line, a "blogosfera" ou o citizen journalism.
Com ele desaparece mais um de uma estirpe de empresários que fizeram da imprensa o seu modo de vida e a sua paixão. Ex-chefe de Redacção do DL (versão integral em http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1387176)