Ao leme dos Pulp, Jarvis Cocker criou uma figura única: um "clown" histriónico, desesperado e debochado que gerava observações sociais violentas. Era uma espécie de palhaço da cidade, entesoado e iconoclasta, que corria o risco de se perder no seu próprio boneco.
A idade fez-lhe ver que não havia futuro em continuar a rebolar no chão, vestido de plumas rosa, enquanto cantava (esganiçado) sobre revoltas sociais por via de relações sexuais com raparigas burguesas. Pelo que no seu primeiro disco a solo, de há dois anos, abandonou a persona-Pulp e pareceu querer reescrever-se como respeitável eminência pop, fazendo canções que aspiravam a ser clássicas mas a que faltava sempre o golpe de asa e a coesão no som que os Pulp conseguiam. Cocker tinha ganho vergonha. Mas em "Further Complications" (o novo disco ) é nítido que o ex- "clown" voltou a ter gozo em berrar. No cerne de "Further Complications" estão os riffs másculos do rock, mesmo que aqui e ali haja desvios em direcção ao disco-sound ou à balada. O disco abre com o tema homónimo, assente num riff clássico de guitarra, acelerado e posteriormente arrastado, com bateria poderosa em fundo e coro no refrão.
A toada mantém-se no segundo tema, "Angela", canção devedora do garage rock do final dos anos 60, com um belo riff de guitarra suja. As guitarras também dominam "Pilchard" e só em "Leftovers" (aproximação ao som dos Stones dos anos 70, com piano gingão, coros e harmonias de guitarras em registo balada) é que o ritmo amaina e Cocker regressa ao seu registo sarcástico, mas com a voz mais controlada. O disco perde coesão a seguir, dispersando-se entre proto-baladas ("I never said I was deep", "Hold still"), temas dominados por saxofones furibundos (uma óptima "Homewrecker!"), disparates à guitarra ("Fuckingsong") e pilhagens ao universo Pulp ("Caucasian blues", muito, muito boa e "Slush") antes de acabar com um tema "disco" ("You're in my eyes"), que assenta na perfeição à voz de Cocker. Por muita graça que tenha ouvi-lo a berrar por cima de riffs barulhentos, o território de "You're in my eyes" (baixos roliços, coros femininos quase kitsch, metais lascivos) adequa-se melhor à idade, à voz e ao humor deste moralista sacana.