Motins nas ruas após vitória de Ahmadinejad

Mir-Hossein Mousavi diz que não aceita "farsa" eleitoral, mas o Supremo Líder iraniano quer que todos apoiem o Presidente reeleito

A Dois terços dos quase 40 milhões de iranianos que foram às urnas votaram na reeleição do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, anunciou ontem a comissão eleitoral. Mais do que a vitória do ultraconservador, foi a sua dimensão que deixou perplexos os analistas e indignados os apoiantes de Mir-Hossein Mousavi. O Supremo Líder pediu aos candidatos derrotados que evitassem "comportamentos provocatórios", mas as ruas de Teerão foram tomadas por protestos.Os primeiros incidentes ocorreram ainda na madrugada. Ignorando a proibição de organizar manifestações antes do anúncio dos resultados oficiais, apoiantes do antigo primeiro-ministro saíram à rua assim que a televisão anunciou que Ahmadinejad tinha grande vantagem. Pequenas escaramuças entre partidários dos dois candidatos sucederam-se e a polícia dispersou várias concentrações.
Alegando questões de segurança, a forças antimotim bloquearam o acesso à sede de candidatura de Mousavi, no centro de Teerão, impedindo a realização de uma conferência de imprensa para ali agendada. Vários sites ligados à oposição foram bloqueados e, ao final do dia, o principal operador de telemóveis deixou de funcionar em Teerão.
Os resultados oficiais só foram conhecidos a meio da tarde e, segundo o Ministério do Interior, o Presidente conquistou 62,6 por cento dos votos, garantindo a reeleição à primeira volta, enquanto o seu principal opositor não foi além dos 33,7 por cento.
A essa hora, a polícia carregava sobre os mais de dois mil manifestantes - quase todos jovens - que tinham ocupado a Praça Vanak, uma das intersecções mais movimentadas da cidade. "Mousavi resgata o nosso voto!" e "Ditadura! Ditadura!", gritavam os manifestantes. "As eleições foram fraudulentas. Se Ahmadinejad venceu, onde estão os seus apoiantes?", questionava-se uma jovem estudante. Frente ao Ministério do Interior, motorizadas e caixotes do lixo foram incendiados e pedras atiradas contra os agentes, que responderam com bastonadas. Várias pessoas terão sido detidos e o New York Times adiantou que um manifestante foi morto pela polícia.
Os protestos - que o Los Angeles Times dizia serem os maiores desde a revolta estudantil de 1999 - ecoaram a frustração do próprio candidato que, numa carta aberta, prometeu "não se render à farsa perigosa" em que se transformaram as eleições. Mousavi alega que faltaram boletins em inúmeras assembleias de voto e que milhões de eleitores foram impedidos de votar.
O candidato sublinha que "o resultado das acções de várias entidades oficiais põe em causa os fundamentos da República Islâmica e conduzirá a uma tirania" - uma acusação que recorda palavras de ordem contra o Xá ouvidas durante a revolução de 1979. Mas ao final do dia, quando surgiam rumores de que teria sido preso, emitiu um comunicado pedindo aos seus apoiantes para se absterem de quaisquer actos de violência.
Khamenei pede calma
O candidato - que criticou ainda o silêncio das autoridades religiosas - pediu ao Conselho dos Guardiões para investigar os "erros" eleitorais, mas o ayatollah Ali Khamenei já fechou as portas a essa possibilidade. Congratulando-se com os 85 por cento de participação (uma taxa recorde), o Supremo Líder pediu a todos "que apoiem" o Presidente eleito e disse que a afluência às urnas era motivo para "uma verdadeira celebração", legitimando o resultado.
O Ministério do Interior pediu também para que ninguém participe em "ajuntamentos não autorizados" e um oficial da polícia citado pela AFP avisou que "o tempo das danças e dos gritos acabou" com a campanha, que inundou Teerão de comícios . E num sinal de que são receados conflitos, as universidades foram encerradas e os exames que deveriam ter começado ontem ficam adiados sine die.
"O potencial para a agitação é elevado", explicou à Reuters Ali Ansari, director de Estudos Iranianos da Universidade de St. Andrews, confessando-se "incrédulo" com "a dimensão da vitória atribuída a Ahmadinejad". A ser verdade, explica, "ele teria de ter ganhado nas grandes cidades e isso não coincide com aquilos que as pessoas estão a dizer".
Também Mark Fitzpatrick, analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, se diz surpreendido com a "audácia" dos resultados oficiais, que atribuiu à "intervenção a todos os níveis" da ala conservadora, preocupada com a perda de poder.
Mas numa declaração transmitida ao final da noite, o ultraconservador disse que as presidenciais foram "livres e saudáveis". Classificando a sua vitória de "enorme epopeia", Ahmadinejad prometeu continuar as políticas de redistribuição da riqueza e a luta contra os que se "aproveitam" do regime em benefício próprio. Os festejos da vitória estão previstos para hoje nas ruas de Teerão.

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