Fisco cobrou multas em excesso sem cumprir nova lei
Em causa está a aplicação do chamado cúmulo material ou do cúmulo jurídico. Até 31 de Dezembro do ano passado, em caso de concurso de contra-ordenações, era o princípio do cúmulo material que se encontrava em vigor. Ou seja, por cada contra-ordenação instaurada a um contribuinte, por exemplo pela não-entrega de uma declaração de impostos, era-lhe aplicada uma coima e o contribuinte teria de pagar o equivalente ao somatório dessas várias coimas. "As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente", lia-se no artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).
Mas a partir de 1 de Janeiro do corrente ano o artigo 25.º do RGIT passou a ter uma redacção diferente. O número 1 da referida norma manteve o princípio de que "quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas", mas acrescentou mais dois pontos limitando o valor final a pagar. A coima "não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso" e "não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações".
Assim, na prática, um contribuinte que não tenha feito a entrega de, por exemplo, três declarações de IVA e por cada lhe tenha sido instaurada uma contra-ordenação e lhe tenha sido aplicada uma coima de 50 euros, outra de 100 e outra de 120 euros, com base na lei em vigor em 2008 teria de pagar 270 euros. Mas com a lei actualmente em vigor deveria pagar apenas 240 euros, o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. Mas não é isso que tem estado a acontecer, já que o Sistema informático de Contra-Ordenações (SCO) continuou a emitir as coimas utilizando o cúmulo material.
O PÚBLICO confrontou as Finanças com esta situação e fonte oficial do ministério esclareceu que, "na eventualidade de ter sido aplicada uma coima com base no cúmulo material, anteriormente em vigor, os contribuintes têm sempre hipótese de reagir contra essa fixação da coima, através do recurso contencioso previsto no artigo 80.º do RGIT, dentro do prazo aí previsto". Ou seja, terão de ser os contribuintes a ir a tribunal e num prazo máximo de 20 dias, podendo, no entanto, o serviço de Finanças revogar a decisão de aplicação da coima.
A ocorrência destas situações foi confirmada ao PÚBLICO por várias fontes da administração fiscal, que apenas divergem no período temporal em que as mesmas estão a acontecer. Por um lado, há quem diga que o SCO emitia as coimas de forma errada, mas em finais de Janeiro ou princípios de Fevereiro a situação foi resolvida. Mas também há quem garanta que o SCO ainda se mantém inalterado e que só agora foram dadas ordens para que se corrigisse esta situação. As várias fontes confirmam, no entanto, que foram enviadas já este ano várias notificações de coimas com base na lei que estava em vigor em 2008, nomeadamente nos casos das coimas por falta de entrega dos anexos recapitulativos de IVA de 2006 e 2007 para trabalhadores "a recibo verde" (ver caixa), que foram mandados anular pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no passado dia 5 de Junho.
O PÚBLICO tentou por diversas vezes que o Ministério das Finanças esclarecesse esta situação, mas não obteve resposta.
Tribunais contra a DGCIA alteração legislativa que entrou em vigor no âmbito do Orçamento do Estado para 2009 não produz efeitos apenas para os casos a partir dessa data e já há várias decisões dos tribunais que obrigam a DGCI a recuar.
Seguindo o princípio constitucional da aplicação retroactiva da do tratamento da lei mais favorável, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), por exemplo, já tem várias decisões tomadas em 2009 nesse sentido. Num desses caso, o STA sublinha que "tendo a Administração Tributária instaurado um processo de contra-ordenação por cada um dos períodos em relação aos quais não foi pago o imposto, aplicando uma coima por cada um dos comportamentos omissivos, violou as normas respeitantes à previsão e punição das infracções continuadas." Assim, conclui o STA que, "o regime do novo artigo 25.° do RGIT (aprovado pelo Orçamento do Estado para 2009) deverá ser aplicado retroactivamente aos processos contra-ordenacionais pendentes, sempre que da sua aplicação ao caso concreto redundar uma sanção mais favorável é irrecusável que, na situação presente, tendo o contribuinte praticado várias contra-ordenações fiscais, deve ser punido com uma coima única, nos termos do artigo 25.º do RGIT".
Perante estes casos, fonte oficial do Ministério das Finanças garante que "a Administração Fiscal sempre cumpriu e continuará a cumprir as decisões proferidas pelos Tribunais competentes, o que significa que nos casos em que seja ordenada a reforma da fixação das coimas, elas serão reformadas".